Revista TriploV . ns . nº 64. abril-maio . 2017 . ÍNDICE.
Homenagem do Triplov aos Capitães de Abril

JOSÉ CARLOS BREIA

Outro lado

RONDA DE NÚMEROS

    -à guisa de prefácio-

 

Sete vezes oito

são cinquenta e seis.

O sete no oito.

O oito no sete.

 

Se o sete é ímpar

o oito deitado

deixa de ser par

ronda o infinito.

 

Que mais quereria,

para Outro Lado

o poeta ignaro,

de setenta e oito?

 

Que feitas as contas

dá sete mais oito,

- o que soma quinze.

Outro número ímpar.

Embora somando

o quinze dê seis.

 

Tudo abstracções,

de ímpares e pares

que o livro sonega

como faz à cauda

que soma mais seis.

Subvertendo assim,

os cinquenta e seis

de que se partiu

sem haver propósito.

 

Acasos da escrita

que da mão dependem,

sem qualquer engenho

                            ou confuso ardil.

 

O MOCHO

 

A placidez informe das coisas.

 

Um rufo de asas

entreabre

o silêncio.

 

Teus olhos estelares

regressam.

 

Medito

no início dos astros,

na imensa noite

que antecedeu

o tempo.

 

E pergunto-me:

(sábio na fábula,

mau agoiro no grito)

de que avatar descendes?

 

Ou és transmutação?

 

EURÍDICE

 

Entrei por fim na casa abandonada.

 

Quanto tempo terá ela levado

a tricotar as teias pelos cantos,

a nublar vidros

velando espelhos, rostos e retratos?

 

Dados dois passos,

sob o ranger das tábuas e das portas,

vi

o que ficara de um vestido

no rasto da fuligem,

o rasgado verde resto da coberta

a resvalar da mesa,

as cadeiras partidas.

 

E, ao rodar a mão por um desenho

que o mofo recamara,

abri no espesso as linhas de uma face,

tirei do pó

uns olhos apagados.

 

Abertos, lentamente,

em mim pousaram

com tão funda ironia,

que, sem olhar pra trás,

abandonei-a.

 

E tudo se ocultou

em sucessivas dobras:

tempo, casa, razão,

cuidados meus.                                 

 

HOJE

 

                             Que trouxe do passeio?

 

Um corte negro de asas

no último vermelho do poente

 

A lama nos sapatos

 

A bela flor de um cacto

 

O olhar que se arrasta

por um muro murado de graffiti

(uma porta arrombada?).

 

E um folheto sobre a eternidade

que me deu um senhor engravatado.

 

FLANANDO

 

Na palavra o que é lavrado?

Pala que só gera sombra?

Pá que não amanha, lavra?

 

Lavra pode ser só posse

e não arroteia nada.

 

Com este jogo à beira-rio passeio

- barcos, barra, Bugio

Enquanto o vento levanta

o que resta destes fios

que me servem de cabelo.

 

 O  NOVO  ALADINO 

 

                             Se tivesse uma lâmpada

como tinha Aladino

que iria eu fazer para Pasárgada ?

 

Ser amigo de rei

tem desvantagens.

 

Não precisava de um rei

para escolher a cama desejada

e nela a mulher

com quem bulisse.

 

Primeiro,

queria uma casa com relvado,

entre campo e  praia,

sem vizinhos amáveis

que são uma chatice.

 

Amigos

isso sim

quantos quisessem vir.

Mas nunca mais de dois

de cada vez.

 

Queria

uma cama de água

com comando,

para sentir a calma das lagunas

a lua das marés

e dos riachos

o sussurro fresco.

 

A mulher é que era o drama:

 

olhos que falassem fundo,

esguia e louca

feita malagueta,

frescura de água de coco

e o doce da carambola.

 

Mas nada de escravatura.

 

Nua ou velada,

só viesse

quando o ritmo lhe pedisse

ou a isso fosse levada.

 

E pouco mais queria.

 

Escrever por acaso.

A melodia

do meu galgo solto.

E, na iridiscência

do meu copo

o reflexo inquieto

da memória.

   José Carlos Breia, do livro “Outro Lado”

 
 
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