RUY VENTURA
HABITAÇÃO DO TEMPO
sopro
 

que vento atravessa a fortaleza?
perto (muito perto) a gruta, sem vento,
acolhe poeira sobre poeira, vestígios
de ouro e de sangue, por entre o lixo
e os musgos enegrecidos.

sobre o peito, esta imagem.
sobre os tecidos (do peito)
a legenda deste canto
inclinado sobre o mar.
virada à corrente, a imagem dissolve
a maresia, veios e traços que a pedra
dispensa neste mundo –
mãe de um corpo ausente
que hoje repousa
sob as raízes desta serra.

guardo o fogo e o vento.
fecho o diafragma deste corpo,
a força e a aragem
e tento elevar sobre o bosque
este saco com cores e palavras.

recolho a sombra e o caminho.
chegarão à outra vertente – sem vento?

que sopro atravessa a fortaleza?
leio e releio. seguro entre as mãos
o corpo e a esperança, a longa oliveira
deitando sobre a fonte.

o sol ilumina o vidro baço.
não espera (nem deseja) regressar.

 

Portinho da Arrábida –
forte de Santa Maria (séc. XVII)