Não sou eu quem vos fala.
N ão é minha voz que ouvis.
É algo mais, sempre algo mais,
Cordão que une as coisas
E as separa, movimento constante
E inconstante,
pedra ou cal, fruto ou carne.
Há sempre algo mais nestas
Palavras, há sempre uma doçura angelina
E um beijo mefistofélico.
E as mãos sangram sob o gesto
Dos cardos e o coração teme
O desconhecido,
Coração solitário
Templo onde habitam lado a lado
Anjos e demónios.
Aqui é o lugar da celebração total
O lugar do profano e do sagrado
E os rios correm e cruzam-se
E entrecruzam-se
E as árvores medem-se
No círculo dos ventos, no anel das
Tempestades metafísicas...
Que queres pobre coração? Que procuras?
Um deus clemente? Uma pietà sob
Um céu sem estrelas e um mar sem fundo?
Recebe as tempestades e a bonanças
Desta vida que te corre nas veias
Recebe-as, impassível,
Recebe-as como um milagre
como valiosas dádivas e lembranças,
Tão valiosas como a mirra e o ouro
Tão valiosas como marfim e prata
E deixa o barco singrar,
De velas pandas, deixa-o singrar,
Rumo ao desconhecido
Deixa-o singrar...
E mesmo na hora do naufrágio
Dá graças aos céus,
Dá graças e canta
Pois para ti - ó voz! - cantar é existir
Luís Costa, Züschen - MMVII
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