REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 42-43 | dezº 2013-janº 2014

 
 

 

 

JULIÃO BERNARDES



«A epifania do Herberto»

e outros poemas

Julião Bernardes (Portugal). Autorretrato

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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A epifania do Herberto

                                                                                  a Herberto Helder

 

Na tua rendilhada poesia

de lugares abertos às marés,

com ondas arrulhando

pelos dedos de Deus,

a laranja comunga dos teus gomos,

também ela descobre, a par do sangue,

a volúpia do corpo a esclarecer

os enleios da luz.

 

E ao tocares as chávenas, as colheres,

a vida arrebata-se e acorda

esses adormecidos utensílios.

E então eles, limpos já do pó

por onde o esquecimento os enterrara,

vêm juntar-se a nós e fazem parte

do secreto festim, são o pão e o vinho

que as tuas mãos repartem e entregam

aos olhos deslumbrados do encontro.

 

Entre o sabor das coisas entrecruzam

visões inesperadas.

 

Até a noite vem dar claridade,

violar castas mães, trabalhadoras,

as mães que dão às coisas

esse sentido útil

em que se reconhecem.

Assim as mães elevam-se à altura

do sonho onde os filhos se renovam

e crescem, e seus dedos preenchem

de vazios com estrelas.

 

As mulheres são degraus que nos ateiam,

medos e alegrias, sons de Deus

tangendo pelas casas os espinhos

das bocas em botão.

E adormecem dentro do seu sono

com cidades movendo a luz do sol

entre janelas nuas ou despertas

à curiosidade dos braços.

E nelas o poema se percorre,

nos impulsos do corpo

obedecendo à vida.

 

 

Monte Abraão, 13FEV06

Julião Bernardes

 
 

SEARA E SEMENTE 

O declive da vida é a subir
tão grande quanto a nossa intolerância
da raiz à semente;
e vai-nos o Caminho sempre à frente
fugindo ao passo incerto da ganância.
 
Em cada sobressalto a emoção
torna a vida mais nossa e mais intensa
no auge da alegria;
mas sem provar o sal da Harmonia
cresce no mal o germe da descrença.
 
A ilusão do amor feito paixão
que nada justifica nem perdoa
morre no próprio lume;
o que se diz Amor é só ciúme
e a quem se diz amar muito magoa.
 
A Rosa é a flor do Universo
onde tudo se dá por consentido
desvela a Luz ausente;
 o Amor é seara e é semente
e só por ele a vida faz sentido.

Julião Bernardes

 

Nota: cantado por mim este poema está gravado num CD, com música

de Maria Luzia Esteves (o CD chama-se Encontro Musical e foi gravado em 2007).

 

 
 

A fitar o tempo

                                     a Fernando Pinto Ribeiro

 

A carne vagueia

de inseguros passos.

 

O caminho é estreito.

A firmeza alarga-o.

 

                                A serpente dorme.

 

Lenta é a subida

no jardim dos sonhos.

 

Cumprem-se os nove degraus.

 

O brilho das pétalas

espevita na mente

um oásis de amor.

Livres, os desejos

são aves de luz.

 

                               A serpente acorda.

 

Pronta ao equilíbrio

sobe a unidade

os doze degraus

e no cimo acalma

a fitar o tempo.

 

É lá que flutua

o esplendor do ser.

 

In Poetânea 2,  Março de 2005

Julião Bernardes 

 

 

Julião Bernardes viu-se tomar forma em 4 de Julho de 1944, na freguesia de Lapas, concelho de Torres Novas, distrito de Santarém. O seu autor, nascido em 5 de Março de 1939 na mesma aldeia, reside desde 1975 em Monte Abraão, Queluz. Escreveu os seguintes livros de poesia: Sombras de Pessoa(s), 96 Quadras em Jeito de Missão, O Corpo na Vertigem, LAPAS – Vivências da Juventude, Na Cinza do Silêncio, Da Luz e das Sombras, Do Amor e do Tempo, Ser Pássaro, Por Dentro dos Instantes, Ao Redor da Vida (sonetos) e O Pássaro da Sede. Em prosa: Um Grito de Gaivota e, em parceria com Rui Cacho, 2 Autores/2 Textos, tendo intitulado a sua parte de Tudo É Aparente. Colaborou em diversos livros colectivos, alguns dos quais (mais de duas dezenas) organizou.

 
 

© Maria Estela Guedes
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