SIEBOLDIA MAXIMA, A SALAMANDRA GIGANTE DO JAPÃO
MARIA ESTELA GUEDES
16-07-2003
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Sinonímia:
Megalobatrachus Sieboldi Tschudi, 1837
Salamandra maxima Schlegel in Tschudi, 1837
Triton japonicus Temmink, 1837
Cryptobranchus japonicus - Van der Hoeven, 1838
Tritomegas Sieboldii - Duméril & Bibron, 1854
Megalobatrachus maximus - Boulenger, 1882
Megalobatrachus japonicus - Stejneger, 1907
In: Thorn, 1968
MENINA SIEBOLDIA, DIGA 33!...

Muitas das primeiras notícias sobre os animais do Japão a que o mundo científico europeu teve acesso devem-se à "Fauna Japonica", de Ph. Fr. de Siebold. É ele quem celebriza a salamandra gigante. De modo geral, salamandras e tritões vão de alguns milímetros a trinta centímetros ou pouco mais. A salamandra gigante do Japão alcança um metro e meio de comprimento, segundo Halliday & Adler. Mas cada autor dá seu tamanho (1,74 m n' A Fauna, Ed. Europa-América).

A estampa da Sieboldia maxima, bem como a imagem de rosto e fragmento de texto que apresento em cópia digital, provêm de uma versão em francês da "Nota histórica e física sobre os Répteis do Japão", extraída da "Fauna Japonica" (Siebold, 1838).

Reproduzida da que fora publicada pelo Museu de Tóquio, diz Siebold, esta gravura é por vários motivos assinalável : ao contrário do que o naturalismo pretende com a ilustração, e a esta modalidade da arte a ciência faz questão de chamar "ilustração científica", a estampa não evidencia os caracteres da salamandra de modo a poder identificar-se - podia ser qualquer outra. Compare-se com a foto, que não é considerada boa ilustração científica (a fotografia pode não mostrar os caracteres discriminantes seleccionados pelos sistematas para identificação de espécies), subtraída indevidamente a Capula & Mazza, e percebe-se que a estampa é um quase borrão com contornos de salamandra. Mais: a estampa não parece ter saído das mãos de um artista japonês. No estilo da estamparia japonesa, é característico o traço fino, firme, delicado e nítido.

Há porém caracteres na gravura bem inequívocos para quem tenha a chave do código linguístico: os da língua japonesa. Os japoneses não só entendem os signos como percebem que a imagem sofreu uma ligeira mudança introduzida por mim. Não é nada de secreto, salta à vista dos japoneses. E qualquer interessado verá, basta confrontar a minha cópia com a cópia de Siebold e com o original, que não deve ser japonês. Para os desinteressados, tudo passaria por gralha se eu não afirmasse que não é na língua das aves que falo agora, sim em salamandrês. Se por extraordinário acaso os japoneses não notarem nada de anormal na estampa, então é porque Siebold teve a mesma ideia que eu. Ao contrariá-lo, terei reposto sem querer o modo como foi publicada pelo Museu de Tóquio - admitindo que o Museu de Tóquio tenha publicado aquela estampa de salamandra que de japonês só parece ter os caracteres linguísticos - e afirmar isto é correr um risco, pois não sei japonês.

Então temos uma estampa que mostra uma espécie sem caracteres morfológicos definidos, rodeada por um acervo de caracteres criados, seleccionados e combinados pelo homem. Nem a sistemática nem a nomenclatura são estáveis - animais, minerais e plantas mudam frequentemente de posição nos grupos taxonómicos e com isso mudam de nome. Aliás, a taxonomia e a nomenclatura têm forçosamente de variar de acordo com a variação dos caracteres específicos. Mas há limites para a variação dos caracteres, não precisa de ser muita, basta saltar aos olhos como certas gralhas. Quando a variação não tem lógica, sobra um zoo_ilógico.

Essa selecção humana é omnipresente na nomenclatura da salamandra, que não tem conservado fixos os caracteres do nome científico. Mesmo aqui, num só artigo, vemos que na estampa é identificada como Sieboldia maxima, quando, no corpo do texto, Siebold a designa por Salamandra maxima. Embora não tenha feito nehum levantamento de corpus sobre a salamandra, basta ter pegado numa obra de herpetologia com a sinonímia das espécies, como é a de Thorn (1968), que tive o cuidado de transcrever acima, para verificar este delicioso facto - não consta ali nenhuma Sieboldia maxima................

Não figurando nenhuma Sieboldia maxima na sinonímia, a estampa fica mais acrescida ainda na riqueza de caracteres, que ultrapassam largamente os da legitimidade científica. Os caracteres linguísticos combinam-se de tal maneira que da mistura dos latinos com os japoneses (ou chineses, ignoro) resulta um texto híbrido, não só híbrido literário como híbrido de científico e não científico - não é só a questão de o nome Sieboldia maxima não estar consignado na lei da taxonomia (em Thorn, pelo menos), acresce a isso que são os caracteres linguísticos de um nome ilegítimo o que identifica o inclassificável animal representado na gravura.

Na realidade destas variações de toda a ordem, a salamandra já não é Salamandra, Triton nem Megabatrachus. Nas obras mais recentes que consultei, a de Halliday & Adler e a de Capula & Mazza, o seu nome é Andrias japonicus. E como a sistemática muda a um ritmo vertiginoso, o mais natural é o nome Andrias japonicus já ter caído em sinonímia, e ter sido assim substituído por outro.

Andrias, nome curioso - parece uma salamandra resultante de selecção humana, como a Chioglossa lusitanic.... Formado sobre o radical andros, que significa "homem", presente em termos como andrógino, o ser meio homem e meio mulher do esoterismo.

Consultada a este respeito a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, que costuma ser muito elucidativa em matéria de anormalidades zoológicas, fiquei a saber que Andrias é um "Urodelo fóssil, afim da salamandra gigante, da família dos criptobranquídeos, que vive na América do Norte e no Japão. Foi descoberto, em 1726, por J.J. Scheuchzer, que o tomou como o fóssil dum homem afogado no dilúvio universal. Cuvier, mais tarde, desfez o equívoco. (Do grego andriás, figura humana)."

Ah, dir-se-ia então que a Sieboldia maxima não é o que era, nem era o que se julgava, sim um outro urodelo, de outro género e de outra espécie, que vive em dois espaços geográficos, bem separados pelo grande oceano, tomado pelo fóssil de um homem afogado no Dilúvio. Não devia pertencer à família de Noé, o homem que, ao meter casais de animais numa arca, em isolamento reprodutor, procedeu à primeira selecção artificial em massa das espécies, consignada na literatura.

A versão em francês (como certamente a original) do texto de Siebold sobre os répteis e anfíbios está redigida na língua das gralhas, por isso digitalizo um fragmento. No primeiro parágrafo, o muito gralhado, o autor antecipa já o destino da salamandra gigante, ao lembrar a história do homo diluvii testis, que não era um homem, sim uma salamandra fóssil - Andrias. Andrias japonicus veio de facto a ser o seu nome actual, se não estiver já desactualizado.

No segundo parágrafo, diz Siebold que "a nossa Salamandra (Salamandra maxima)" vive nos vales profundos das altas montanhas de Nippon, nos riachos e lagos formados pela água da chuva nas crateras dos vulcões, a uma altitude entre 4 e 5000 pés. Por vezes abandona a água durante a noite, mas logo a ela regressa, pois na água encontra mais facilmente os pequenos peixes, rãs e invertebrados de que se alimenta. Viu pela primeira vez este raro e curioso animal em Sakanost'ka, aldeia no sopé do monte Souzouga yama. Segundo informações dos habitantes da montanha, o San siô ouwo - nome indígena da salamandra - encontra-se mais frequentemente nas montanhas de Okoude yama. Sieboldi teve a felicidade de trazer uma viva para a Europa onde existia ainda no Museu da Holanda, à data de redacção da "Fauna Japonica", e onde tinha alcançado um comprimento de cerca de 3 (três) pés (3x33cm), tamanho extraordinário que nunca observara sequer no Japão. Por acaso decerto não darwinista, esse extraordinário tamanho (33) era também o das larvas da Chioglossa lusitanica, logo à nascença.

Para findar, acrescenta Siebold que esse indivíduo fora estudado por Schlegel durante vários anos, e dele publicara descrição completa. Trata-se de uma das III (três) descrições originais; segundo as normas taxonómicas, tão rígidas como a averiguação dos milagres pela Santa Sé, a espécie nova para a ciência tem uma só descrição. Desse estudo resultou o nome científico Salamandra maxima Schlegel, 1837 - mas note-se que na estampa a criatura tem o nome de Sieboldia e não de Salamandra.

A descrição de Salamandra maxima foi publicada por Schlegel em 1837 no interior da obra de Tschudi de 1837, na qual Tschudi faz outra descrição original, dela resultando o nome Megalobatrachus Sieboldi Tschudi,1837. Por um acaso decerto não darwinista, a Chioglossa lusitanic também teve direito a duas descrições originais simultâneas em data, mas a salamandra do Japão leva-lhe vantagem em uma terceira descrição original simultânea em data, de que resultou o nome Triton japonicus Temmink, 1837.

Há espécies com muita sorte, mesmo não o sendo!

Em síntese, para quem não está familiarizado com as subtilezas do discurso maçónico usado pelos naturalistas: o que é a salamandra gigante nos riachos e lagos japoneses, não sei, esse é o conhecimento que se espera tenham os zoólogos. O que ela é na literatura científica, para quem faz História, Crítica ou Filosofia das ciências, ficou claro: uma espécie cercada por factos de literatura, mito e ironia, o que põe à distância qualquer pretensão à origem por selecção natural. A origem maçónica da selecção humana tem uma assinatura inequívoca no 3 e seus afins. O não secretismo das experiências de selecção artificial fica patente quando é a própria ciência a remeter a salamandra para o domínio da operação de salvamento de Noé.

Porém a questão subjacente é mais aguda, e já me ocupei dela no artigo "Deus não é descartável": como é que o darwinismo, ou o naturalismo em geral, consegue testar o natural? Só a selecção artificial é testável cientificamente, pois exibe provas documentais de acção humana. Natural e sobrenatural pertencem à mesma categoria de factos não susceptíveis de teste científico.

REFERÊNCIAS

CAPULA, Maximo & MAZZA, Giuseppe (1990) - The Macdonald Encyclopedia of Amphibians and Reptiles. Macdonald Orbis, Milan. 256 pp. com fotografias de G. Mazza.

GUEDES, Maria Estela & PEIRIÇO, Nuno Marques (1998) - Carbonários - Operação Salamandra: Chioglossa Lusitanica. Ed. Contraponto, Palmela. Em linha no TriploV.

GUEDES, Maria Estela (2001) - "Deus não é descartável". Comunicação apresentada ao colóquio "A Criação". Instituto São Tomás de Aquino, Lisboa. Online no TriploV. E na revista Atalaia-Intermundos, 8-9, Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa, 2003.

HALLIDAY, Tim & ADLER, Kraig, eds. (1986) - The Encyclopedia of Reptiles and Amphibians. Equinox, Oxford & New York, 1986. Reprinted, 1987.

SIEBOLD, Ph. Fr. de (1838) - "Aperçu historique et physique sur les reptiles du Japon". Extrait de La Faune du Japon. Leiden, 21 pp.

THORN, R. (1968) - Les Salamandres. Éditions Paul Lechevalier, Paris, 378 pp. il..