REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 33 | novembro | 2012

 
 

 

 

MARIA AZENHA

Utopia Rosacruz

Utopias / Tiranias

Maria Azenha (Portugal). Foi professora universitária. Tem mais de duas dezenas de livros publicados.                        
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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A Sociedade atual vai desenvolvendo micro utopias nos espaços vazios deixados pelas verdadeiras Utopias.

Essas micro utopias são dadas às pessoas como a fonte da autorrealização, como algo que devem buscar para se sentirem individualmente realizadas

(um corpo esbelto, por exemplo, a juventude eterna, um bom emprego, fazendo-as crer que são assim reconhecidas na Sociedade e felizes para sempre.)

Mas esse é o não - lugar, pois traduz-se na raiz do que as faz sofrer.

Podemos considerá-las micro tiranias, tiranias que pulverizam os seres humanos como indivíduos pertencentes a uma determinada Sociedade. 

O conceito de Utopia (u-topos, nenhum lugar, ou o lugar que não existe, é portanto um mundo idealizado) aparece associado a uma sociedade ideal.

Esta sociedade é fundada em leis justas e em instituições comprometidas com o bem-estar da coletividade.

Atualmente assume um sentido comum de projeto irrealizável, todavia impraticável. Mas … “ Se as coisas são inatingíveis…ora!/ Não é motivo para não querê-las…/ Que tristes os caminhos, se não fora / A presença distante das estrelas!” – Mário Quintana

Para recuperarmos um pouco o seu sentido original recorde-se o que Louis Claude de Saint–Martin  compôs, o que  acabaria por ser o lema da Revolução Francesa : .

“ A felicidade da humanidade consiste na união de todos os membros de sua família. Essa união só se pode dar através da fraternidade, que cria a igualdade pelo equilíbrio estável dos direitos e dos deveres, assegurando ao mesmo tempo a liberdade, a segurança e a preservação da coletividade. “

 

Também Platão, num dos seus discursos, concluía:

 “ Quando os governantes abusam do poder; quando os pais se habituam a deixar os filhos sem disciplina; quando os mestres tremem diante dos alunos e preferem bajulá-los; quando os jovens desprezam as leis e a moral porque não reconhecem a autoridade de nenhuma coisa ou pessoa, então surge em toda a beleza e em toda a juventude, o nascimento da tirania”.

Tudo para dizer que podemos ir pelo caminho da Utopia ou escolher o caminho da tirania.

Os Rosacruzes sempre se preocuparam com a evolução da Humanidade.

Sempre beberam nas grandes Luzes do Conhecimento e da Sabedoria.

Sempre entenderam que a Imaginação é uma Potência Criadora.

Einstein dizia que “Não basta ao homem aprender a especializar-se.

Porque assim se tornará numa máquina utilizável e não uma personalidade.”

Os Rosacruzes entendem que a Imaginação é tão ou mais importante que o Conhecimento.

É através dela que se desenham as grandes Utopias, como centrais nucleares para grandes transformações e realizações, através dos tempos,  nas Sociedades. 

Vejamos:

Os séculos XVI e XVII caraterizaram-se pelo aparecimento de grandes utopias, do sonho de grandes Pensadores com o objetivo de realizar uma reforma da humanidade, tentando realizar na Terra a cidade ideal. A cidade que os místicos constroem no próprio coração, naquele “ lugar sagrado” onde todas as diferenças podem ser diluídas com o solvente alquímico universal do amor.

“É no Manifesto Positio Fraternitatis Rosae Crucis para o terceiro Milénio, que se desenha a Utopia Rosacruz, ou seja um mundo idealizado a ser cumprido no Futuro, no sentido Platónico, projetando a escolha da mais bela construção para a Humanidade.”

Esta obra está na continuidade de Manifestos Rosacruzes publicados no século XVII em que a Ordem Rosacruz torna pública a sua posição diante do estado do mundo, e constitui um elo de ligação entre os rosacruzes do passado, do presente e do futuro.  

Em 1623, os Rosacruzes afixavam nos muros de Paris cartazes, ao mesmo tempo misteriosos e intrigantes.

 “Nós, deputados do Colégio principal da Rosa+Cruz, demoramo-nos visível e invisivelmente nesta cidade pela graça do Altíssimo, para o Qual se volta o coração dos Justos. Mostramos e ensinamos a falar sem livros nem sinais, a falar todas as espécies de línguas dos países em que desejamos estar para tirar os homens, nossos semelhantes, de erro de morte.”

Alguns anos antes, os Rosacruzes já se haviam dado a conhecer publicando três Manifestos deste então célebres: Fama Fraternitatis, Confessio Fraternitatis e O Casamento Alquímico de Christian Rosenkreutz, que apareceram respectivamente em 1614, 1615 e 1616.

Fama Fraternitatis é dirigido às autoridades políticas e religiosas, bem como aos cientistas da época. Ao mesmo tempo em que fazia um balanço negativo da situação geral na Europa, revelava a existência da Ordem da Rosa+Cruz através da história alegórica de Christian Rosenkreutz (1378-1484).

Esse Manifesto já fazia apelo a uma Reforma Universal.

Confessio Fraternitatis completava o primeiro Manifesto, por um lado insistindo na necessidade do ser humano e a sociedade de se regenerarem e, por outro lado, indicando que a Fraternidade dos Rosacruzes possuía uma ciência filosófica que permitia realizar essa Regeneração.

O Casamento Alquímico de Christian Rosenkreutz, num estilo bastante diferente dos dois primeiros Manifestos, relata uma viagem iniciática que representa a busca da Iluminação. (3)

Essa viagem de sete dias desenrola-se em grande parte num misterioso castelo onde deviam ser celebradas as bodas de um rei e de uma rainha.

Em termos simbólicos, o Casamento Alquímico descreve a jornada espiritual que leva todo Iniciado a realizar a união entre sua alma (a esposa) e Deus (o esposo).(1)

Como sublinharam alguns historiadores, pensadores e filósofos contemporâneos, a publicação desses três Manifestos não foi nem insignificante nem inoportuna.

 Ocorreu numa época em que a Europa atravessava uma crise existencial muito importante: estava dividida no plano político e dilacerava-se em conflitos de interesses económicos; as condições de vida eram miseráveis para a maioria das pessoas; a sociedade da época estava em plena mutação, mas faltavam-lhe referências para evoluir no sentido do interesse geral.

Perto de quatro séculos após a publicação dos três primeiros Manifestos, constatamos que o mundo inteiro, mais estritamente a Europa, enfrenta uma crise existencial sem precedentes, em todos os campos de sua atividade: política, económica, científica, tecnológica, religiosa, moral, artística, etc. Por outro lado, o nosso planeta, isto é, o nosso campo de vida e evolução, está gravemente ameaçado sob o ponto de vista ecológico.

Seguramente, a Humanidade atual não está bem.

“Por isso, fiéis à nossa Tradição e ao nosso Ideal, nós, Rosacruzes dos tempos atuais, julgamos ser útil darmos testemunho disso através deste Manifesto Positio Fraternitatis Rosae Crucis.”

Positio Fraternitatis Rosae Crucis não é um ensaio escatológico. De maneira nenhuma é apocalíptico. O seu objetivo é transmitir uma posição quanto ao estado do mundo atual e pôr em evidência o que parece preocupante para o seu futuro.

Se todos os seres humanos se esforçarem em agir em conformidade com isso, o mundo só poderá ser melhor.

Cremos que o Amor é o valor supremo de toda a Humanidade.

As relações humanas são fundadas no amor, na amizade e na fraternidade, de modo que o mundo inteiro vive em paz e harmonia.

 “ O homem é o grande alquimista que, inconsciente ou conscientemente,

vai construindo a sua vida no planeta.(1)

Não esqueçamos porém: 

A tolerância é inseparável do amor. Mas a tolerância não se liga só ao amor. (2)

Ela está dependente da informação. Só quem se conhece a si mesmo, e tem uma visão moderna da natureza humana, pode ser tolerante.

Quando não se reconhece a relatividade das nossas ideias, quando nos julgamos superiores aos outros, ou com uma superior cultura, ou com um Deus, ou com predicados superiores, tornamo-nos intolerantes, e a intolerância torna-se causa de conflitos e guerras.

É o que proclamam filósofos como Séneca ou Voltaire.

A história mostra bem que não há nada tão perigoso, tão assassino, como as ideologias, os fanatismos, as certezas de ter razão.

Todos os grandes crimes da história são consequência de algum fanatismo. Todos os grandes massacres foram perpetrados por virtude, em nome do nacionalismo legítimo, da religião verdadeira, da ideologia justa.”  F. Jacob, 1920, biólogo francês, The Statue Within   

   
   
  MANIFESTO

Positio

Fraternitatis Rosae Crucis

 
 

Ad Rosam per Crucem

Ad Crucem per Rosam

Antiquus Mysticusque Ordo Rosae Crucis 

Do PRÓLOGO

(…)

A Humanidade atual está ao mesmo tempo perturbada e desamparada. Os imensos progressos que ela realizou no plano material não lhe trouxeram verdadeiramente felicidade e não lhe permitem entrever o futuro com serenidade: guerras, fome, epidemias, catástrofes ecológicas, crises sociais, atentados contra as liberdades fundamentais, são outros tantos flagelos que contradizem a esperança que o Ser Humano depositara em seu futuro. Por isso dirigimos esta mensagem a quem a queira de bom grado ouvir. Ela segue a linha daquela que os Rosacruzes do século XVII exprimiram através dos três primeiros Manifestos, mas, para compreendê-la, é preciso ler o grande livro da História com realismo e dirigir um olhar lúcido para a Humanidade, este edifício feito de homens e mulheres em via de evolução.  

 
 

POSITIO R+C

(…)

Neste período de transição da História, a Regeneração da Humanidade nos parece mais que nunca possível em virtude da convergência das consciências, da generalização das trocas internacionais, da expansão da mestiçagem cultural, da universalização da informação, bem como da interdisciplinaridade que existe desde já entre os diferentes ramos do saber. Mas consideramos que essa Regeneração, que deve funcionar tanto no plano individual quanto no coletivo, só se pode fazer privilegiando-se o ecletismo e seu corolário, a tolerância. Com efeito, nenhuma instituição política, nenhuma religião, nenhuma filosofia, nenhuma ciência detém o monopólio da Verdade. Isto posto, podemos nos aproximar dessa Regeneração colocando em comum o que essas instituições têm de mais nobre a oferecer aos seres humanos, o que redunda em buscar a unidade através da diversidade.

(…)

No estado atual do mundo, parece-nos que a democracia continua a ser a melhor forma de governo, o que não exclui certas fraquezas. Com efeito, sendo toda verdadeira democracia baseada na liberdade de opinião e de expressão, nela se encontram, geralmente, uma pluralidade de tendências, tanto entre os governantes como entre os governados.

(…)

No tocante à economia, consideramos que ela está completamente à deriva. Todo mundo pode constatar que ela condiciona cada vez mais a atividade humana e é cada vez mais normativa. Hoje em dia ela assume a forma de redes estruturadas muito influentes e, portanto, dirigistas, quaisquer que sejam suas aparências. Por outro lado, mais que nunca ela funciona a partir de valores determinados que se pretende quantificáveis: custo de produção, limiar de rentabilidade, avaliação do lucro, duração do trabalho, etc. Esses valores são consubstanciais com o sistema económico atual e lhe fornecem os meios de alcançar os fins que persegue. Infelizmente, esses fins são fundamentalmente materialistas, porque baseados no lucro e no enriquecimento excessivo. Assim é que se chegou a colocar o Ser Humano a serviço da economia, quando essa economia é que deveria ser colocada ao serviço do Ser Humano.

(…)

Evidentemente, a economia só cumprirá o seu papel quando for colocada a serviço de todos os seres humanos. Isto supõe que se venha a considerar o dinheiro pelo que ele deve ser, a saber, um meio de troca e uma energia destinada a proporcionar a cada um aquilo de que ele precisa para viver feliz no plano material. Nisso estamos convictos de que o Ser Humano não está destinado a ser pobre e menos ainda miserável, mas, ao contrário, a dispor de tudo o que possa contribuir para o seu bem-estar, a fim de que possa elevar sua alma, com toda quietude, a planos superiores de consciência. Arigor, a economia deveria ser empregada de tal maneira que não houvesse mais pobres e que toda pessoa vivesse em boas condições materiais, pois isso é a base da dignidade humana. A pobreza não é uma fatalidade; não é tampouco o efeito de um Decreto divino. De maneira geral, resulta do egoísmo dos homens. Esperamos então que chegue o dia em que a economia esteja fundamentada na partilha e na consideração do bem comum. Não obstante, os recursos da Terra não são inesgotáveis e não podem ser partilhados ao infinito, de modo que, certamente, há de ser necessário regular os nascimentos, principalmente nos países superpovoados.

(…)

A evolução da ciência coloca também novos problemas nos planos ético e metafísico. Embora seja inegável que as pesquisas em genética permitiram fazer grandes progressos no tratamento de doenças a priori incuráveis, elas abriram caminho a manipulações que permitem criar seres humanos por clonagem.

Aderimos ao adágio, ciência sem consciência é a ruína da alma.

Na História, a apropriação do Ser Humano pelo Ser Humano só deixou tristes lembranças. Parece-nos então perigoso permitir livre curso às experiências relativas à clonagem reprodutora do ser humano em particular e dos seres vivos em geral. Temos os mesmos receios a propósito das manipulações que tangem ao património genético dos animais como ao dos vegetais.

(…)

O problema colocado atualmente pela tecnologia provém do fato de que ela evoluiu muito mais rápido do que a consciência humana. Consideramos também que é urgente que ela rompa com o modernismo atual e se torne um agente de humanismo. Para isso é imperativo recolocar o Ser Humano no centro da vida social, o que, em conformidade com o que dissemos a respeito da economia, implica recolocar a máquina a seu serviço. Essa perspetiva requer total reconsideração dos valores materialistas que condicionam a sociedade atual. Isso supõe, por conseguinte, que todos os homens voltem a se centrar em si mesmos e enfim compreendam que é preciso privilegiar a qualidade de vida e cessar essa corrida desenfreada contra o Tempo. Ora isso só será possível se eles reaprenderem a viver em harmonia, não somente com a Natureza, mas também com eles próprios. O ideal seria que a tecnologia evoluísse de tal maneira que libertasse o Ser Humano das tarefas mais penosas e ao mesmo tempo lhe permitisse desabrochar harmoniosamente em contato com os outros.

(…)

No tocante às relações do Ser Humano com seus semelhantes, consideramos que elas são cada vez mais interesseiras e deixam cada vez menos lugar ao altruísmo.

Por contraditório que pareça, consideramos que a atual falta de comunicação entre nossos concidadãos resulta em parte de um excesso de informação. Naturalmente, não se trata de se reconsiderar o dever de informar e o direito de ser informado, pois ambos são os pilares de toda democracia verdadeira. Parece-nos, no entanto, que a informação se tornou ao mesmo tempo excessiva e invasora, a ponto de gerar o seu oposto: a desinformação. Lamentamos igualmente que ela seja focalizada acima de tudo na precariedade da condição humana e tanto ponha em epígrafe os aspetos negativos do comportamento humano. Assim fazendo ela nutre, no melhor, o pessimismo, a tristeza e o desespero; no pior, a suspeição, a divisão e o rancor. Se é legítimo mostrar o que participa na feiura do mundo, é do interesse de todos revelar o que compõe a sua beleza. Mais que nunca o mundo tem necessidade de otimismo, esperança e unidade.

A compreensão do Ser Humano pelo Ser Humano constituiria um avanço considerável, mais radical ainda do que o impulso científico e tecnológico que o século XX conheceu. Por isso toda sociedade deve favorecer os encontros diretos entre seus membros, mas também abrir-se para o mundo. Nisso defendemos a causa de uma Fraternidade humana que faça de todo indivíduo um Cidadão do mundo, o que supõe que se ponha termo a toda discriminação ou segregação de ordem racial, étnica, social, política ou outra. Finalmente, trata-se de empreender o advento de uma Cultura da Paz, fundada na integração e na cooperação, coisa em que os Rosacruzes sempre se empenharam. Sendo a Humanidade uma em essência, sua felicidade só é possível favorecendo a de todos os seres humanos, sem exceção.(4)

 
 

Fontes:

Publicações  Rosacruzes, 1994,2003,2004.

Manifesto  Positio Fraternitatis Rosae Crucis,  2001

Notas :

(1)- "A alquimia simboliza tudo o que o homem pode aspirar a atingir espiritualmente em seu presente estado. As promessas do ouro, da longevidade e da saúde são todas símbolos da regeneração interior. Remetem à Idade do Ouro da tradição indo-europeia, presente tanto nos escritos platónicos quanto na tradição da Índia Antiga. A alquimia é o grande símbolo do caminho iniciático, caminho solitário e penoso, cheio de impasses, mas que é o único caminho a seguir para que possamos voltar à Casa." Adam McLean

(2) - O Ideal Ético dos Rosacruzes em 12 virtudes:

PACIÊNCIA- CONFIANÇA- TEMPERANÇA -TOLERÂNCIA- DESAPEGO- ALTRUÍSMO-INTEGRIDADE- HUMILDADE- CORAGEM- NÃO-VIOLÊNCIA- BENEVOLENCIA- SABEDORIA.

(3)- No Túmulo de Christian Rosenkreuz – “ Não tínhamos ainda visto o cadáver de nosso Pai prudente e sábio. Por isso afastamos para um lado o altar. Então pudemos levantar uma chapa forte de metal amarelo, e ali estava um belo corpo célebre, inteiro e incorrupto…e tinha na mão um pequeno livro em pergaminho, escrito a oiro, intitulado T… que é, depois da Bíblia, o nosso mais alto tesouro nem deve ser facilmente submetido à censura do mundo.” – FAMA FRATERNITATIS ROSAE CRUCIS

(4)- Para ter acesso ao Manifesto na íntegra:

http://www.amorc.org.br/manifestohtm.htm 

 

Lisboa, 21 de Outubro de 2012

 

 

Revista InComunidade (Porto)

 

 

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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