REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 44 | fevereiro-março | 2014

 
 

 

 

FERNANDO GRADE

Não mintas às pedras

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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  ARACNOGRAFIA
Amo-te, aranha geométrica.
Fascina-me a tua misteriosa ciência.
Estou comovido
e sereno como diante de um copo de água.
És o mais sábio de todos os indivíduos
porque vens de longe, 
a água foi a tua mãe,
oh aranha tão antiga, cem vezes mais culta
do que o homem.

A geometria começa em ti.
Tudo o mais são palavras
que não chegam aos ouvidos da aranha
(in livro individual de poemas "SERENATA AO DIABO". Capa e colagem trabalhada / Fernando Grade. Desenho ilustrativo / António Ole. Foto / A. F. de Sousa. Revisão / Edições Mic. Edições Mic.  Estoril / Abril de 1978).
(in antologia individual de poemas "25 ANOS DE POESIA ANTOLOGIA 1962-1987". Aparato gráfico e revisão / Atelier Edições Mic. Desenhos da série "TEORIA DAS MULTIDÕES", de Fernando Grade. Edição nº. 59. Depósito Legal nº 19566/88. Edições Mic. Colecção Salamandra / 12. Estoril, Janeiro de 1988).
 
 
 POLTRONA

De 
tanto
estar
sentada
a
vulva
é
de
veludo
ou
uma
redoma?
           
(in livro individual de poemas "SAUDADES DE SER ÍNDIO". Aparato gráfico / Atelier Edições Mic. Revisão / Ester Pintasilgo. Composição mecânica / Jaime Dias . Paginação e imposição / Freitas, J. Neiva. Impressão / M. Prego, Júlio Coelho. Provas / G. Pinto . Papel e corte / J.Moreira, D. Farinha . Brochura / Laura,Cadena,Helena,Manuela . Transporte / A. Fernandes. Edições Mic. Estoril, Setembro de 1981).
 
 
AS MOSCAS AINDA ESTÃO NA CIDADE

Olha sartre afinal as moscas ainda estão na cidade
-- Elas são muitas e grandes e formam bando
dificultando o voo dos pássaros
As moscas ainda moram em toda a parte:
por cima das ruas por dentro dos prédios
no sexo de quem não foge para o fogo vivo
da terra sempre a florir

À boca dos cinemas
ou entre as flores secretas da noite
nascem moscas
as mesmas que depois passeiam
de braço dado com os bêbedos verticais
ou invadindo a casa de quem se despe
cantando pela madrugada

Olha sartre já vem muito perto a primavera
em que as moscas perderão as asas

                       
Caldas da Rainha -- 1965

(in antologia pessoal "10 ANOS DE POESIA  (1962-1972)". 2ª. edição revista e aumentada.  Na capa: foto de Fernando Grade, da autoria de César Cardoso. Revisão de Roma Luísa Carnide de Castro-Sena. Edições Mic. Estoril, Setembro de 1977




ELEGIA EM ORLY
Também o vento
também estas cinco rodas de chuva
não voltam mais a ser da floresta
nem da mesma estrada.
Tu já não podes regressar:
perdeste o teu corpo selvagem com brincos
nas páginas dos jornais.
Quando chegas da Europa
já não tens aqui a Europa à tua espera.
Tudo corre tão depressa!:
hoje foram inventados outros brincos
e escritos outros jornais;
os jovens ganharam cabeleiras nos silvados
acreditam em facas luminosas
e o Sena desce para todos os mares.

Estás só na noite de Orly:
esquecidos esses antigos olhos silvestres
o corpo destruído na memória dos outros
e sou apenas o único a saber quem tu és.
Se alguém se lembrasse ao menos
de raptar o teu avião
talvez fosses parar ao deserto dos faraós
ou à rua das moscas em Beirute
ou a algum campo de trigo ao norte na Jordânia.
Talvez os jornais quisessem dizer
que nesse avião raptado aos Americanos
seguiam as pernas mais sexy do tempo da guerra.

                                                Paris, 1970

(in livro de poemas "10 ANOS DE POESIA" -- 1962-1972. 1ª edição. Lisboa, Novembro de 1972. Contém uma ilustração de Carlos Botelho, alusiva ao poema "ELEGIA EM ORLY". Contém um desenho da série "Teoria das Multidões", de Fernando Grade).

(in antologia pessoal "10 ANOS DE POESIA" -- 1962-1972. 2ª edição revista e aumentada. Revisão / Roma Luísa Carnide de Castro-Sena. Edições Mic. Estoril, Setembro de 1977.

(in antologia "25 ANOS DE POESIA ANTOLOGIA 1962-1987". Aparato gráfico e Revisão / Atelier Edições Mic. Desenhos da série "TEORIA DAS MULTIDÕES", de Fernando Grade. Edições Mic -- Colecção Salamandra / 12. Estoril, Janeiro de 1988).

 
  UM PROSOPOEMA
MESTRE DE MALDITOS
 
Eu trabalhava em condições  adversas. Os tempos do ano passavam sobre o meu corpo, mordiam-me as unhas, como se fossem mulheres sumárias: não deixavam raízes nem robínias.

Nunca tivera materiais para domesticar o fogo. Era um sóbrio trabalhador por conta própria, comedido nos jantares e nas noitadas. Porém como todos os que viveram muito e em muitos sítios, eu estava a ficar sábio. Conhecia pelo cheiro da boca as devastações mais pequenas: as que chegavam do coração; as que tinham o medo por bússola. Sabia da música lida, da orquídea, do recôndito sarcasmo. Explicando melhor: media as paisagens com os olhos, e com os olhos descobria a espessura de animais com luzes dentro. Porque a água continuava a chegar dos lados de cima, sirénica, do meio das pedras redondas.

E por ser a natureza a única sabedoria e eu viver na carne sangrenta das gaivotas, atinjo os oitenta e três anos com a limpidez de um rapaz rebelde tripulando o sexo barulhento da sua motocicleta.

Estou vestido e perfumado para morrer só.
        
                                         
Estoril . Janeiro de 1978
                  
(in livro individual de poemas "SERENATA AO DIABO". Capa e colagem trabalhada / Fernando Grade. Desenho ilustrativo / António Ole. Foto / A. F. de Sousa. Revisão / Edições Mic. Edições Mic. Estoril / Abril de 1978).
(in antologia individual de poemas "25 ANOS DE POESIA ANTOLOGIA 1962-1987". Aparato gráfico e revisão / Atelier Edições Mic. Desenhos da série "TEORIA DAS MULTIDÕES", de Fernando Grade. Edição nº. 59. Depósito Legal nº 19566/88. Edições Mic. Colecção Salamandra / 12. Estoril, Janeiro de 1988).

 

 
E UM HAIKAI
FOLHA DE OBRAS 
                                                                    
                                                                         para a Josefina Saborido

                                
              A demolição começa pelo nariz
              pelas rebeldes narinas inteiriçadas de brisa.
              Mas a boca calceta-se com beijos.

                                             
      Cascais . Novembro de 1978

( in "MUSEU DAS FORMIGAS". Integra 37 haiku e micropoemas, um poema de fôlego e uma entrevista concedida por Fernando Grade à Actriz HERMÍNIA TOJAL, no programa "POEMAS E POETAS", da RDP 1, a 6 de Outubro de 1979. Capa do livro / F.Marques. Revisão / Ester Pintasilgo. Tiragem / 2100 exemplares. Edições Mic. Estoril - Abril de 1980. Esgotado).
 

 

© Maria Estela Guedes
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