«À imagem e semelhança de Deus».


A visão antropólogica de St. Ireneu de Lyon (3)

 

Fr. José Manuel
Correia Fernandes, OP


2. Visão Antropológica
 
Dentro da nossa exposição devemos centrar-nos agora no esquema antropológico defendido pelo Lugdunense.

O jesuíta Henri de Lubac, na sua obra Théologie dans l'Histoire, oferece-nos um estudo intitulado Antropologia tripartida (1). Percorre ao longo dos séculos uma corrente do pensamento cristão que, na linha de uma certa interpretação de 1 Tes 5,23, percebe no Homem três compostos distintos: um corpo , uma alma e um espírito. Este espírito, importa dizê-lo, não se confunde com o Espírito Santo e é visto como o centro mais profundo do ser humano ou, se quisermos, como uma espécie de cume onde o Homem, e só ele entre todas as criaturas deste mundo, encontra o desejo de Deus e a abertura para Ele. Desta antropologia tripartida o bispo de Lyon será o representante no século II (2). Façamos uma breve síntese da explanação apresentada por de Lubac .

De Lubac começa por afirmar que a antropologia do bispo de Lyon não é uma antropologia erudita; e, em certa medida segundo este autor o mesmo da sua teologia. Ressalva, porém, que este facto não é sinónimo de uma teologia sem interesse (3). Enuncia que St. Ireneu no livro V do Adversus haereses apresenta os seus conceitos antropológicos sem a intenção de redigir um texto com uma clareza didáctica. Conforme de Lubac, o motivo único do livro V é refutar os heréticos que só aceitam para o Homem uma salvação com base na rejeição da carne. De Lubac repassa alguns textos cruciais de St. Ireneu que referem a distinção da alma e do espírito . Destaca Adv haer V 6, 1, onde aponta os três elementos do Homem. Interroga-se de Lubac se o Homem mencionado no texto é o simples Homem ou o Homem Perfeito (4). Para de Lubac, o texto de St. Ireneu levanta dúvidas quanto à distinção do Espírito e da alma do Homem. Espírito e alma constituem uma parte do Homem diferenciando-se, assim parece, Espírito do Homem e Espírito de Deus . Baseando-se no texto paulino de 1 Tes 5,23, o bispo de Lyon conclui que o Espírito do Homem não constitui sozinho o Homem no seu todo, assim como a alma ou o corpo isolados também não. Por um lado, refere--se que os três elementos constitutivos do Homem serão, segundo St. Ireneu, restaurados diante da presença do Senhor; por outro lado, expõe Henri de Lubac, St. Ireneu fala da alma que recebe o Espírito do Pai e o Homem é dito espiritual enquanto participa do Espírito. A participação no Espírito torna o Homem à imagem e, principalmente, semelhança de Deus. Se este Homem é perfeito é porque possui o Espírito de Deus . Estas duas séries de afirmações recorda H. de Lubac não se encontram em contextos divergentes, mas estão estreitamente misturadas. Juntando mais alguns textos do livro V (5), assinalará que o objectivo principal do bispo lionês está em reivindicar para o corpo uma salvação que os gnósticos consideravam impossível. Mais se afirma que esta salvação é o desenvolvimento definitivo da vida espiritual em cada Homem, ou seja, esta salvação é fruto da acção do Espírito de Deus no ser humano.

Reconhece de Lubac que St. Ireneu não nos oferece aquilo a que hoje chamaríamos uma antropologia filosófica nem se preocupa em aprofundar o problema da inserção no Homem do Espírito de Deus. Afirma também que quando o nosso autor fala de Espírito se refere sempre ao Espírito de Deus mesmo quando St. Ireneu o considera no Homem (6). Mas, se assim é, como entender que o Espírito, como a alma e o corpo, seja restaurado e salvo? Henri de Lubac considera que os textos de St. Ireneu têm que ser entendidos à luz do esquema antropológico sugerido pelo Apóstolo Paulo pois o bispo de Lyon segue uma nítida concepção paulina do Homem (7). As posições de St. Ireneu podem e devem ser compreendidas sob um conceito dinâmico de Homem. O ser humano é criado para que partilhe da existência de Deus.

Cremos, no entanto, que depois do que se disse a questão de uma antropologia dicotómica ou tricotómica continua pertinente. A antropologia de St. Ireneu não se deixa limitar por este dilema. É importante ter em atenção duas coisas. Uma é considerar o Homem de um ponto de vista abstracto na sua natureza comum a todo Homem. Outra é considerar o Homem de um ponto de vista concreto no seu comportamento existencial, no drama da sua escolha ou recusa de abertura a Deus. Do primeiro ponto de vista, o Homem é corpo e alma; do segundo ponto de vista, ultrapassa esses limites. É muito mais, ou é convidado a ser muito mais. Procuremos rapidamente mostrar que esta dupla aproximação ao mistério do Homem é possível em St. Ireneu.

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2.1. O Homem em sentido abstracto
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Para começar, podemos citar uma afirmação de St. Ireneu que ilustra bem o Homem considerado na sua natureza, onde surge constituído de dois elementos: um corpo e uma alma. “Tudo isto [trata-se das acções do intelecto humano] se pode dizer do homem, que por sua natureza é composto de alma e de corpo” (8). Notemos que para o bispo de Lyon o Homem como tal , isto é, considerado nos elementos constitutivos da sua natureza e independente do que distingue o justo do pecador compõe-se de dois elementos: um corpo retirado da terra e uma alma dotada de razão e de liberdade. Há ainda outro texto que poderíamos apontar como lapidar nesta questão: “Ora, espíritos desprovidos de corpo não são homens espirituais, mas a nossa natureza, isto é, a união da alma e do corpo que recebe o Espírito de Deus, constitui o homem perfeito” (9). É importante perceber que à natureza humana, constituída de corpo e alma, agrega-se historicamente, por dom gratuito, o Espírito de Deus. No texto citado, o termo corpo assume o sentido de carne, ou seja, o nosso corpo de carne. Diz ainda no início do livro IV o bispo de Lyon: “O homem é um composto de alma e de carne , duma carne formada à semelhança de Deus e modelada pelas suas Mãos, isto é, pelo Filho e o Espírito” (10). Há, como vemos, uma perfeita compreensão da natureza do Homem. Apresentemos no entanto mais um texto que nos exibe uma argumentação antignóstica.

E qual é o elemento deles [os gnósticos] que entrará no Pleroma? As almas, dizem eles, ficarão no Intermediário; os corpos de natureza material serão reduzidos a matéria e serão consumidos pelo fogo que está nela. Mas uma vez que o corpo será destruído e a alma ficará no Intermediário não ficará mais nada do homem que possa entrar no Pleroma. O intelecto do homem, o pensamento, a consideração e as outras coisas desta espécie não são realidades que existam independentemente da alma, mas são movimentos e operações da própria alma que não têm existência fora da alma. O que restará deles para entrar no Pleroma? Porque também eles como almas ficarão no Intermediário e como corpos arderão com a restante matéria (11).

Nem a noção física nem a noção metafísica do Homem se apresentam em St. Ireneu como únicas pois reconhece as suas limitações. Estas noções têm em conta os elementos físicos do Homem e definem bem a physis do ser humano. Contudo, a economia de Deus para o Homem ultrapassa estas noções porque deseja elevar a criatura humana acima da sua natureza. O Homem é convidado a superar a sua própria natureza para penetrar na natureza divina. Uma definição adequada de Homem deverá ter em atenção tanto os elementos naturais como o elemento ou elementos gratuitos que o Criador concede à sua criatura.

Poderíamos apresentar outras passagens da obra ireneana onde se apresenta o Homem como tal na sua natureza (substância) de alma e corpo, mas parecem-nos suficientes os que aqui ficam registados (12). St. Ireneu compreende a natureza comum a todo o Homem como composta ou, se quisermos, como união de um corpo e de uma alma. É importante notar que no estudo que Henri de Lubac consagra a St. Ireneu sobre a antropologia tripartida não refere nenhum destes textos aqui mencionados.

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2.2. O Homem Perfeito ou Espiritual
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No texto de Adv haer II 29, 3 atrás citado, percebemos a insistência com que St. Ireneu sublinha que todo o Homem está constituído de dois elementos e só de dois. Esta tomada de posição prepara-nos, por antecipação, para outras passagens onde o nosso autor afirmará a existência de um terceiro composto no Homem habitado pelo Espírito de Deus. A visão abstracta do ser humano, embora legítima, é parcial e provisória. A natureza humana só tem sentido na medida em que o seu agir concreto corresponda ao agir para o qual foi ordenada. Segundo St. Ireneu, a natureza humana foi dada ao Homem para que este acolha livremente, pela fé, o dom da graça que o elevará infinitamente acima de si próprio conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a realização plena do seu ser pelo dom do Espírito Santo (13); dom que o Homem recebe pelo Baptismo na Igreja e ao qual o ser humano se abrirá cada vez mais pela docilidade da acção deste Espírito presente na criatura humana.

Esta inabitação do Espírito Santo no mais íntimo do Homem que o acolhe em si pela fé é aos olhos do nosso bispo uma realidade constitutiva de tal forma que não hesita em ver no Espírito Santo uma espécie de terceiro composto do Homem justificado. Assim como a alma é a vida do corpo, o Espírito Santo é, em certa medida, a Vida da alma e, por ela, de todo o ser humano.

O que são os corpos mortais? Serão as almas? Mas as almas são incorporais em comparação aos corpos mortais. Com efeito, Deus soprou no rosto do homem o sopro de vida e o homem tornou-se alma vivente [Gn 2,7]: o sopro de vida é incorporal. Assim como não podem dizer que a alma é mortal porque o sopro de vida permanece – com efeito, David diz: E a minha alma viverá para ele [Sl 21,31] visto ser a sua substância imortal – assim também não podem dizer que o Espírito é corpo mortal. O que fica então para ser denominado corpo mortal a não ser a obra modelada por Deus, isto é, a carne, aquilo que o Apóstolo declara que Deus vivificará? É esta que morre e se decompõe, e não a alma ou o espírito. Morrer é perder a capacidade vital, ficar em seguida sem o sopro, sem a vida, sem os movimentos, e decompor-se naqueles elementos dos quais teve início a existência. Ora isso não pode acontecer com a alma porque é sopro de vida nem com o Espírito por ser simples e não composto e por ser ele a vida dos que o recebem. Resta que a morte se manifeste na carne a qual, com a saída da alma, fica sem respiração e sem vida e lentamente se decompõe na terra de onde foi tirada. É esta, pois, que é mortal. E é dela que o Apóstolo diz: Ele vivificará os vossos corpos mortais [Rm 8,11] (14).

A influência dos escritos paulinos no pensamento de St. Ireneu é considerável no que toca à sua concepção antropológica. A forma audaz como articula o mistério da presença e da acção do Espírito Santo no ser humano é, na sua base, paulina. O texto que serve de fonte para o nosso autor é 1 Tes 5,23. É o Homem justificado, repare-se, que acolhe, para St. Ireneu, a presença e a força santificante do Espírito Santo.

Textos como Adv haer V 6, 1 e 9, 1s são fundamentais para percebermos o que significa o Homem perfeito ou espiritual . Na primeira passagem, St. Ireneu precede o texto de 1 Tess 5,23 com um longo comentário onde precisa o conteúdo da afirmação paulina. O Homem que apresenta é o Homem perfeito, ou seja, o Homem constituído na plenitude acabada do seu ser: o Homem espiritual , isto é, habitado e movido pelo Espírito Santo. Não se trata, portanto, do Homem comum, do Homem na sua natureza sem mais. Trata-se, isso sim, do Homem que acolheu em si o Espírito Santo pela fé. Que dizer desta afirmação lapidar? “A alma e o Espírito podem ser uma parte do homem não o homem todo; o homem perfeito é composição e união da alma que recebe o Espírito do Pai e está unida à carne plasmada segundo a imagem de Deus” (15). O Homem completo é habitado pelo Spiritus Patris enquanto que o Homem inacabado é o Homem psíquico e carnal que recusa o convite e o desafio do Espírito (16).

Para os gnósticos, era impensável uma glorificação de Deus Pai fora do espírito pois Deus era Espírito e só encontraria glorificação no Homem espiritual e não no Homem carnal. Perante esta ideia, St. Ireneu declara que Deus (Pai) será glorificado nos Homens, ou seja, no corpo, no plasma humano (17). Deus Pai será glorificado na carne dos justos quando, na epifania do Verbo, a conformar (em glória) ao Corpo (glorioso) do seu próprio Filho. É pertinente apontar que St. Ireneu acentua a glorificação de Deus no plasma e não no espírito. O espírito (divino) do Homem é um elemento glorificante e não glorificado; salvífico e não salvo. O Homem, centro da economia salvífica, define-se como plasma de Deus , obra de arte modelada por Deus. Convocado desde a Criação para a sua realização plena (18).

O Homem plasmado na Criação é conformado com o Filho de Deus. Há, em sentido progressivo, como que uma adaptação do Homem carnal (Adão) ao modelo da Carne do Filho de Deus. A transformação a alcançar compreende a incorruptibilidade como promessa. Quem participa na morte e ressurreição do Filho de Deus alcançará a imortalidade na sua carne. Tendo como pano de fundo o texto 2Cor 5,4s dirá St. Ireneu:

Qual é este pobre corpo que o Senhor transformará tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso? Evidentemente, o corpo carnal que é aviltado no sepulcro. A transformação consiste nisto: que de mortal e corruptível é tornado imortal e incorruptível não pela sua natureza, mas por obra do Senhor que pode revestir de imortalidade o que é mortal e de incorruptibilidade o que é corruptível (19).

Esta adaptação é sinónima de assimilação perfeita. Há uma conformação , em sentido qualitativo, de duas substâncias humanas: a nossa e a do Filho de Deus. Este processo afecta directamente a nossa semelhança e indirectamente a imagem. Deus, de facto, será glorificado no plasma humano quando este que é imagem de Deus e por isso chamado à perfeição entrar em comunhão de Espírito com a Carne espiritual do Verbo. A semelhança, e apenas ela, tornará o plasma humano imagem perfeita (espiritual e qualitativamente perfeita) do Verbo encarnado que por sua vez é Imagem substancialmente perfeita de Deus.

St. Ireneu atribui à alma e ao Espírito a categoria de parte do Homem como acontece com a carne. A partir desta atribuição, podemos concluir que o Homem substancialmente composto de duas partes (alma e corpo), está histórica e mesmo fisicamente composto de três: duas substâncias humanas e uma qualitativamente (o Espírito divino) proveniente de Deus.

O texto de Adv haer V 9, 1 é claro quando afirma: “Eles [os hereges] não vêem que são três os elementos, como dissemos, que constituem o homem perfeito: a carne, a alma e o Espírito” (20). Este Espírito só pode ser o Espírito Santo pois é ele que salva e forma . O Espírito é sopro da vida incriada e que vivifica o Homem que o acolhe.

Aqueles, porém, que temem a Deus e crêem na vinda de seu Filho e, mediante a fé, põem o Espírito de Deus no seu coração, estes serão justamente chamados homens puros, espirituais, viventes para Deus porque possuem o Espírito do Pai que purifica o homem e o eleva à vida de Deus (21).

Quanto à alma humana, o bispo de Lyon apresenta-a como humilde sopro de vida. Anima o corpo de carne, mas está dotada de razão e de liberdade, isto é, a alma humana tem a capacidade, se assim o entender, de perceber o apelo do Espírito de Deus e de lhe responder. A alma possui a liberdade de deixar-se elevar pelo Espírito Santo e com ela o corpo de carne até Deus. Pode ou não aceitar o desafio da divinização. Na verdade, a alma se optar pelo nível da carne deixando para trás o Espírito torna-se também carnal. Sendo assim, as dúvidas que Henri de Lubac levanta sobre as afirmações de St. Ireneu em torno da expressão spiritus hominis deixam de ter sentido (22). O espírito do Homem é para St. Ireneu nem mais nem menos do que o Espírito Santo. A análise dos textos ireneanos leva-nos a esta conclusão. A interpretação que o nosso autor elabora acerca de 1Tes 5,23 não se encontra isolada. Há o testemunho de outros Padres da Igreja que confirmam esta exegese, mas não nos compete neste momento estudá-la.

Quem leva a cabo a plenitude e a perfeição da criação do Homem é o Espírito Santo ao qual há-de submeter-se permanentemente para que não fique mutilado e frustrado na realidade profunda da sua condição humana. A leitura atenta de Adv haer V 6, 1 mostra de facto os três elementos constitutivos da criatura humana, assim como o relacionamento existente entre eles. O Espírito Santo comunicado à alma torna-se no corpo princípio de uma vida nova, santa e incorruptível como é a vida do próprio Deus. A alma é chamada a este desafio divino e divinizante do Espírito Santo, assim como desafiada a integrar neste processo de espiritualização o corpo a que está unida. O corpo, por fim, retirado do humus e modelado por Deus na Criação embora mísero é capaz de ter parte na divinização da alma e de comungar um dia da incorruptibilidade de Deus.

Através dos textos ireneanos percebemos que a atenção do nosso bispo não está tanto no Espírito, mas sim no corpo. Este facto compreende-se se tivermos em conta a polémica antignóstica. Não esqueçamos que o Lugdunense tem perante si adversários que rejeitam categoricamente a mínima possibilidade de salvação para a carne que, como sabemos, é considerada má por natureza e está condenada ao aniquilamento. Contra os gnósticos, St. Ireneu defende a doutrina da fé relativa à futura ressurreição da carne. Cremos que este aspecto é pertinente porque o teólogo moderno que se abeira dos escritos do bispo lionês inclina-se muito mais para uma leitura da inabitação do Espírito Santo no Homem e da sua vocação sobrenatural esquecendo-se desta dimensão realmente importante. Podemos dizer para sintetizar o pensamento do nosso autor que para ter um Homem perfeito ou espiritual não é suficiente uma alma mesmo que esta esteja unida ao Espírito de Deus; é necessário um corpo (23).

A antropologia ireneana destaca-se pelo seu sentido maduro e progressivo. Deus habitua-se à sua criatura e espera por ela. Age ao longo da história com o intento de a chamar para si. As suas Mãos que plasmaram o corpo de Adão no momento da Criação serão as mesmas Mãos que o transportarão para o Paraíso (24).

No Paraíso, o Espírito era como que um vestido que cobria o primeiro Homem. Pelo pecado, o Homem perdeu esta tão bela túnica de santidade (25). Como o Paraíso está apenas reservado para aqueles que têm no seu coração o Espírito (26) ao perdê-lo Adão teve que ser expulso do Éden. A expulsão tem que ser entendida como um gesto de misericórdia por parte de Deus para com o Homem.

A própria noção que St. Ireneu deixa transparecer do pecado das origens é, atrevemo-nos a dizer, de uma simplicidade pois julga a transgressão original como um pecado cometido por ingenuidade. Diz-nos mesmo que Deus “teve piedade do homem, que acolheu a desobediência por inadvertência e não por malícia” (27). Um pecado cometido como que por uma pequena criança enganada e seduzida pela serpente. O problema que se desenha neste drama é o da liberdade que o Homem perde. Seguindo o anjo apóstata, o Homem aliena a sua liberdade que sem ela lhe é impossível escolher a união com Deus.

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Notas

(1) Henri de Lubac , Théologie dans l'Histoire. La lumière du Christ , t. I, Paris: Desclée de Brouwer 1990, 113-222.

(2) Cf. ibidem , 128-134.

(3) Cf. ibidem , 129, nota 6.

(4) “De toute évidence, Irénée compte ici trois éléments dans l'homme. Seulement, s'agit-il simplement de l'homme, ou de l'homme parfait? Ou plutôt, pour parler sans ambiguïté, s'agit-il simplement de l'homme «parfait», c'est-à-dire complet en sa nature, ou de l'homme divinisé par la participation de l'Esprit de Dieu?”, ibidem , 130.

(5) Adv haer V 8, 2 ; 9, 2s; 12, 2.

(6) Cf. Henri de Lubac , Théologie dans l'Histoire , 132.

(7) Cf. ibidem , 133.

(8) Adv haer II 13, 3 .

(9) Adv haer V 8, 2 . O itálico é nosso. Segundo os gnósticos (valentinianos), os homens espirituais eram espíritos (femininos) incorpóreos temporariamente unidos à alma e ao corpo neste mundo; porém chamados a viver eternamente como puros espíritos incorpóreos. St. Ireneu com este texto impugna esta corrente de pensamento e apresenta por um lado a substância do Homem constituída pela união alma-corpo , pelo outro o elemento divino oferecido ao Homem.

(10) Adv haer IV Pr. 4 .

(11) Adv haer II 29, 3 .

(12) Cf. Adv haer III 22, 1.

(13) Como bem aponta José Jacinto Ferreira de Farias quando fala do papel crucial do Espírito Santo na soterologia: “Basta referir a teologia de Sto. Ireneu, segundo o qual a perfeição humana é acção do Espírito Santo. Para Sto. Ireneu, o homem perfeito é o homem pneumático. O Espírito Santo, que introduz no homem a semelhança com Deus, traz a redenção do homem, mesmo na sua dimensão corporal. De facto, é o Espírito que informa a carne e transforma o corpo. O fruto da união com o Espírito é tornar a carne participante da imortalidade. Esta união representa o objectivo do desenvolvimento da humanidade. Em Jesus Cristo, portanto no mistério da Incarnação, o Espírito Santo habituou-se a conviver com os homens; depois o Senhor enviou-O como dom a toda a terra. Recorde-se o motivo condutor de toda a teologia de Sto. Ireneu: Deus tornou-se o que nós somos, para nós sermos o que Ele é”, Pneumatologia e antropologia , in Didaskalia 25 (1995), 484, nota 49. Já anteriormente o apontara em O Espírito e a História. O Pneuma divino no recente debate sobre as Pessoas da Trindade , Roma: 1989, 308, nota 1, cujo texto aparece na página 416.

(14) Adv haer V 7, 1 .

(15) Adv haer V 6, 1 .

(16) “Se, porém, faltasse o Espírito à alma, este homem seria verdadeiramente psíquico e carnal, mas imperfeito porque possuiria a imagem de Deus enquanto criatura modelada, mas não teria recebido a semelhança por meio do Espírito”, Adv haer V 6, 1 .

(17) “Deus será glorificado na sua criatura, conformada e modelada ao seu próprio Filho”, Adv haer V 6, 1 .

(18) “La economia de la Salud arranca del hombre terreno para acabar – a imagen y semejanza de Cristo – en el espiritual. De lo imperfecto a lo perfecto. Mas no por regresión al punto de partida ni por secesión de lo animal y visible, sino por continuo progreso hacia delante y por asimilación de lo espiritual y invisible”, Antonio Orbe, Antropología de San Ireneo, Madrid: BAC 1969, 28.

(19) Adv haer V 13, 3 .

(20) Adv haer V 9, 1 .

(21) Adv haer V 9, 2 .

(22) Cf. Henri de Lubac , Théologie dans l'Histoire , 131.

(23) Cf. Adv haer V 6, 1.

(24) Cf. Adv haer V 5, 1 .

(25) Cf. Adv haer III 23, 5 .

(26)“É para os justos que possuem o Espírito que foi preparado o paraíso”, Adv haer V 5, 1 .

(27) Adv haer IV 40, 3 .

 



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