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ANTONIO SÁEZ DELGADO: DIAS, FUMO
(Tradução de Ruy Ventura)
ALMA AZUL . 2003

DIAS, FUMO - INDEX

PONTE DE PALMAS

Levanto-me cedo, tomo um banho ligeiro, o pequeno-almoço sem pressas. O  calor do entardecer entre as ruas sombrias do casco antigo ainda repousa no meu peito. Não posso afastar da minha mente o maravilhoso empedrado da Plaza de San Andrés, que alguns chamam de Cervantes. Oxalá alguém venha a calcetar o mundo desta forma, digo para mim mesmo.
Disponho-me a atravessar a Ponte de Palmas, que de noite, com sua luz mortiça e sincera, enche de nostalgia as águas do rio e o coração da cidade. Caminho devagar, desde a Porta de Palmas, essa espécie de arco do triunfo, modesto e sem futilidades, que ainda não há muito serviu de cárcere. O triunfo e a prisão, não é má legenda para esta porta. Contemplo as casas, a Alcáçova à direita, a água sem fim que se perde recordando-nos que sempre fomos e seremos outros, que qualquer dia tornaremos à cidade e duvidaremos se já a havíamos visitado.

Um desconhecido atravessa a cena e sorri ao descobrir-me como espectador da névoa do tempo. Antes que se distancie, corro atravessando os dias para perguntar-lhe quem é. Quando chego até ele, não posso fazê-lo. Sou eu mesmo.

RUY VENTURA (Portalegre, 1973) é professor na península da Arrábida. Publicou, em poesia, Arquitectura do Silêncio (Lisboa, 2000; Prémio Revelação de Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores), sete capítulos do mundo (Lisboa, 2003), Assim se deixa uma casa (Coimbra, 2003) e Um pouco mais sobre a cidade (Villanueva de la Serena, 2004) e O lugar, a imagem (Badajoz, 2006 – no prelo). Organizou as antologias Poetas e Escritores da Serra de São Mamede (Vila Nova de Famalicão, 2002), Contos e Lendas da Serra de São Mamede (Almada, 2005) e Em memória de J. O. Travanca-Rêgo e Orlando Neves (na revista Callipole, nº 13, Vila Viçosa, 2005) e o livro José do Carmo Francisco, uma aproximação (Almada, 2005). Traduziu a antologia 20 Poetas Espanhóis do Século XX (Coimbra, 2003) e os livros de poemas Dias, Fumo, de Antonio Sáez Delgado (Coimbra, 2003), Jola, de Ángel Campos Pámpano (Badajoz, 2003) e A Árvore-das-Borboletas, de Anton van Wilderode (Badajoz, 2003). É colaborador de várias revistas nacionais e estrangeiras, nomeadamente espanholas, brasileiras e americanas. Como ensaísta, tem escrito sobre Poesia Contemporânea, Literatura Tradicional e/ou Oral e Toponímia.