:::::::::::::::::::RUY VENTURA:::::

POESIA ORAL COM AUTOR:
UM TERRITÓRIO ULTRAPERIFÉRICO

FRANCISCO ANGÉLICO:
Tenho um punhal com três quinas

Tenho um punhal com três quinas

com a ponta envenenada

e as picada são de morte

e num uma será curada

 

Já piquei um cantador

que cantava com perfeição

e nessa mesma ocasião

até lhe fiz perder a cor

no jardim nasce a flor

e nasce o cravo para as meninas

e poeta não imaginas

como os meus olhos são maganões

e para veres as minhas acções

tenho um punhal com três quinas

 

Este punhal me tem livrado

de muitas vezes ser ferido

com ele me tenho defendido

senão já me teriam matado

e vi-me uma vez cercado

com a vida atrapalhada

logo à primeira picada

meia-dúzia derrubei

e foram mesmo esses que lá matei

com a ponta envenenada.

 

O meu punhal é de azougue

e tem aço misturado

e mesmo sem ser amolado

por onde passa é um açougue

saiba amigo se não soube

que eu lhe conto desta sorte

não se venha fazendo forte

que a vida lhe hei-de tirar

e mesmo sem o amolar

as picadas são de morte

 

É uma arma tão decidida

que eu com ela estou contente

ela em vendo muita gente

até se põe destemida

tem gosto em tirar a vida

a uma pessoa escravizada

não dou uma razão mal deitada

eu gosto é de ir picando

e porque o sangue vai apontado

nem uma será curada

FRANCISCO ANGÉLICO, n. 20/12/1909, Aldeias de Montoito (dist. Évora) (Navarro, 1980: 29 - 30)