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São Paulo, de Pascoaes
(alguns apontamentos)

São Paulo, de Teixeira de Pascoaes. Uma biografia onírica que, enquanto tal, vale muito mais como ensaio opinioso, cujas ideias merecem muita discussão. Nos entremeios, é legível um "protestantismo" anti-petríneo e anti-romano do autor. Atraentes as intuições filosóficas. Sublime a linguagem em que tudo é vertido.

Irrito-me sempre quando vejo factos documentados serem torcidos para servirem ideias preconcebidas. Mas reconcilio-me com Pascoaes quando reconheço a ousadia das suas concepções (mesmo quando não concordo com elas). No São Paulo, pseudobiografia ateoteísta, ou seja, um cripto-ensaio, há luzes que não podem esconder-se. (Despropositada me parece, contudo, a aceitação beata das suas intuições, sem as submeter a um escrutínio crítico, canonizando-as a elas e ao seu autor.)

As últimas acções serão sempre as mais lembradas. Neste livro também. Os dois últimos capítulos (o penúltimo, sobretudo) são memoráveis. Se a erupção de intuições saborosas atrai este leitor em todos os livros de Pascoaes, a sua capacidade como narrador ágil não pode deixar-lo indiferente.
Pascoaes é muito maior quando se universaliza.
Vai uma grande distância entre as biografias de Zweig e as de Pascoaes. Ambas ensaios e ambas registadas num escrita dinâmica e fervente, tudo o mais as separa. Se, para o português, os factos documentados são argolas onde uma corda ténue prende um barco sujeito às vagas do sonho, para o austríaco constituem pilares bem assentes a partir dos quais se eleva um edifício psicológico sólido e verosímil.