Revista TriploV . ns . nº 64. abril-maio . 2017 . ÍNDICE.
Homenagem do Triplov aos Capitães de Abril

SARMENTO PIMENTEL
UM SÉCULO DE HISTÓRIA

Parceria do Triplov e Associação 25 de Abril
Projeto Triplov "Sarmento Pimentel"
PROGRAMA
CONVITE
AGRADECIMENTOS
EQUIPA

GUIA DA EXPOSIÇÃO

Maria Estela Guedes

 
 

. Implantação da República

João Sarmento Pimentel (1888-1987), conhecido pelo combate indómito que travou a favor dos valores da República, exposto na sua celebrada obra, à época, anos sessenta, constante nos programas de Literatura das universidades brasileiras, Memórias do Capitão, nasceu perto de Mirandela. Nesta cidade foi criada a Biblioteca Municipal João Sarmento Pimentel, que abriga o seu espólio, na maior parte epistolográfico.

Porém, a região da sua infância e adolescência é a de Amarante e Felgueiras, e mais localizadamente Rande, onde viveu, na Casa da Torre, propriedade da sua mãe. Desde muito jovem manifestou forte inclinação republicana, escrevendo artigos de índole política em jornais fundados por ele e outros jovens da família, por vezes com colaboração de colegas de estudos que viriam a fazer nome nas Letras, como Leonardo Coimbra. Já nessa altura rejeitava em absoluto chefes de Estado instalados por herança de sangue em vez de eleitos pelo povo em razão da confiança no seu mérito. A força desta ideia ganha peso se atendermos a que a família pertencia à fidalguia rural, à qual de resto se orgulhava de pertencer.

Num momento seguinte, já completados os estudos preparatórios da Escola do Exército na Universidade de Coimbra, onde teve, como lente de Matemática, um homem que influiria na sua vida de modo fundamental, mesmo depois de assassinado – Sidónio Pais –, encontramo-lo a transportar para Lisboa bombas artesanais manufaturadas pelos republicanos de Felgueiras, o que nos dá a imagem do seu patriotismo, do seu destemor, da confiança que já inspirava nos outros, e mostra também que a sociedade civil estava alerta e pronta para derrubar a monarquia.

Tal veio a verificar-se de 3 a 5 de Outubro de 1910, com a participação direta do cadete da Escola do Exército, o jovem Sarmento Pimentel. Que missão lhe confiou pessoalmente Machado Santos, no seu centro operacional da Rotunda? Que buscasse informação sobre as operações militares ao longo da Avenida da Liberdade, e decerto também sobre a adesão à República dos comandantes do Adamastor e do São Rafael, fundeados no Tejo,  e lha fosse transmitindo. Já no pós-25 de Abril, encostando-se às paredes para se desviar das obras na Avenida, Sarmento Pimentel recorda que também assim, mas por diversos motivos, se protegera mais de cinquenta anos antes, de modo a cumprir a missão que Machado Santos lhe agradeceu publicamente, tratando-o a ele e a todos os que tinham estado ao seu lado pelo nome próprio, no Relatório do 5 de Outubro - os “sagrados dias da revolução”, como escreveu José Gomes Ferreira na Memória das palavras.

 

. Na I Grande Guerra: de Angola à Flandres

No dia 16 de Março de 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal. No entanto, já a 18 de Dezembro de 1914 os alemães tinham penetrado em Angola pela fronteira do Sul e atingido a região das cataratas de Ruacaná, no Cunene. No posto policial de Naulila, massacraram todos soldados portugueses, brancos e negros, e abandonaram-nos sem devida sepultura. O nosso Exército não estava preparado nem à espera do sofisticado arsenal de guerra que teve de enfrentar. Relato pungente do caso, que ficou na memória de alguns como a pior derrota do nosso Exército depois de Alcácer-Quibir - o que denuncia a paixão com que o caso foi vivido -, encontramo-lo em Naulila, de Augusto Casimiro, um livro editado pela Seara Nova. Augusto Casimiro e Sarmento Pimentel eram correligionários, e seriam, nos anos 20, companheiros na edificação da revista, a Seara Nova. Tão próximos amigos, que o último capítulo de Naulila, “A clareira dos mortos”, foi redigido com apontamentos que o autor, apresentando-se como seu camarada, diz terem sido “carinhosamente” fornecidos por Sarmento Pimentel.

Porém os apontamentos não tratam do massacre, sim das suas consequências. Com efeito, Sarmento Pimentel só se salvou dele por não estar em Angola nessa altura. Ele foi mais tarde, em 1916, num segundo contingente, comandado pelo General Pereira d’Eça. O 3º Esquadrão de Cavalaria 9, de que fazia parte como alferes, embarcou no “Cabo Verde”, um tão decrépito navio mercante que só por milagre alcançou Moçâmedes, cidade hoje chamada Namibe. As condições em que se fez a viagem mereceram um dos melhores e mais vívidos relatos de Sarmento Pimentel, patente nas Memórias do Capitão. Mencione-se apenas que cavalos e muares tiveram direito a acompanhamento de veterinário, mas já o esquadrão de soldados partiu para a guerra sem médico. Aliás passariam fome, sede, falta de medicamentos e até de uniforme adequado, por despreparação completa para o tipo de clima, terreno e movimentações constantes que iriam enfrentar.

Sem mapas com devido detalhe – ele assina as cartas relativas ao reconhecimento da área invadida pelos alemães – a missão ofereceu outros perigos, um deles devido ao engano no cálculo das distâncias: o que supunham não precisar de mais de 15 dias para ir de dado posto às cataratas de Ruacaná e regressar, na verdade era um percurso tão superior que o jovem alferes de Cavalaria 9, depois de ter tomado avanço sobre os seus homens para chegar mais depressa ao destino, em 15 dias ainda o não tinha alcançado. Sozinho, atravessou a floresta. Como herói solitário, enfrentou o perigo dos animais selvagens, bateu-se com as noites geladas, com a fome e a sede. Sem caminhos, terá seguido o trilho dos elefantes e aberto o seu à catanada. Quando os camaradas o receberam, não o reconheceram: não sabiam quem era aquele homem barbudo, “magro como um palito”, esfomeado e quase nu, tanto mais que já o tinham dado por morto.

O General Pereira d’Eça, no seu relatório grande, Campanha do sul de Angola em 1915, inclui os relatórios de Sarmento Pimentel, bem como os mapas que o  alferes desenhou dos trilhos  e territórios a cujo reconhecimento procedera. Ao comando dos auxiliares boers, Sarmento Pimentel distinguiu-se de tal modo nas missões de que foi incumbido, a mais importante das quais a recuperação do posto de Naulila, que recebeu louvor e a Medalha de Valor Militar (Torre e Espada), conferida pelo General Pereira d’Eça. E no entanto, quando o homem magro como um palito fizera ao general o relato verbal do que tinha acontecido, ele não só mostrara frieza como lhe ordenara que se deixasse de discursos e relatasse apenas o lhe pudesse interessar. Sarmento Pimentel, na sua modéstia, aliás no seu desprendimento e generosidade, não atribuía aos seus atos, como noutras circunstâncias não atribuiu, o valor militar e mesmo humano que os seus superiores lhe reconheceram. Em 1919 voltará a estar só, desintegrado das forças do Exército, depois de assumir a liderança de uma revolução civil, no Porto. E também nessa altura, em ofício dirigido ao Ministro da Guerra, tenta recusar louvor e condecoração concedidos, ofício patente no seu Processo individual com um seco “Indeferido” em cabeceira.

Não parece que alguém o relate, mas creio que terá sido importante também, na restauração da soberania portuguesa em Angola, darem devida sepultura aos que mereceram a Augusto Casimiro  o título “A clareira dos mortos”, os soldados chacinados no desastre de Naulila. Texto atroz, da pena de Sarmento Pimentel, com a sua visão dos resíduos das fogueiras em que se tinha tentado sem bom resultado cremar os mortos. Uma tragédia cuja responsabilidade Augusto Casimiro atribui aos que, no Terreiro do Paço, tinham porfiado na neutralidade.

Se Sarmento Pimentel sobreviveu a Naulila por ter lá chegado meses após o massacre das nossas tropas pelos alemães, às trincheiras da Flandres sobreviveria por o seu local de combate ficar a Sul daquele em que se verificou outra derrota aparatosa do nosso Exército, a batalha de La Lys. Os pavores que narra, dos bombardeamentos constantes, verificaram-se perto de Paris.

Nesse interim, concederam-lhe licença para vir a Portugal, que aproveitou para ver Isabel, sua futura esposa. Casariam só por volta de 1920, catorze anos depois de consolidado o namoro com a amiga do seu juvenil amor, a Guilhermina que morre tuberculosa no solar de Sergude, pertencente ao ramo da família materna de Sarmento Pimentel, herdeiro do Pêro Coelho matador de Inês de Castro. Esta amiga de Isabel merece um capítulo nas Memórias do Capitão. Algo à maneira ultra-romântica de Camilo, talvez pelo estilo estranho à personalidade do autor, fica aquém dos seus textos realistas. Nos Diálogos de Norberto Lopes com o autor das Memórias do Capitão (Sarmento Pimentel ou uma geração traída, em título) volta a contar a história: após a morte de Guilhermina, ele parte para Angola, começando então Isabel a cartear-se com ele. A despeito  de aos pais de um e outro não agradar o namoro, o casamento veio afinal a revelar-se feliz.

Conta Sarmento Pimentel a Norberto Lopes que, mal chegou a Portugal, “inchado” pelos feitos na região de Naulila, nem tempo lhe deram para gozar uma licença: José de Serpa pescou-o logo para o Quartel-General de Gomes da Costa, enterrando-o nas trincheiras da Flandres. Nas trincheiras, Sarmento Pimentel iria consolidar amizade com um camarada que mais tarde o seria de ideologia de esquerda, na Seara Nova, e de revolução contra a ditadura: Jaime Cortesão, médico militar, que, como escritor, deixaria da Flandres as suas Memórias da Grande Guerra.

Para o jovem tenente e seus camaradas chegados de África, a situação era penosa: saídos de uma guerra em permanente movimento, sob clima tropical, passaram ao frio e humidade da guerra parada nas trincheiras, apodrecendo e gelando nesses túneis a céu aberto, o corpo a já querer habituar-se à sepultura. Se não morreram disso, tal se deverá também ao esforço do general Gomes da Costa para dar algum alento e alegria aos jovens oficiais, levando-os, uma vez por outra, a este e àquele Moulin Rouge, bem no coração noctívago de Paris.

Não foi só à chacina de Naulila e à mortandade das nossas tropas na Flandres que Sarmento Pimentel sobreviveu. Mal regressado da frente, foi vítima da pneumónica, que o manteve meses hospitalizado. Vigorava a Monarquia do Norte e Paiva Couceiro e os seus homens respiravam de alívio, porque o Capitão Sarmento Pimentel, moribundo no hospital, não lhes faria frente.

Bem se enganaram.

 

. A Monarquia do Norte

Sidónio Pais, designado por Fernando Pessoa como “Presidente-Rei”, chamou certo dia o Capitão Sarmento Pimentel para lhe confessar que tinha medo que os monárquicos dos quais se rodeara lhe roessem a corda. Sidónio fora um republicano de primeira água, que as circunstâncias tinham obrigado a meter constituição e republicanismo na gaveta. Desempenhava as funções segundo um modelo presidencialista.

Em Dezembro de 1918,  batia-se o Capitão contra a pneumónica, Sidónio foi assassinado. Então os ratos roeram realmente a corda e repuseram o regime da realeza. O Capitão, no hospital, saltou da cama, lembrando-se do que prometera. Sidónio Pais chamara-o, não  para lhe revelar os seus medos, sim para lhe pedir que assumisse o comando do 3º esquadrão de Cavalaria 9 da Guarda Nacional Republicana, no Porto, onde poderia travar o assalto. João Sarmento Pimentel aceitou. Em cena a Traulitânia, assim chamada por militares e polícias monárquicos serem dados à tortura dos republicanos, ou Monarquia do Quarteirão, por ter durado apenas 25 dias, de 19 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 1919, de novo em cena o velho regime, Sarmento Pimentel achou que devia sair do hospital mesmo sem alta.

Os monárquicos, liderados por um militar conhecido como Último Grande Herói Português, Paiva Couceiro, restauravam no Porto a Monarquia, o que teve impacto sobretudo no Norte. Henrique Paiva Couceiro assumira a presidência de uma Junta Governativa, contra a vontade da sociedade civil, que não baixou os braços. Organizou-se num movimento ofensivo, a que Sarmento Pimentel ofereceu liderança, numa revolução que teve algum apoio militar, mas discreto, uma vez que a força das armas pertencia aos adversários. Tal apoio vinha ainda das medidas tomadas por Sidónio, que, a pedido do Capitão, atribuíra a Francisco Sarmento Pimentel, irmão mais novo, o comando do esquadrão de Infantaria da Guarda Nacional Republicana do Porto. Francisco é conhecido como aviador, porém só em Novembro de 1930 se celebrizaria pelo pioneiro voo Portugal-Índia, no aparelho a que deu o nome de Marão, o que a nós recorda Teixeira de Pascoaes, familiar dos dois irmãos e autor de Maranus.

João Sarmento Pimentel, em Fevereiro de 1919, não só estava no hospital como Paiva Couceiro e os seus homens o julgavam morto ou moribundo, dado o ataque da gripe espanhola, tão virulenta que ceifou 40 milhões de pessoas. Sarmento Pimentel diz ter sido contagiado por umas primas, mas nada garante que não tivesse trazido o vírus da Flandres. Milhões de soldados morreram com essa doença que as estatísticas garantem ter preferido os jovens.

No dia 13 de Fevereiro de 1919, sem grandes preparativos nem alardes, João e Francisco Sarmento Pimentel saíram do quartel da Guarda Nacional Republicana com os seus soldados. A quem o quis ouvir, civis que à volta deles se iam apinhando, gritou, de cima do cavalo, convicto e convincente, a despeito da febre que lhe entrecortava a voz e dava tremuras à mão que erguia a bandeira da República: «Quem for português e republicano, que me siga!».

Na messe de oficiais, o Estado-Maior do exército de Paiva Couceiro almoçava pacatamente. O Capitão irrompeu no salão, munido apenas de uma Parabellum, pistola pesada, com a qual dificilmente acertaria em alguém, dada a sua fragilidade, e intimou os oficiais: «Os senhores estão presos!» E com isto não só caiu a Monarquia do Norte como nunca mais se verificaram atos tendentes a repor a realeza, o que parece explicar a facilidade com que o Estado-Maior de Paiva Couceiro se rendeu: apesar de todas as incumpridas promessas, a República ainda vigorava como ideal.

Vários autores, como Magalhães Lima, em Episódios da minha vida, e José Gomes Ferreira, em A memória das palavras, referem-se a este episódio como “a revolução de Sarmento Pimentel”. Na verdade, tratou-se de liderar um movimento civil, como o próprio Exército deixou patente, ao justificar a condecoração pelo ato com a Medalha de Prata, alegando que ele chefiara uma revolução espontânea com forças da Guarda Republicana, a que pertencia, revolução com a qual os cidadãos do Porto pretendiam derrubar as forças monárquicas. Em gesto de gratidão, também recebeu, dos cidadãos do Porto, uma estampa com o seu retrato e uma espada de honra.

Esporas e um exemplar da estampa figuram no Museu da Guarda Nacional Republicana, no Quartel do Carmo, em Lisboa, na vitrina dedicada à Monarquia do Norte. A bandeira portuguesa que hasteou na altura, ofereceu-a ele à Associação 25 de Abril, em cujo espólio se conserva, bem como o seu retrato, obra de Henrique Medina. Quanto à espada de honra, reproduzida nas Memórias do Capitão, contamos que faça parte do seu espólio, na Biblioteca Municipal Sarmento Pimentel, em Mirandela.

Com este episódio, encerra-se a vida militar para Sarmento Pimentel, embora, décadas a fio, viesse a ser conhecido como “Capitão”, até os correligionários e amigos, em São Paulo, passarem a tratá-lo por “comandante”. Os militares do 25 de Abril, na legislatura do General Ramalho Eanes, por proposta de um outro antigo capitão, José Verdasca, haviam de o poupar a sérios problemas económicos nos últimos anos de vida, promovendo-o a general.

Por volta de 1920 o “Capitão” constitui família, abandona a vida militar e aceita um lugar oferecido pelo banqueiro José Augusto Dias na gestão do negócio de carvão das minas de S. Pedro da Cova. Por mão de Henrique Somer, banqueiro, passou depois para a Companhia dos Cimentos de Leiria, onde também sediava a fábrica Covina, e muitos anos mais tarde, já em São Paulo, travaria relações de grande amizade com o milionário Lúcio Tomé Feteira, da fábrica Covina, com o qual partilhou no Brasil o negócio do vidro plano.

 

. 1927 – Um golpe falhado contra a Ditadura Militar

Nos anos 20, Sarmento Pimentel ocupa-se, além dos negócios que lhe permitem sustentar a família, naquilo em que sempre se ocupou, antes e depois de cumprida a fase da sua vida de militar: em lutar em favor da democracia e contra os inimigos da República. Já não com armas de fogo, sim com a palavra, mediante o esclarecimento, a instrução, instrumentos que  usa de modo exemplar numa revista que então surge, movida por ideais de esquerda, a Seara Nova. A partir de 1924 integra a direção, embora nessa data ainda os seus dotes de escritor fossem embrionários: salvo artigos de jornal de província, relatórios das missões no Sul de Angola incluídos pelo General Pereira d’Eça no seu (Relatório grande) e os apontamentos cedidos a Augusto Casimiro para o livro Naulila, Sarmento Pimentel ainda estava longe das Memórias do Capitão, a que Jorge de Sena redigiria o prefácio, datado de São Paulo em 1962.

A Seara Nova detinha um verdadeiro programa político, com projeto de reforma agrária, desenvolvimento industrial e outros, tendentes a porem Portugal na senda do progresso. Não era apenas um instrumento de oposição, sim um alfobre que forneceu homens para a governação, entre eles Ezequiel Campos, ministro  da Agricultura que chamou Sarmento Pimentel para seu Chefe de Gabinete.

Os principais artigos de Sarmento Pimentel na Seara Nova tratam de assuntos sensíveis, atacando na raiz problemas impeditivos de progresso, como o analfabetismo da população, os métodos antiquados de ordenamento e cultivo da terra e a emigração. Importantes são igualmente os artigos sobre questões militares: equipamento e armamento inapropriados e analfabetismo dos soldados que, reclamava ele, não deviam sair dos quartéis, depois da recruta, sem saber ler nem escrever.

Embora já não estivesse ligado ao Exército, é como Capitão que o seu nome vem impresso no documento fundamental desta revolta, a Carta aberta ao Povo Português, a recusar a ditadura imposta pelo 28 de maio e a incitar o povo a restaurar a pureza da República. Assinada pelos oficiais: General Gastão de Sousa Dias; Jaime de Morais, Chefe do Comité Militar Central; Jaime Cortesão, Capitão médico miliciano e delegado do C.M.C. no Norte; Capitão João Sarmento Pimentel, delegado do Comité Militar do Norte; e João Pereira de Carvalho, do Comité Militar do Norte.

Intelectualmente movida pelos homens da Seara Nova, os mesmos que dirigiam e trabalhavam na Biblioteca Nacional, conhecidos de resto como Grupo da Biblioteca - António Sérgio, Jaime Cortesão, David Ferreira, Raul Proença – a intentona prepara-se para derrubar a Ditadura Militar, instalada pelo movimento de 28 de Maio de 1926. Porém Lisboa atrasa-se na adesão e o Porto vai sozinho à luta, o que facilita à Ditadura o desmantelamento das forças adversárias. O episódio salda-se em muitas mortes, prisões, demissões de cargos públicos e partidas para o exílio.

Primeiro golpe contra a Ditadura Militar e último em importância antes do 25 de Abril, foi ele a razão do exílio de Sarmento Pimentel no Brasil.

 

. Longe de Portugal

Foi no Brasil que Sarmento Pimentel viveu a maior parte da sua vida, ocupado de um lado em assegurar o bom nível de vida da família, de outro com a restauração dos valores democráticos em Portugal. Co-fundador do Partido Socialista português, esteve à testa da Acção Socialista em São Paulo e de outras instituições similares de resistência e oposição ao salazarismo.

Na vida de negócios, criou laços de funda amizade com Lúcio Tomé Feteira, e com este levou avante a fundação de fábricas de vidro plano no Brasil. Feteira por diversas vezes financiou conspirações e opositores, caso de Mário Soares, uma visita bem-vinda à Av. Itacolumi, em São Paulo, a casa de Sarmento Pimentel. Muitas figuras de primeiro plano, em todos os setores, tiveram o privilégio de privar com Sarmento Pimentel, desde presidentes de república como Bernardino Machado e Sidónio Pais, em tempos muito passados, passando por escritores como António Sérgio, Jorge de Sena, Lygia Fagundes Telles, e tantos artistas plásticos, como o seu quase conterrâneo Amadeo de Sousa Cardoso, mas sobretudo aqueles que o retrataram, como Henrique Medina, até industriais, milionários e banqueiros, sem esquecer ilustres figuras de militares como os generais Pereira d’Eça, Gomes da Costa e Ramalho Eanes, este responsável pelas estrelas de general recebidas na celebração do 25 de Abril de 1982 em São Paulo.

Sarmento Pimentel nunca esteve de braços cruzados, nem a distância o impediu de participar nas raras manifestações de revolta contra o “fradalhão de Santa Comba”, como ele designava o responsável pela ditadura em Portugal. Em 1931 veio de propósito à Europa para participar numa revolução, mas a descoordenação foi tal em Lisboa que ele nem chegou a sair de Vigo, onde se encontrou com alguns outros opositores do regime no exílio.  Regressou ao Brasil sem ter entrado em Portugal, mas aproveitou para levar com ele a jovem família.

A comunidade portuguesa em São Paulo com frequência angariava fundos para financiamentos subversivos, a exemplo de Henrique Galvão, na sequência do rapto do paquete Santa Maria, e de Humberto Delgado, antes da revolta de Beja e da sua candidatura à Presidência da República. Porém a revolução quotidiana, na Casa de Portugal, co-fundada e co-dirigida por ele, e de outras instituições, como uma escola para as crianças portuguesas, incidia, como nos tempos da Seara Nova, na ilustração através da palavra, com a criação de jornais como o Portugal Democrático e a bela revista Portugalia.

Sarmento Pimentel atravessou o século XX com uma seriedade intelectual e uma pureza de ideais que fazem dele não só uma referência para os militares mas sobretudo um exemplo de virtude para todos nós.

 

Maria Estela Guedes

SARMENTO PIMENTEL
Um século de História
Texto: Maria Estela Guedes

Lisboa, Apenas Livros, Abril de 2017
 
EDITOR | TRIPLOV
Contacto: revista@triplov.com
ISSN 2182-147X
Dir.
Maria Estela Guedes
PORTUGAL
 
 
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