.


Que «Serviço Público de Religião»?...

Paulo Mendes Pinto
Ciência das Religiões - Universidade Lusófona

Muito se tem falado, desde há muitas dezenas de anos, num certo atraso estrutural de Portugal face ao restante mundo ocidental. No que diz respeito ao tratamento das religiões por parte do Estado, a situação é, efectivamente, de um atraso consolidado. A recente aprovação da nossa primeira Lei de Liberdade Religiosa no pós-25 de Abril é o exemplo perfeito desta situação.

Noutro campo, noutros países, mesmo de tradição cultural católica fortemente enraizada, já muito foi discutido e equacionado no que diz respeito ao lugar da religião na escola. Há menos de dois anos, a França avançou com o ensino das religiões, numa vertente socio-histórica no ensino secundário. Mais recentemente, foi a Espanha a seguir o mesmo caminho.

De facto, já vários países avançaram com profundos estudos sobre o fenómeno religioso e o seu lugar na sociedade. A tónica comum afirma que a construção de uma visão introspectiva e crítica da sociedade, bem como de um relacionamento saudável com as outras culturas passa, em boa medida, pela construção e divulgação de conhecimento sobre o fenómeno religioso que a todas atravessa.

Que sabem os portugueses de formação cultural média sobre o Islão, sobre o Judaísmo, sobre o Protestantismo, sobre o Induísmo?

Ora, num momento em que outros países avançam para um «ensino das religiões», procurando dar aos seus jovens uma formação cívica neste campo, em Portugal, os professores de Religião e Moral Católica reclamam a inclusão da sua disciplina no currículo do 1º ciclo ...

A fuga a uma plena tomada de consciência vai, mais uma vez, fazer com que o catolicismo nacional perca mais uma boa oportunidade de fazer eco das necessidades do seu tempo. Mais uma vez, a imagem transmitida por este grupo de docente confessionais é a marca do seu afastamento da sociedade e dos problemas do nosso tempo.

Não admira que muitas das suas turmas estejam desertas de alunos.

Da forma como o lugar da religião na escola está montado, puramente confessional, a prática que dele advém apenas interessa aos profissionais das religiões que, numa dimensão pastoral mantém o seu lugar na instituição escolar.

Essa prática em nada contribui para uma integração social das vivências religiosas alheias e em nada concorre para uma efectiva cultura de abertura.

Também para um não crente, para um não praticante, temos de dirigir as nossas preocupações - tanto mais que eles são a maioria da população. No que diz respeito à escola, a situação é clara. Interessa-nos, a todos nós, sejamos crentes ou não, e de qualquer credo, ter cidadãos conscientes e capazes de tomar atitudes críticas.

Que mais nos interessa, ter o ensino religioso (confessional) na escola, que logicamente só será frequentado por uma minoria, ou ter uma formação cívica que possibilite aos nossos jovens compreender as forças que movem grande parte das dinâmicas dos nossos tempos?

Reclamar um «ensino religioso» em pleno século XXI é a certificação de que um «ensino das religiões» é desejado e desejável rapidamente.

 
PAULO PINTO. Historiador das Religiões. Universidade Lusófona. Lisboa.
(paulopinto@mail.vis.fl.ul.pt)

PORTUGAL - 2002/