TEC - Teatro Experimental de Cascais

Questões de erro e de verdade n'A Boba
Maria Estela Guedes

"A Boba" tem de momento três edições, todas diferentes, se bem que as variações sejam mínimas: a electrónica, no TriploV; a da Apenas Livros Editora (1) e da Escrituras Editora (2). Pode adquirir os livros via Internet, veja endereços abaixo. E existe ainda o guião da peça que está a ser montada pelo Teatro Experimental de Cascais.

Qual a verdadeira Boba? - podíamos perguntar. A respeito de algumas diferenças, também se pergunta: que enunciado é verdadeiro?

Carlos Avilez e Maria Vieira, em cumplicidade: basta um toque, uma palavra, e a Maria molda-se para dar corpo à personagem

Algumas variantes podem implicar erros ou gralhas involuntários. O erro não pode ser interpelado quanto à sua verdade ou falsidade, pois não se relaciona com esse problema: não há intenção de deturpar factos. Por exemplo, na edição da Escrituras escapou um erro: por duas vezes se diz qual dos conselheiros de Afonso IV avisou D. Pedro de que havia deliberação de matar D. Inês. De uma das vezes saiu o nome de outro dos três nobres que mais tarde D. Pedro mandou executar. Ora nem eu, autora, nem a Boba, sabemos se é verdade que alguém avisou repetidamente que D. Inês ia ser assassinada. O que sabemos é que a História declara que foi Diogo Lopes Pacheco quem o fez. Uma coisa é o que está escrito e outra o que aconteceu. Sem desprimor para Fernão Lopes, por exemplo, nada garante que tenham de facto acontecido os factos que ele regista na Crónica de D. Pedro I , minha principal fonte historiográfica. Ele nem sequer é contemporâneo do que narra. Eu acredito na probidade do velho cronista, porém quem garante que sejam fidedignas as suas fontes?

Nesta questão da verdade, a única verdade que posso garantir é a de que A Boba é uma ficção construída a partir de informações da História e da Literatura. Se pululam nela as verdades, isso deve-se certamente à mera coincidência das advertências ficcionais. Não sei se é verdade que D. Pedro mandou meter um frade num cortiço e serrar o cortiço em duas metades. É porém verdade que esse episódio e outros foram registados pela História.








O Fernando Alvarez ouve, ri-se, e vai esboçando fatos durante os ensaios, que por nada deixa fotografar. É o responsável pela cenografia e figurinos

O tema d'A Boba é inesiano, a personagem, Maria Miguéis, relata e comenta episódios da vida e morte de D. Pedro I e de D. Inês de Castro. Existe, naturalmente, um fundo de vivido na peça, que eu diria ser o meu: a minha experiência de vida e a minha experiência de leitura. Quanto à informação, a percentagem de obras historiográficas consultadas sobre o assunto foi ínfima, em comparação com as literárias. Só uma obra de História me acode à lembrança, a Crónica de D. Pedro I, de Fernão Lopes. Obras literárias que se inspiraram no tema são às centenas, em Portugal e no estrangeiro, em todas as épocas, disso dando magro exemplo os textos inesianos em linha no TriploV.

Vem este assunto a propósito dos ensaios, pois acontece às vezes fazerem-me perguntas às quais dou resposta completamente fora do enquadramento dramático, e só mais tarde reparo nisso.

- Então a cena do bispo do Porto está no Fernão Lopes?! Se está, é porque é verdade...

- Ah, sim, é verdade! - assevero.

Não, querida Maria Vieira, nenhuma de nós deve fazer confusões, é perigoso sacralizarmos a palavra escrita, imaginando que é verdade tal facto, só por ter sido impresso. Não esqueçamos que uma mulher de inteligência aguda como Agustina Bessa-Luís, que leu tudo ou quase sobre Pedro e Inês, e parece ter tido acesso a reservados manuscritos do Mosteiro de Alcobaça, declara que "A História é uma ficção controlada". Salvo as invenções da nossa imaginação criadora, que, no caso, a bem dizer se limitam à construção de uma personagem e seu discurso, todas as informações prestadas na peça têm origem na palavra impressa. Mas eu, pessoalmente, nem estabeleço grandes distinções de valor entre a informação histórica e a romanesca. Tanto vale Fernão Lopes como Agustina, António Cândido Franco, Herberto Helder ou Bocage. Aliás, predomina até na comédia uma visão agustiniana da tragédia.

Carlos Avilez e Maria Vieira, já em fase de texto parcialmente memorizado pela comediante e com marcações estabelecidas pelo encenador. O que tem dominado os ensaios da tragédia é o riso.
Para adquirir A Boba:

(1) Maria Estela Guedes, A Boba. Colecção Teatro no Cordel, nº 4. Lisboa, Apenas Livros Editora, 2006.

apenaslivros@oninetspeed.pt ............. www.apenas-livros.com

(2) A Boba. In: Maria Estela Guedes, Tríptico a solo. São Paulo, Escrituras Editora, Colecção Ponte Velha, 2007.

imprensa@escrituras.com.br ........... www.escrituras.com.br

 

encenação Carlos Avilez
Dramaturgia
Maria João de Rocha Afonso
Realização plástica
Fernando Alvarez
Canções originais
Luís Pedro Fonseca
Coreografia
Natacha Tchitcherova
Consultadoria de prestidigitação
Fernando Marques Vidal
Fotografias de cena e cartaz
Susana Paiva
Luminotecnia e direcção de montagem

Manuel Amorim
Sonoplastia e montagem Augusto Loureiro
Contra-regra e montagem Rui Casares
Assistência de ensaios Jorge Saraiva

MARIA VIEIRA em A Boba

de Maria Estela Guedes

TEATRO MIRITA CASIMIRO / TEATRO EXPERIMENTAL DE CASCAIS
Largo do Cruzeiro - Monte Estoril
2765-412 ESTORIL
Telef. 214670320
E-mail: t.e.c@netcabo.pt 
www.tecascais.org
Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo. Espectáculos levados à cena: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008).
Página Principal - Estela Guedes - Naturalismo - Ciberarte - Letras - Alquimias - Teatro - A Boba
.