Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências .
ns . nº 54 . outubro-novembro 2015 . índice


ANTONIO COLINAS. Poeta, narrador, traductor y ensayista, nació en La Bañeza (León, España), en l946. Ha publicado, hasta la fecha, más de una treintena de libros. De ellos, once son de poesía, entre los que destacan: Sepulcro en Tarquinia (Premio Nacional de la Crítica en 1975), Astrolabio, Noche más allá de la noche, Jardín de Orfeo, Los silencios de fuego y Libro de la mansedumbre. En l982 le fue concedido el Premio Nacional de Literatura a una edición que recogía el conjunto de su obra poética y que ha sido reeditada por Visor Libros con el título de El río de sombra (Treinta años de poesía, l967-l997).  http://www.antoniocolinas.com/index.html

ANTONIO COLINAS
Três poemas
Tradução de João Rasteiro

A chama

Hoje começo a escrever como quem chora.
Não de raiva, ou dor, ou paixão.
Começo a escrever como quem chora
saciado de plenitude,
como quem leva um mar dentro do peito,
como se o olho possuísse toda
essa imensa colmeia que é o firmamento
em sua breve pupila.


Incendeio-me em plenitudes passadas.
E por estas presentes emudeço.
Choro por ter uma mulher a meu lado
pela água de um monte
que sonha entre ciprestes num lugar da Grécia;
choro porque nos olhos do meu cão
encontro a humanidade, pela arrebatadora
música que talvez não mereçamos,
por dormir tantas noites em sossego profundo
sob o ícone e sua luz de oiro,
e pela mansidão da vela,
que é só isso, chama.


Começo a escrever e também a escrita
chora, porque respira e queima, porque passa.
Que grande prazer sentir-me
eu mesmo essa palavra que vai ardendo.
(Porque eu também ardo e também passo)


Contemplo uma chama imóvel na penumbra
de suaves jardins,
na margem de um mar calmo e antigo,
e vou-me incendiando com a fortuna
de saber que não existe outra verdade
que não seja essa chama, ou seja,
a do amor que é dom e que é condenação.

São chamas as palavras e são chamas os olhos,
que choram sem chorar pelo ser que eu fui
(aquele fogo cansado que tremia
junto a outros jardins de outro mar)
e pelo ser que agora está fitando
fixamente uma chama,
e que é, em solidão, a chama mais satisfeita.
O muro branco
Estou sentado frente a um muro branco:
áspero muro, seco como grito
de cristal, ou talvez como a neve
da infância no silêncio das gândaras.
Um muro branco, branco como o osso
calcinado, ou talvez como cal viva
que nas tumbas abraça carne branca.


E, olhando-o, eu também sou branco,
pois branco é o fogo ou é a luz
que vai e vem nas veias venturosas
Enquanto durar a luz não chegará
o negro até este muro limpo e branco.
Enquanto durar a minha luz todo o branco
do mundo envolverá a sala, o ar,
as horas desta casa que é fogueira.


Estou sentado defronte ao muro branco
à espera de tudo e obtendo
tudo de quanto é nada em sua brancura.
O muro que é deserto da minha alma.
O muro que é deserto da luz
A visita do mal
Hoje recebemos a visita do mal,
mas decidimos acolhê-lo
como a um hóspede fecundo.
O mal chegou de repente, como ratoeira ou veneno,
e abrimos-lhe
de par em par a porta da casa.


Como sempre, o mal
veio cego, despido, sem razão,
e embora cães e gatos tenham fugido,
conservámos plenamente a calma
e conduzimo-lo até ao jardim.
Ali, o doce dia, o sol tão forte
abrasavam as chagas e pesares,
ressequiam o sangue nas feridas,
apagavam o espesso fedor do ar.


Chegou-nos o mal como uma faca irada
em porões de sombra,
mas a casa e o coração estão abertos.
Uma vez mais tivemos que colocar
amor onde o amor não se encontrava.
E não há mordaça, dardo, agulha, fel
que não possa fundir a fogueira musical
que, de monte a monte, hoje propaga o outono.


Entrei uns momentos na casa
para oferecer o pão e a bebida
ao hóspede irado.
Quis alegrar-lhe o coração, colocar
um pouco de calor em seu rosto de gelo.
Em aquietada paz voltei ao jardim
para abraçar o mal, mas não pude,
pois encontrei-o caído e moribundo
de luz e silêncio entre a erva.

Hoje recebemos a visita do mal,
mas logo tivemos que enterra-lo
debaixo da laranjeira e do seu aroma,
onde zumbem as abelhas.
Sozinhos tivemos que beber
o vinho que tirámos para o hóspede,

o doce vinho do mais profundo esquecimento.




In, Libro de la mansedumbre (1993-1997)
EDITOR | TRIPLOV
Contacto: revista@triplov.com
ISSN 2182-147X
Dir.
Maria Estela Guedes
PORTUGAL
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