ROMILDO SANT'ANNA

J. Pinto Fernandes

Parece razão social de armazém de secos e molhados. Mas não. J. Pinto Fernandes é o elemento-surpresa, o que não tinha entrado na história. Vive num poema de Drummond sobre as travessuras da vida: “Quadrilha”. Evoca o folguedo das festas juninas, em que os bailarinos circulam de mão em mão: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”.   

Indagaria o leitor: aonde o cronista quer chegar?  Pois te digo que, apesar do mote, não ia tocar em tema da política. Mas que me incitaste, narro-te, em preâmbulo, uma passagem que vivenciei há anos. Data: 23 de junho; cidade: João Pessoa. No rito da espera, deparei-me no aeroporto com um deputado local.  Puxando prosa, disse-me que estava de saída pra Campina Grande, pois político que não participa da quadrilha sequer se elege vereador. Estranhei-lhe a franqueza até me dar conta de que sua excelência ia ao maior evento popular do Nordeste, a festa de S. João e sua quadrilha.  

São tantos os J. Pinto Fernandes que, amiúde caem no esquecimento. Um diretor dos Correios indicado pelabase aliada” foi filmado embolsando gorjeta, merreca de 3 mil contos.  Tornou-se o J. Pinto Fernandes que excitou inda mais as tenebrosas fábulas do mensalão. Nesse enredo, que o procurador da República identificou comoquadrilha”, ninguém presumiria que o tenor Roberto Jefferson, o J. Pinto Fernandes escudeiro de Collor, e a quem o presidente Lula lhe confiaria cheques em branco, se tornaria o trombeteiro-mor do planalto central do país.

Apresentou-nos o maestro da quadrilha, Marcos Valério, outro J. Pinto Fernandes oculto à sombra da história. Citou como comparsa um tal Delúbio, o Pinto Fernandes que tramava no escuro. Este, abonando a todos, declarou que os pacotes de vinténs que dava aos parlamentares em troca de apoio ao governo eram inocentes cifrões não contabilizados de campanhas eleitorais. Veio o Silvinho, o J. Pinto em carro de luxo presenteado por fornecedor duma estatal.  Logo, outro J. Pinto Fernandes, genuíno mano do político que não cabe em nenhuma história que supusesse alguém carregando montes de grana no bojo da ceroula.

Entre arrudas e outras lambanças, Maluf é o que sempre entrou na mesma história, e é forçado pela Interpol a permanecer no Brasil. De resto, todos imexíveis, em campanhas legislativas e presidenciais. Bem fez Lili, que não amava ninguém e elegeu como companheiro o J. Pinto Fernandes dos versos de Drummond. Se tivesse amancebado com algum de seus clones da vida real, estaria como nós, entre o pacpac das balas perdidas, pagando pesados tributos, chorando na rampa ou dançando o xaxado ao som de tocadores de sanfona e zabumbeiros de sempre.

 

Romildo Sant’Anna, livre-docente, membro da
Academia Rio-pretense de Letras e Cultura

Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto. Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.