TRÊS CHOPES
curta-metragem

ARGUMENTO
PAULO AUGUSTO GOMES
ROTEIRO
CUNHA DE LEIRADELLA e DENISE DUARTE

INDEX
Personagens
Três chopes
" três Chopes"
 

FADE IN:

01. EXT. rua 1 - NOITE

As primeiras imagens mostram uma rua típica de um bairro classe média alta. Edifícios modernos ladeados por casas de moradia e de comércio, com raros letreiros ainda iluminados, árvores nas calçadas e carros estacionados junto dos meios-fios. Passam alguns carros e um ou outro transeunte entra num edifício ou numa casa. Um casal caminha, devagar, pela calçada, aproximando-se da câmera. BRUNA, do lado de fora, e, EDUARDO, do lado de dentro. Caminham lado a lado, calados, e sem os corpos, ou sequer as mãos, se tocarem. Um transeunte apressado cruza com o casal e esbarra de leve em EDUARDO, que parece nem perceber. BRUNA olha o transeunte por um instante, mas continua andando. Ao passarem pela câmera, vê-se que o andar e os gestos de EDUARDO são tensos e ele tem o rosto contraído e olha, furtivamente, para BRUNA. BRUNA, ao contrário, não demonstra tensão, nem no andar, nem nos gestos, e o olhar vagueia no espaço à sua frente. Eles passam e a câmera segue-os, focando-os pelas costas. De repente, EDUARDO pára e acende um cigarro. BRUNA continua andando, como se não tivesse percebido a parada de EDUARDO. EDUARDO puxa uma tragada profunda e em seguida corre. Junta-se a BRUNA e continuam caminhando.

02. EXT. rua 2 - NOITE

O casal aparece, dobrando uma esquina e aproximando-se da câmera. EDUARDO ainda fumando, os gestos mais tensos e o rosto mais contraído, e BRUNA com a mesma tranqüilidade.  

CORTA PARA:

Panorâmica da rua. Carros estacionados junto dos meios-fios e passando, e, do outro lado, pessoas entrando e saindo de um bar com um letreiro iluminado: CASA DOS CONTOS.

CORTA PARA:

EDUARDO pára e olha o letreiro. BRUNA pára também e olha EDUARDO. Olha-o durante alguns instantes, fixamente, e, de repente, num gesto decidido, desce da calçada.

CORTA PARA:

BRUNA atravessando a rua por entre os carros que passam. Alguns buzinam. BRUNA continua andando sem dar importância ao barulho das buzinas.

CORTA PARA:

EDUARDO olhando BRUNA, como que espantado com o gesto. EDUARDO não sorri, mas vê-se que o rosto está descontraído e mostra um certo contentamento.

O3. int. BAR CASA DOS CONTOS - NOITE

Panorâmica do salão, com a maior parte das mesas ocupadas. Áudio do bar, com as conversas em voz alta, risos e algumas gargalhadas.

CORTA PARA:

BRUNA e EDUARDO sentados, frente a frente, numa mesa junto da parede, no fundo do salão. EDUARDO tem os olhos fixos em BRUNA. BRUNA, completamente imóvel, olha as mãos cruzadas em cima da toalha.

CORTA PARA:

Um GARÇOM que se aproxima, pára junto da mesa e faz o gesto de apresentar o cardápio. EDUARDO fala sem olhar o GARÇOM.

EDUARDO

Dois chopes.

O GARÇOM anota o pedido e afasta-se.

CORTA PARA:

EDUARDO, num gesto hesitante, estendendo a mão sobre a toalha. BRUNA não olha EDUARDO, mas percebe o gesto. Apóia os cotovelos na mesa e cruza as mãos debaixo do queixo. Nota-se a decepção que o gesto de BRUNA provoca em EDUARDO. Para disfarçar, EDUARDO acende um cigarro e puxa uma tragada profunda. BRUNA continua imóvel, os olhos fixos num ponto qualquer da parede à sua frente. EDUARDO puxa outra tragada e, procurando aparentar uma calma que não sente, solta o fumo devagar, pelo nariz e pela boca ao mesmo tempo que olha BRUNA.

EDUARDO

Foi bom você lembrar daqui.

BRUNA continua imóvel. Não responde, nem olha EDUARDO.

EDUARDO

A gente sempre gostou daqui, lembra?

EDUARDO puxa uma tragada profunda, sopra o fumo com força e acena com a cabeça, devagar.

EDUARDO

Lembra quando a gente...

BRUNA (CORTANDO)

Eduardo...

BRUNA tira as mãos do queixo e cruza-as em cima da mesa. EDUARDO sorri, mas nota-se que o sorriso é forçado.

EDUARDO

Não lembra, não?

CORTA PARA:

GARÇOM aproximando-se e colocando os chopes em cima da mesa.

CORTA PARA:

EDUARDO pegando um copo e oferecendo-o a BRUNA. BRUNA pega o copo, mas não bebe. EDUARDO pega o outro copo, bebe metade e fica com ele na mão. BRUNA coloca o copo dela em cima da mesa e fixa os olhos na toalha. EDUARDO puxa uma tragada e olha BRUNA.

EDUARDO

Bruna...

BRUNA olha EDUARDO, mas não responde. EDUARDO bebe um gole, coloca o copo em cima da mesa e fixa os olhos em BRUNA. Há uma pausa tensa, ambos imóveis, olhando um para o outro. De repente, EDUARDO baixa os olhos, puxa uma tragada profunda, fecha os olhos, solta o fumo, abre os olhos e volta a olhar BRUNA.

EDUARDO

Bruna, por favor.

BRUNA

Não adianta, Eduardo.

EDUARDO

Mas, Bruna...

BRUNA (CORTANDO)

Não insiste, Eduardo. Não vai adiantar.

EDUARDO puxa uma tragada profunda e esmaga o cigarro no cinzeiro.

BRUNA (CONTINUANDO)

Nunca adiantou.

BRUNA faz uma pausa e olha EDUARDO.

BRUNA

Me diz , Eduardo. Alguma vez adiantou?

EDUARDO não responde. Bebe o resto da cerveja e levanta um braço. Um GARÇOM chega junto da mesa e EDUARDO aponta o copo vazio.

EDUARDO

Outro.

O GARÇOM pega o copo e afasta-se.

CORTA PARA:

EDUARDO debruçando-se na mesa e olhando BRUNA fixamente.

EDUARDO

Você sabe que eu gosto de você, Bruna.

EDUARDO pega na mão de BRUNA.

EDUARDO

Sem você eu…

BRUNA retira a mão.

BRUNA

Eduardo, não adianta.

EDUARDO passa as mãos no rosto, olha BRUNA durante alguns instantes, e pega, outra vez, na mão dela.

EDUARDO

Você não quer nem repensar?

BRUNA não responde e retira a mão no momento em que EDUARDO diz a palavra não. EDUARDO baixa a cabeça, olha a toalha da mesa durante algum tempo e, de repente, num gesto um tanto brusco, recosta-se na cadeira.

EDUARDO

Pelo menos, me diz qual é o problema.

BRUNA olha EDUARDO e abana a cabeça, devagar.

BRUNA

Você sabe qual é o problema, Eduardo.

EDUARDO

Se eu soubesse, você acha…

BRUNA (CORTANDO)

Você não sabe? Faz dois anos que a gente tá assim e você não sabe qual é o problema? Eduardo, por favor.

EDUARDO acende um cigarro e puxa uma tragada profunda.

EDUARDO

Que tem um problema eu sei, Bruna. Se não tivesse, nós não estaríamos aqui falando nele. Agora…

BRUNA (COM ESPANTO, CORTANDO)

Você não sabe, mesmo, qual é o problema, Eduardo?

EDUARDO (COM UMA CERTA DUREZA)

Se eu já disse que não sei é porque não sei.

BRUNA olha EDUARDO, fixamente, durante alguns instantes.

CORTA PARA:

GARÇOM aproximando-se e colocando o chope que EDUARDO tinha pedido em cima da mesa ao lado do copo de BRUNA.

CORTA PARA:

BRUNA olhando fixamente EDUARDO.

BRUNA

Você é o problema, Eduardo.

EDUARDO balança a cabeça, debruça-se na mesa, olha BRUNA durante alguns instantes, e procura dar à voz um tom irônico.

EDUARDO

Muito bem. Você diz que eu sou o problema. Mas será que você já pensou que você também pode ser o problema?

EDUARDO faz uma pausa.

EDUARDO

Hem?

BRUNA acena com a cabeça, devagar e sorri.

BRUNA

Claro que posso.

EDUARDO recosta-se na cadeira e procura dar à voz o mesmo tom irônico.

EDUARDO

Então, se ambos podemos...

BRUNA (CORTANDO)

Só que eu não sou um problema pra você.

EDUARDO olha BRUNA, espantado. BRUNA ri, embora o riso soe meio forçado . Ela só fala depois que termina de rir.

BRUNA

É isso mesmo. E sabe por quê que eu não sou um problema pra você? Porque eu sempre fui pra você o que eu sempre quis que você fosse pra mim.

BRUNA faz uma pausa e fala num tom de voz quase agressivo.

BRUNA

Quem sempre teve 50 anos fui eu, Eduardo. Você sempre teve 30. Ou nem isso.

EDUARDO

Você tá dizendo isso porque…

BRUNA (CORTANDO)

Não. Eu tô dizendo isso porque você nunca se assumiu, Eduardo. Você nunca acreditou em você, nunca decidiu nada, nunca…

BRUNA faz uma pausa. EDUARDO olha BRUNA, agora mais assustado do que espantado.

BRUNA

Você sempre teve medo de tudo, Eduardo. De viver, de morrer, de ficar sozinho, de ficar comigo, de tudo. E isso, pra mim, não é viver, não.

As palavras de BRUNA abalam EDUARDO. EDUARDO pega o copo, leva-o à boca, mas coloca-o em cima da mesa, sem beber. Estes gestos de EDUARDO são lentos, como se ele estivesse procurando ganhar tempo para pensar.

EDUARDO

E se eu te prometer...

BRUNA (CORTANDO)

Prometer o quê? Que vai mudar?

EDUARDO (COM RAIVA E DESESPERO)

É. Prometer que vou mudar, sim.

BRUNA

Essas coisas não se prometem, Eduardo. Fazem-se.

BRUNA

Porque não ia valer a pena.

EDUARDO

Então por quê que falou agora?

BRUNA

Porque, agora, já vale a pena.

EDUARDO olha BRUNA e o olhar mostra um certo ar de esperança.

BRUNA (CONTINUANDO)

Foi a última vez que eu decidi por você, Eduardo.

BRUNA pega a bolsa, levanta-se e afasta-se sem se voltar.

CORTA PARA:

EDUARDO, completamente imóvel, olhando as costas de BRUNA, afastando-se.

CORTA PARA:

CLOSE-UP - COPOS EM CIMA DA MESA.

Ambos cheios, um ao lado do outro.

FADE OUT

ENTRAM OS LETREIROS E OS CRÉDITOS DA FICHA TÉCNICA.

 
 
 
 
 
 
 
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