t) A rebolução faz-se nas horas de béspora



XVIII. Amanhã tenho de me levantar cedo por causa do emprego. Desde sexta-feira que não saio de casa. Passei três dias escondida neste estú dio a preparar a salvação do mundo.

É claro que a preparei, mas não tenciono dar-vos a provar nada. Nicles! Nem pitada!

 

XVII. E a mim, que me ensinastes?

Tadinhos! Que podiam eles ensinar-te?

Quem quer saber alguma cousa importante tem de a aprender primeiro.

 

XVI. Eu já não tenho medo.

Quer dizer: não tenho aquele...

A contínua luz da alba carece de emoções.

 

XV. Porque eles não sabem nada. Eles são de uma ignorância infinitiva.

Arre que são de uma implacável crueldade! 

 

XIIII. Lugar fervente! O vapor que se evola e os ares inunda em perfumes sapientes. Tudo se transmuta... minha luzinha verde, meu sinal amigo!

Eco, ao longe, acenava ao vento: or... u... al...

 

XIII. Nem todos os meus dias de folga têm 36 hordas gritando numa língua indígena.

 

 XII. Nem toda a minha vida é descontínua. 

 

XI. Deitei uns pós no cadinho fonético e mudei a vida dela. Délia, não é? De réstia, sem hélio não se pode criar praticamente nada.

Era miúda, uma anã branca. Cordeira pascal, Ignez se llamaba.

Que inscripção funda gravaram nela! Deixa-me ler o número delido: ...ug...ug...ug...

Rolam pedras pelas escarpas do mundo. O vento rola. Rolam pedras pelos mares profundos. O vento rola. Rolam ecos pela noute infinda. O vento rola.

Arrulha a pombinha branca. Arrulha. Do Espírito Santo. Arrulha.

 

X. Rolam pedras pelos oceanos. O tropel rola.

Arrulha tudo.

Rola tudo e eu estou no quarto a escrever à velocidade de um só dedo dactilográfico. Ca com o outro fumo.

Minha máquina morfológica! Tippa sintáctica, corcel fonético!

Eu estou tranquilamente a escrever à máquina enquanto o locutor me dá no telejomal as últimas notícias do fim do mundo.

O que não é grave. Grave é darmos cabo do mundo por termos esquecido as regras da Gramática.

 

VIIII. Eu estou no fim do mundo.

Eu estou no seu princípio.

Entre nós duas roda o conhecido.

 

VIII. Esvaio-me numa cidade rouca. Estou-me a vir num buraco negro. Repito o sortilégio, a fórmula do encanto: or... ug... gal...

Teofóricos sons! Um nome de país com uma sílaba divina incrustada como se na testa tivesse uma esmeralda! A falsa pedra!

Cratofania nacional! Ó milagre de meu coração republicano, democrata, afectuoso!

Ó prodígio de nossos corações cristões, halterofilistas, elegantes!

 

VII. Ó refulgentes sinestesias parapsíquicas! Ó lugres ducais!

Ó potlatch de inúteis métricas verbais!

 

VI. O ser vivo, para sobreviver, precisa de conhecer o espaço.

Tem de o dominar.

Para isso pesa, conta, quantifica, usa um sex tante, uma fita métrica.

Antes de o homem ter inventado o sextante, já as abelhas o utilizavam no seu sistema de orientação.

O problema da lei é simples agora de resolver: voltar ao princípio e estabelecer conexões. Falo do meu poema.

 

V. Porque o que eu quero é saber. Violentamente.

Eu nem sei o que quero saber.

Mas quero, quero desesperadamente saber.

 

IIII. Estive agora com um simpático senhor que me falou de olivas, do lepidóptero Peripathos, o insecto que se diz  ter originado todos os insectos e existe ainda hoje como fóssil vivo. Falou-me também da Ephemera, uma criatura que vive quatro minutos de vida.

Quatro minutos de vida!

Quem poderá dizer de nós um dia: era uma espécie curiosa, tinha 65 anos de vida!

À escala de que criaturas me chamo Ephe mera?

 

III. Depois de todo o trabalho que tive para encher de inscrições a minha pedra?

 

II. Com que audácia se vive quatro minutos? Com que rápido fulgor?

Quanto não darei um dia por mais quatro minutos de viver?

Ó condado dos sonhos, ó meu belo marquês!

Repetia, numa gulodice: or... or... or... kiss e lagar!

Or-ki. ..orquídea?

Um espírito santo de orelha meteu-se a páginas tantas.

Or-kiss-e-lagar! Orkisselagar! Lagar, meus vinhedos do Douro! Mimosos beijos de acácia!

A síntese entrou em paroxismo. Letras psicóticas, lacânicas, enrodilhadas. As sílabas acintosamente convertidas!

Eu  declaro-me surpreendido pelo espiritismo! 

Eu vou para amanhã numa prosa converso!

 

00.  Repito, como se fosse o último dia: kisslagar... Quis alargar! Eis o segredo da expansão das partes no além-mar! Quis dilatar-se!

A  dilatação é uma propriedade dos corpos sensíveis à energia térmica. A presença de lume é indispensável.

Crisopétala de mar! Grito: Cristo ao luar! 

Um crisântemo deponho sobre a tua exorbiante juventude.

 

01. A adivinha, a fórmula mágica, o capítulo: alargar!

HAHAHAHAHAHA!, faço. HAHAHAHAHAHA!, ecoa o mar.

Como se criasse, entendes? Como se eu criasse a voz do mar! Oh, a música remota e pomposíssima! Que boquinhas de jarro me põe no altar! O fado declamando à beira d 'água, com o cosmos a repetir-lhe o crepitar: or... kitsch e lagar!

O vinho da vida, eu sou a videira!


0.2. Eu sou a videira e tu vais-me podar. E tu és o vinho novo, vinho fino para eu provar. A si me rendo e vendo, belo deus fagueiro!

 

03. Or... or...or..., repete o mar.

 

0.4. Jovem serás quando eu chegar. Adolescente mais belo que Narciso, a flor hipnótica. Fascina-me muito devagar.

E serás Lug, o meu gral... gal... gal..., galgavam nuvens cavalos de lume.

Crio o meu país à margem de qualquer certidão de óbito oficial.

Crio o meu país à margem.

Crio sentido.

Estou-me a esvair nos braços de um rio rouco. 

Rouco de gritar: or... ort... port... porta para nós! Porta para nós, pôrra! Pôrra que este rio nunca mais vai ter ao mar!

 

0.5. Por... tug... tuga...

Bô ê tuga!

Por... tug... tugal! Tu... gal... Lug, lugar de Graal! Lugar de Deus separado de nós por uma cortina.

 

 0.6. De neblina.

Entre brilhos relapsos, as estrelas reincidem nos colapsos. Entre holocaustos, as estrelas explodem nos dias fastos.

 

0.7. É frequente a Noute sentar-se no autocarro ao lado de Dias quinhentos anos mais atrasados do que ela.

Também os humanos podem ser fósseis vivos.