LI TAI PO

Um dia alguém vai ouvir
essa brisa que ouço agora:

verga os galhos do plátano
leva das mãos esta folha.


UMA CARTA GREGA

Odeio amor.
E, se me
perguntassem
qual a sua
cor, diria:
– Da terra,
do ar,
misto de toda
cor que
não há.
Não sei.
Odeio
amar
o gomo
o fruto
amaro
da dor
odeio,
amor.


GENEALOGIA

Hipóteses se desenham,
graves, hostis,
se diria sem reino
essas causas minerais
de álcool e feno
que compõem a existência.

Formas quadradas
sugeridas na massa
dos papéis, ouro em lata,
a lua sobre o jornal
de ontem aguarda
o dia da mudança
pra sumir do mapa.

O tijolo, a caixa,
o martelo e a matraca.
O copo d’água, a espada
Cada objeto tem
sua origem secreta
entre a tinta e a tábua
(cada poema a sua máscara):
não provêm
de um mesmo ventre.


NADJA

Em tua pele
se decalca uma luz
que não aquece.

Em tua pele
se conjuram brancos
de outro cariz
brancos
de outro branco
em leque.

Em tua pele
se deflagra um óbito
de sol

branco fosco
contra o qual
não há quem
impreque.

Em tua pele
se despetala
e se descama
outra ramagem
mais agreste
que esses
campos de areia
estéreis.

Em tua pele
se tatua e se descreve
um arco de seda leve

que de tua pele
te despe.


FÁBULA MILENAR
E DE COSTUMES

o rei sofre
Uruk dorme

o rei reflete
Uruk dorme

o rei repousa
Uruk dorme


MAIS UMA VEZ HERÁCLITO

Outra era essa alegria
quando eu era outrora
outro:
outra a aurora
que é única a cada dia.
Outros tenho em mim,
e me divido no tempo:
cada movimento é o fim
do eterno Movimento.
Como apreender
o que some na neblina
dos afeto?
Reter,
nas malhas da retina,
o sensível, sua fugacidade,
não é ainda a eternidade.


EPÍLOGO

Diversa de outras
searas, o que colho
agora é contentamento.
Simples, sem regalo.

Bater do vento
na cara.

Com o olho claro,
cumprir o intento:
guardar estátuas
em movimento.




PORTUGAL