17. Novrº 64.

Meu caro amigo

Também tenho estado constipado; e o nosso Manuel Paulino ainda muito mais do que eu. Ele não quer faltar à congregação, por isso não tem ido a Lisboa; está esperando por uns papéis que daí hão-de vir e depois há congregação, e depois partirá e levará os ratinhos campestris (1) da Geria, os dois cultripes (2), macho e fêmea, uma rã D. pictus (3), variedade, e talvez mais alguma coisa que apareça. Enquanto esteve sol, esteve muito ventoso e frio, por cujo motivo não pude ir à Geria, agora está chuvoso e os ratos concentram-se, por isso o Manuel dos Ratos nada tem feito.

O António das Salamandras está esperando por bom tempo para ir estar dois dias no Buçaco, para descobrir a salamandra que nos falta (4), e talvez mais alguma espécie. Veremos os resultados.

Uma manhã destas vinham pelo Mondego abaixo muitas aves quase mortas, apanharam uma que foi para o Museu, e o Manuel Paulino diz que é a Thalassidroma pelagica (5). Disse ao Francisco que mandasse um homem procurar mais ao salgueiral, e não sabemos o resultado. Naquela noite tinha havido um vento extraordinário.

Já lhe pedi o nome científico dos peixes do Mondego, parece-me que é agora ocasião para estar tudo classificado pelo alemão. Farei a possível diligência para alcançar do Manuel Paulino o levar-lhe uns epynoches (6) que ele tem, e arranjar-lhe eu outros em troca. Os seus folhetos entreguei-os ao J. Henriques da sua parte; disse que lhe havia de escrever a agradecer. Ele já se ofereceu para continuar a preparar as aves. Das conchas terrestres em que me fala conheço apenas, das que deseja, as seguintes: B. obscurus e lubricus (7), e já vi a Pupa muscorum. O Manuel Paulino trouxe de férias uma Amph. cinerea (8) julga que as há em Caselhas, na terra fresca. Um estudante matou um F. oesalon (9) fêmea, deu-o ao Manuel Paulino e foi para este museu, ainda lá não havia esta espécie.

Se se interessa pelo aumento do nosso Museu não me fale em ir a Lisboa em um mês próprio para as explorações zoológicas, estou disposto a aproveitar todos os dias de sol que vierem, e depois em algum mês dos que eu chamo mortos lá irei passar dois ou três dias. Primeiro bichos, depois museus; museu sem bichos não há. Deve estar próxima a colocação dos ninhos, avise-me quando os colocar, quero que deite fora um duvidoso para mim, e dê ao B. communis (10) o ovo chamado do Milvus regalis (11).

O ninho duvidoso tem o nome de Cotovia grande.

De Caçarabos (12) ainda não tenho noticia, sei que estão encomendados a várias pessoas. Conheço um Sujeito que me escreveu no dia em que fazia 40 anos e disse que estava velho, este ano em que tem mais de 41 diz que os que têm esta idade podem comparar-se a jovens mancebos! Se ele for sempre por este andar, quando tiver 70 anos deve estar uma criancinha de mama.

O jantar está esperando por mim. Até outro dia.

Amigo sincero

J.M.R. de C.


P.S. ou P. prandium

Disse-me há tempos que lhe tinha vindo uma porção de animais de fora, e de dentro do país. Desejo que me diga se destes últimos lhe veio alguma coisa boa.


(1) Arvicola Rozianus Bocage, 1864 (Microtus agrestis).

(2) Pelobates cultripes - sapo de unha negra.

(3) Discoglossus pictus - sapo, rã.

(4) A salamandra que falta é Euproctus Rusconi (Pleurodeles poireti), mencionada por Bocage (1863) e que não existe em Portugal.

(5) Hydrobates pelagicus. Painho-de-cauda-quadrada. Sacarrão & Soares.

(6) Épinoches, em francês - carapaus.

(7) Buliminus.

(8) Sauria. Blanus cinereus Vandelli.

(9) Falco aesalon - esmerilhão comum.

(10) Talvez Buteo buteo, a águia de asa redonda.

(11) Provavelmente Milvus milvus, o milhafre real.

(12) Saca-rabo ou manguço.