s)  Isto é a mais simples cousa que se possa imaginar

 

XV. Exploro a boca com a ponta da língua, não há segredo oral que não pressinta ou que me escape. O arco e a flecha, caço. Exploro o meu corpo, os escaninhos da emoção.

Mas por cima, por cima de tudo, o espírito santo de orelha censura e faz serviço de escuta.


XVI. Eu sou a Noute.
E tu és cousa ainda mais simples.
Tu és o Sol que Dia alumeia.

 

XVII. Como biscoitos com pressa fotográfica.

Como biscoitos em câmara lenta.

As tartes e os biscoitos simplificados, que da oficial câmara frigorífica...

Como biscoitos em câmara escura.

Como bolachas em câmara clara.

Como bolachas em câmara ardente.

Como o Presidente da Câmara.

 

XVIII. Nut. Zut!

A marquesa de Etimologia anda toda arripiada dos nervos, a velha senhora.

Tão seniora.


XVIlII. Sou perito em embalsamar pássaros. Estou farto de ser uma pessoa forte e vossemecê também se há-de cansar.

Sou especialista em fabricar olhos de vidro.  

Um dos meus antepassados tinha uma perna de pau.

Cansado de andar cá e lá, tem uma perna aqui e outra acolá.

Sou perita em dissecar vocábulos.

Estou muito cansada de ser forte e a senhora também se há-de calçar.

 

XX. Comovem-me tanto as séries fílmicas em que só aparece gente caridosa e boazinha!


XXI. Waiting for the Sun.

A FM anda galga de todo, desde domingo. Engasga-se entre cada dois semáforos.

Cromatóforos, fotões de música esgalgados. Greves, avarias graves no poder, presidentes que ameaçam descalçar a bota!

Sem batatas, sem juízo, andam os galos todos gagos e as galinhas por galar já não dão pintos.

Cruzados, réis, escudos de crista baixa. São o meu pecado!

 

XXII. Praeterea magnae legiones cum loca curso 
Camporum complent, belli simulacra cientes,
Fulgor ibi, ad caelum se follit  totaque circum
Aere revidescit tellus subterque virum vi
Excitur pedibus sonitus clamoreque montes
Icti... n... et coetera et alii...

 

XXIII. Nunca fiz uma citação mais apropriada, santo Deus!

-  E mais genial seria ainda se soubesses Latlm.


XXIIII. Eco repete, entusiasmada, histérica: et coetera et alii... et aI... etaI... e tal... aI... gaI... gal...


XXV. Que país entra em mim com seus chiffres arqueando-se? Os seus nomes em carnavais instintivos?

O céu põe os suspensórios constelados.

Sob a Lua tenra, rósea, o dorso implume de animal.

Que nome te deram, ó pálido deus ocidental? 

Um galo te parta!

Que maus fados corridos te cerraram as cortinas de nevoleiro, ó ruivo ardor matinal?

 

XXVI. Nesta longa meia-idade entre colapsos, as estrelas brilham com seus brilhos relapsos. Ah, as estrelas douram a plateia com seus risos d'ouro!

Bárbaros tinidos.

Entre colapsos violentamente as nações infligem gargalhadas de aço.

Indiferentes!

Elas, que estalam chicotes, e explodem ferozes, dramáticas!

Nações altas como altas estrelas.

Estrelas altíssimas.

 

XXVII. Seu contínuo splendor. Sua eternidade intermitente, seu resplendor.

Seu amaríssimo soluço, seu riso de dor.

 

XXVIII. Astro-sábios de luneta pousam os olhos numa cratera lunar.

E ela balança, azul, remando nas noutes petiscantes.

 

XXVII. Não gosto que se despeçam de mim os heróis do mar. Ensaia a língua, fruitivamente: or... u... al... 

A... i... a...

O... u... a...

 

XXVI. Dar-Ihes ou não Ihes dar a vogal que me pertence, eis a questão.

 

XXV. Incandesce o atanor sob as caldeiras sacrais. Livro de transfusões eternas! As maiores transmutações! Negro, vermelho, branco. Branco, branco de pomba santa.

Branco e frio na terceira geração.

Quem virá de branco e irreal como procissão de raparigas?

Raparigas glaciais ?

 

XXIIII. Quem vem de vermelho após o regimento das tenebras?

Tenebrário na semana santa.

Agnes, Inês se numera a anha imolanda. De quem o fogo na hóstia, na catedral de Lamego?

Quem veio de vermelho e ígneo para a procissão de Santa Bárbara? 

Quem chega de branco montando o leão em flor? Luz verde, vaso talhado numa pedra esmeralda?

Fotocolorimetria astral.

 

XXIII. Que espantosa criatura é esta, alva e loura, esplêndido iceberg toucado de frio e caramelo?

Quem vem de branco para a comunhão solene?

 

XXII. Que crianças são estas, longas, esguias, com olhos de azul opaco e maneiras corredias?

Vêm puras e metalizadas. Vêm alvas, espectrais, plastificadas.

Cegas, cegas. Caminham pelo projecto antecipado sem verem nada à sua frente.

Crianças surreais, silentes.

 

XXI. Que seres são estes saídos da catedral do Indefinido?

Nascidos em Longe-Longe?

Pálidos, espíritos da alba, mininos d'alva... Quem são estes monstros de pureza?

 

XX. Có-có-ricó!... Có-có-ricó!... Có-có-ricó!... 

Quando o galo cantar pela quinta vez, o padre levantará a custódia. Para que livremente o Sol possa nascer.

É Natal.

 

XVIlII. E o mais engraçado é que Aurora sou eu.