REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 48 | outubro-novembro | 2014

 
 

 

MAGALI ROSA DE SANT'ANNA
& MARGARETE BERTOLO BOCCIA

As contribuições e os limites da obra freirianista

“DIÁLOGO COM PAULO FREIRE”

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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  RESUMO
 

Nesse texto analisa-se uma obra freirianista, tecendo comentários críticos de modo a indicar suas contribuições e limites. Para elaboração dessa análise escolheu-se a obra “Diálogo com Paulo Freire”, de Carlos Alberto Torres. O seu conteúdo situa o contexto educacional aos leitores e indica que sua principal contribuição é a explicitação de conceitos importantes de Paulo Freire, os quais foram reavaliados, reescritos e reformulados ao longo dos tempos. Teve-se como objetivo observar a obra com o olhar da atualidade, a partir da leitura de seu título, possibilitando a interpretação da construção de um diálogo entre Torres e Freire, o que não ocorre no desenvolvimento da obra, sendo assim, considerada sua principal limitação. 

palavras-chave: Obra freirianista, diálogo, contribuições, limites. 

 

INTRODUÇÃO 

A obra escolhida para análise “Diálogo com Paulo Freire”, de Carlos Alberto Torres, nos é apresentada pelo próprio autor cuja introdução traz os pensamentos de Paulo Freire a partir de uma contextualização que indica – naquela data – inverno de 1977, na cidade do México – a necessidade do questionamento, da pesquisa, do diálogo na América Latina com a realidade complexa e sobre essa realidade difícil e dominada.

É importante destacar que essa obra foi escrita no momento histórico das ditaduras na América Latina.

Sua estrutura é composta de uma introdução denominada “Paulo Freire: um educador que questiona a pedagogia”.

Em seguida transcreve-se em cincos capítulos, entrevistas em ordem cronológica. A saber:

1)    A primeira entrevista com Paulo Freire é intitulada – “Ação cultural libertadora”, dividida em seis sub títulos relacionados aos temas abordados nas perguntas ou respostas dadas; realizada pela revista Víspera em 1969.

2)    O segundo texto não é uma entrevista, mas sim, respostas ao questionário da revista Risk, em Genebra, em 1970, intitulada “Educação para o despertar da consciência”.

3)    O terceiro texto é datado de 1972, uma entrevista dada  a revista Cuadernos de Educación, da Universidade Católica do Chile, entitulada “Entrevista com Paulo Freire”.

4)    O quarto texto é a entrevista “Conscientização e Libertação: conversa com Paulo Freire”, de 1973, concedida ao Instituto de Ação Cultural (IDAC) publicado em Genebra.

5)    O quinto e último texto é de 1975 e não caracteriza-se em texto completo, mas sim uma seleção de parágrafos, da entrevista concedida a revista espanhola Cuardernos de Pedagogía.

Torres indica que nesse período de 1969 a 1975 o pensamento de Freire não apresenta rupturas, mas sim evolução.

 

CONTRIBUIÇÕES E LIMITES 

Introduzindo os leitores na obra, Torres coloca que em termos pedagógicos a intenção do mesmo é de não só apontar as enormes deficiências existentes, como também, e principalmente, estimular ações, abrir caminhos, imaginar saídas, questionar ao menos a vivência cotidiana.

Este era o objetivo que se visava, questiona-se hoje, será que ainda não se visa exatamente isso? Estimular ações e abrir caminhos para nossa educação, melhorando-a pedagogicamente de modo a questioná-la para fazê-la melhorar; refletir e não deixar se conformar.

Paulo Freire nos é apresentado não como um mágico produtor de receitas mágicas e solucionadoras de tudo, mas sim como um investigador pedagógico que vivencia uma pedagogia investigadora.

Além disso é adjetivado como um pensador da práxis, o pedagogo da consciência, o crítico que questiona sua própria práxis docente.

É como um pensador da práxis, um pensador itinerante que modifica, complementa e radicaliza seus pensamentos. Freire tinha a convicção de que a educação bancária, tecnicista e alienante, não contribuía para a educação consciente, na qual o aprendente seguiria seu próprio caminho para a aprendizagem do objeto de estudo. Desta forma, Freire encontra respostas novas para velhas perguntas.

Mudando a temporalidade de nosso texto a ser analisado, essa caracterização de Paulo Freire nos apresenta um educador muito próximo ao educador portador dos saberes necessários à prática educativa, tanto que nos faz refletir sobre essa prática, a partir do livro “Pedagogia da Autonomia” de 1996.

Ampliando essa caracterização de Freire há a proposição de um projeto pedagógico que parte da ação cultural libertadora, articulado e iluminado pela Ciência Política, ciência essa vanguardista revolucionária, da união dialética da liderança com as massas e com projeto de organização política dessa liderança com as massas, ou seja, um projeto pedagógico de organização política do oprimido.

Paulo Freire é  pensador da práxis, itinerante e da totalidade, uma vez que buscou fugir da especialização alienante proposta ao intelectual.

Em um dado momento da introdução, Torres indica que nos últimos anos é difícil encontrar artigos saídos da pena de Freire. A justificativa apresentada está relacionada à linguagem, linguagem essa que Freire buscava aproximar cada vez mais dominados e oprimidos.

Percebe-se que essa informação resgata o contexto histórico da época e indica que naquele momento Freire estava trabalhando muito, pelo mundo inteiro, implantando e divulgando seu método de alfabetização. Método esse que abriga os Círculos de Cultura e foi desenvolvido em Angicos, nos anos 60.

Dando sequência, Torres indica que ao ler as entrevistas, três aspectos são destacados e merecem relevância para conhecermos os pensamentos de Freire: honestidade intelectual, dinamismo e abertura para a realidade.

1-    A honestidade intelectual não titubeia em “criticar os aspectos ingênuos de sua obra, uma ideia incompleta ou equívoca, uma proposta fora do lugar. Ele não hesita em criticar experiências que redundam em fracassos pedagógicos.” (TORRES, 1979, p.8)

2-    O dinamismo apresenta uma incessante evolução de seu pensamento, pois “a maturação de algumas questões, o esquecimento explícito de outras, a ‘clarificação’ de novos exemplos para afirmar velhas convicções ainda hoje permanentes.” (TORRES, 1979, p.8)

3-    A abertura para a realidade aponta para  

a necessidade de que a realidade provoque o homem, mas que este, por sua vez, provoque ‘praticamente’ essa realidade. De imediato, isto conduz à reflexão sobre o sentido, o autêntico sentido do ‘inédito viável’, esse limite não entre o ser e o não ser, mas entre o ser e o ser mais. (TORRES, 1979, p. 8) 

Neste momento, apresenta-se a crítica, construída a partir desse exemplo, o tema inédito viável é citado na primeira entrevista que foi transcrita na obra, Freire ao responder a pergunta: “como superar, então, essa interferência para que a reforma atue como uma efetiva transformação libertadora?” (Torres, 1979, p.16), conclui dizendo que para além destas situações, o que chamamos de ‘inédito viável’, que é a futuridade que os homens devem construir” (Torres, 1979, p.17).

Torres que foi entendido como o interlocutor de Freire nesse diálogo, mesmo que pelo aporte das transcrição das entrevistas selecionadas, nesse momento que um dos assuntos destacados por ele como algo significativo do pensamento de Freire, em sua introdução apenas faz a seguinte intervenção: “Inédito viável? Bonita expressão, como todas as que anunciam algo novo...” (Torres, 1979, p. 17). Entretanto, nota-se que o assunto é abordado, apresentado, mas não dialogado, pois esperava-se pela interpretação do título do livro, que haveria um diálogo entre o autor e Freire.

Retomando os pensamentos apresentados, com base nos aspectos considerados relevantes das entrevistas, Torres (1979) afirma que Freire envolveu-se profundamente com os movimentos sociais e educação popular, sendo possível afirmar que naquele momento podia-se posicionar e estar com Freire ou contra Freire, mas não sem ele.

Esclarecendo essa afirmação, nota-se que os embates existentes naquele momento histórico eram travados tanto entre os simpatizantes dos governantes de direita, bem como de esquerda. Haja vista Freire tinha seus pensamentos lidos e discutidos por todos, colocando-o nessa situação de estarem com ele ou contra ele, mas nunca sem ele. 

Por isso, seu pensamento e práxis convocam. Convocação que só é compreensível quando se penetra no dinamismo do projeto libertador. Só os utópicos – disse Freire – podem ter esperança, só os oprimidos podem libertar-se a si mesmos e libertar seus opressores. O projeto educativo freireano, que se gera na utopia, é um projeto que se pode sintetizar em duas palavras: anúncio-denúncia. (TORRES, 1979, p.8) 

Segundo Torres, as entrevistas selecionadas apresentam um estímulo adicional para sua leitura: apresentando alguns aspectos até então desconhecidos – ‘inéditos’ do pensamento de Freire; mostra as fontes de preocupação, além de explicitar aspectos polêmicos de sua proposta educativa. Aliás, isso indica que ao ler as entrevistas, “surge a tentação de confrontar-se as imagens: a do Freire pedagogo, pensador da totalidade, com a do Freire polêmico” (Torres, 1979, p.9). Sendo considerada por nós, a segunda crítica a ser explicitada, apesar da leitura dessa colocação, nos remeter a existência da construção dessas imagens confrontadas, no diálogo, que como já indicado, não ocorreu.

 

SINTETIZANDO 

As contribuições estão relacionadas à caracterização de Paulo Freire como um pensador da práxis, pedagogo da consciência, crítico que questiona sua práxis docente e que vivencia uma pedagogia investigadora. Todos esses aspectos da trajetória deste célebre educador brasileiro propicia que mesmo sob o olhar atual, pode-se afirmar o quanto ele se manteve fiel a seus pensamentos e coerente em suas ações.

Seu pensamento foi apresentado como investigativo, radical, aprofundado que encontrava respostas novas a velhas perguntas. Ademais, possibilitou salientar sua honestidade intelectual, dinamismo e abertura para realidade, com evolução incessante de seus pensamentos, evolução de algumas questões e o esquecimento explícito de outros.

O projeto pedagógico de ação cultural libertadora também foi explorado, onde só os oprimidos podem libertar-se e libertar seus opressores. Além disso apresentou aspectos que até então eram desconhecidos, suas fontes de preocupação ainda não exploradas e aspectos polêmicos de sua proposta educativa.

O limite encontrado foi a não apresentação efetiva de um diálogo entre o autor e Freire, pois assim entendeu-se que seria o movimento de interlocução a ser apresentada, interpretação essa suscitada pelo título da obra.

 

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Educação como prática para liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

TORRES, Carlos Alberto. Diálogo com Paulo Freire. São Paulo: Edições Loyola, 1977.

   
 

 
  Magali Rosa de Sant’Anna é professora de Inglês, Prática de Ensino de Língua Estrangeira, Metodologia de Ensino de Língua Inglesa, Pronúncia da Língua Inglesa há 32 anos, nos quais os últimos 22 são dedicados à Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Atualmente leciona na Graduação do curso de Letras e na Pós-Graduação, no Programa de Mestrado e Doutorado em Educação. É Mestre e Doutora em Linguística (USP). É autora de livros e artigos acadêmicos.
   
 
  Margarete Bertolo Boccia é Mestre e Doutoranda em Educação na UNINOVE. Possui graduação em Pedagogia e pós-graduação em Didática e Psicopedagogia pela Universidade Cidade de São Paulo. Foi professora e diretora de escola, na rede pública e privada de ensino; coordenadora de Pós Graduação. Autora de livros e artigos acadêmicos. Atualmente é docente e coordenadora do curso de Pedagogia da UNINOVE, no curso presencial e na modalidade Educação a Distância.
 

 

© Maria Estela Guedes
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