REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


NS | número 65 | junho-julho | 2017

 

 

 

Joaquim Simões nasceu em Paço d’Arcos, em 1950. Licenciou-se em Filosofia, na Universidade Católica Portuguesa. Frequentou o mestrado em Cultura Clássica da Universidade de Lisboa, sob orientação do Professor Victor Jabouille, tendo sido investigador da Linha de Acção 1 do Departamento de Línguas e Cultura Clássicas da mesma Universidade, abandonando, porém, ambas as actividades por motivo de doença.

Foi professor do Ensino Secundário em diversas escolas da área de Lisboa e, para além da actividade docente, exerceu funções de orientador de estágio profissionalizante e de representante de uma delas em alguns encontros, nacionais e internacionais, sobre multiculturalidade. Em 1979, publicou um livro de poemas em edição de autor, com prefácio de Manuel Grangeio Crespo. Entre 1980 e 1983 participou no projecto de teatro para a infância e juventude do Teatro do Nosso Tempo, em Lisboa. Em 1982, em parceria com o músico Francisco (Xico Zé) Henriques, constrói um espectáculo, “Astrolábio”, composto por canções feitas a partir de poemas seus. Entre 1989 e 2010, colaborou permanentemente com Manuel Almeida e Sousa e a Mandrágora em diferentes realizações na área da performance teatral. Em 2010, colabora com Maria Morbey Henriques no espectáculo “Banjazz – Um bichinho esquisito”, levado à cena, em Fevereiro, no Centro Cultural de Belém


JOAQUIM SIMÕES

Avenida das Descobertas

Pintura de Nicolau Saião

 

Encontrei, há bocadinho, o Velho do Restelo,

ao volante de um Porsche, a subir as Descobertas.

Ia a casa da Glória, mesmo ali, em Caselas,

que lhe deve mil favores e lhe faz umas ofertas.

 

Sem barba, está mais novo, mais composto… E mais cordato.

Que isto… é claro, afinal… tudo tem suas vantagens…

É que os tempos mudam e, bem… só há que acompanhá-los.

Ele hoje até é sócio de uma agência de viagens,

 

de uma rede de turismo de luxo no Brasil,

tem negócios na Guiné, Moçambique… E, em Angola,

está ligado a um consórcio de pedras preciosas

e a uma escola de talentos para os gajos da bola.

 

Enfim, vai-se safando… Comprou casa no Estoril;

uma, assim… discreta, para os aféres, em Odivelas;

outra ainda, na praia; uma herdade no Alentejo;

um iate; e uma quinta, lá para cima, em Nelas.

 

Protegeu-se também, é natural… Estamos na selva!

Cada um trata de si, cada um seu apetite…

Contribui para a oposição, tem um primo em Bruxelas,

dois amigos no governo e um sobrinho na judite.

 

Falando com franqueza, sabemos que nunca foi

de se gabar, mas desde muito novo que ele viu

que a vida, ao fim das contas, não é senão o quê?

Comer bem, beber melhor, fornicar, obrar macio.

 

Mas a poesia…! Tomou-lhe o gosto! O Pessoa

É para o metido com ele, mais, vá!, para o trombudo…

Agora o Camões… Tratou-o mal, mas era um espectáculo!

Tanto, que hoje tem um dia que é só dele e tudo!

 

É que não, não há melhor fingidor do que um poeta

(lá nisso, convenhamos, o Pessoa tem razão).

E Camões, meus senhores, foi pioneiro nessa treta

maior que é Portugal a fingir, Portugal-nação.

 

A visão precoce que o homem tinha do futuro!

Da grande festa enfeitada por nuvens de medalhas…!

Dos discursos emplumados sobre a compra da dívida

dos barões assinalados nas modernas batalhas…!

 

Camões, porém, não chega, é preciso inovação!

Comer sempre a mesma coisa, a certa altura cansa.

Vão-se juntando outros, à laia de sobremesa…

Mas só de carnes mortas, não se envenene a festança!

 

E o 25 de Abril…! Também foi dado aos poetas!

Mas aos da nova geração, os da modernidade,

que cravam no futuro as palavras como setas,

não vá faltar alguém à união na Liberdade!

 

E tu, meu velho camarada, amigo e companheiro!

Que tens feito tu, que às vezes lhe dás no relambório?

Olha-me a tua vida, pá! Escreve-me qualquer coisa!

Trata dessa carreira, junta-te ao foguetório!

 

Saudades à família! – Acenou-me. Arrancou.

Segui-lhe o conselho, escrevi isto. E cá me vou.

 
Pintura de Nicolau Saião
 

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