REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 22

 

1.  Muna ulunga da brevíssima existência

 

sinto em mim oposto ao medo

- lá para dentro minha pedra (brevíssima existência) -,

o viver silenciado

como se desta vez a existência

abrisse a alma que o guia muna ulunga

a calma mas próxima função

conduz-me anunciando a sedução

a noite ganha razão

como ferida a glória no duro labirinto

muito perto do sofrer

morre em mim oposto a amargura

a doçura da vida espumas de luz lá para diante:

o fracasso, a desonra. que importa a vitória

talvez sobre os dias porque alguém me esmaga a cidade

pó só pó sobre os ombros da morte o vazio

efectivamente intervalo de noites a brevíssima,

inacreditável existência (a pedra) já nada seduz

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
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ABREU PAXE

Projecto poético Nkalu a maza

                                                                  
   
 

  

2.  De tanta força brava

 

a seda de seus lábios jardins de tanto silêncio

nos dias de hoje chega ao sol

o mar de músculos rijos detalhes

ondeada a enxada abria meus olhos em pastos menores

às quatro da tarde meu quarto só dizia

a certo tempo um beijo meus cinco anos

vez ou outra meus olhos ainda descem o morro em força brava 

 

 

 

3.  Nkalu a maza[1][1] 

 

interrogando um exército sou a fuga

viva experiência típica acidental idade do deserto 

outros pontos fugidios o afecto traduzia-se aí a unidade das imagens ao seu lado arredondados nova falta no afecto da indecisão a tarde avoluma-se a construção

 

ocorre palavras após palavra sobra palavras

         sinal exacto nkalu a maza fertilidade de esperas 


 

 

4.  Kintwadi[1][2] 

tocar o céu tambor de vertigens o peito kintwadi       .                 nem sequer sonho esta criança rasgada túnica

lambe os braços cheios de corpos profundamente idênticos em sandálias o que canto é só lavrada margem sobre a pele é um mal desatar o nó salvo regressa agora do sono mais branca pena quem a fere ou o vento raparigas tua amada noite em margens altas a memória abandonada casa seios: és palácio: estendidos já os vejo onda recuada em tudo

exaltam posto sol salga o canto pesada pena                                em redor perfume real pele derramada ao meu lado. 

 

5.   Talvez dobrado azul

 

não é verdade talvez me esqueça velhíssimo do cansaço

debaixo do pé um sinal revés o cimo a boca

só a boca a alcançar a porta morta nas luzes tristes destes lábios 

 

6.   Em sexo livre a língua

 

entre as trevas e a seiva da sintaxe abundam palavras

inofensivas nada dizem à pátria por imitação os impérios

renovam os aspectos os tempos os modos

outro soldado emergia

unia a habitação a fonética e a fonologia ao sol de casa

pirâmides e intervalos o corpo cego texto

regenera cidades ppor visitar falida interacção

as meninas árvores nocturnas com portas e janelas polares

tudo treme sobre o papel a mesma travessia dispersa tudo



 

7.  Nzaya

 

e de súbito longamente os pés ligeiros muna nzaya

couro e madrugada a sandália ainda pequenina

 

dançavam assim pisavam se pudessem dormir estendidos no corpo da noite inteiros vêm de longe assim ficam esquecidos para a alegria pastores do monte não trazem ovelhas não trazem cabras descem na voz negra e prematura de novo a serpente entre sombras a membrana do vento sacode-se púrpura pois não os colhia outra vez agitados tanto sonho.

 

arde o desejo fosse além uma toalha a dar que basta

dividido nem o mel sobretudo as cores misturadas
 

 

8.   Mayembe

 

O lábio inteiro chão as reentranças

a  fala da tarde       outra hora meu todos pela totalidade

                            repartidos yo mayembe

acaba de chegar da idade média regressa

certa  mente           repartida pa lavra     o pasto

a cisterna água plena meu muro vidrado

nuvem teu inteiro lábio o muro todo.  



 

9.  Cortinas o sol nas asas do muro

 

velho orvalho cai o canto sustém as duas asas no muro

cortinas: o sol, fruto: a pêra, ave: o cuco equivocadamente

nem lama nem leito nem estação nem atalhos nem cascata

só o silêncio a direita duma manhã

pedras envolto arrepio de chuvas. ruína apertada ossificação

cantarias em palácios cinzentos silêncios

filtram o peso da manhã e desciam hoje pela bata do céu

cortinas o sol nas asas do muro.

 

 
 

10. O teu pé na mão da boca

 

o teu pé simples gestos aonde te leva

a tua mão volumosa cegueira o que segura

a tua boca molha o que diz dos símbolos

em presença funcional descobre que as camisas

são objectos hospitalizados

rumos e vidraça

saem mais certamente do ilíaco e orientam marinho trabalhar

os astronautas como membros penetram-lhe o corpo

transparente rosto descalçado nos logaritmos degraus

as roupas marfim invisível na consciência longa

dos olhos o instrumento do diálogo

dáctila as substâncias islâmicas

portes os corpos das sombras máquinas

desérticas a armadura de teus olhos duras lembranças  



 

11. Espaço plano das linhas

 

a superfície das mãos fala em trânsito estações

à mesa luz ao voltar ao mar a lucidez cresceu no silêncio

apenas a casa entre flores perdia

a transparência dos gritos no horizonte a lucidez noites

criando hinos feridos camas aves destinos e inacabadas

todas as pátrias vidradas sílabas

precedendo janelas dançam entre o funil e a torre

baixíssima dos sismos as maiúsculas páginas da ressurreição  



 

12. Em tua cor de ausência

 

Vejo-te pedra em tua continuada cor de ausência

todas as altitudes da quarta lágrima latitudes

circulam em si inventadas cidades amanhecendo

sem poder acreditar nos volteios dos veículos desta sólida noite

olhares de sua permanente manhã

nas sombras da matéria desta construção movimentam-se outros

corpos

   
 

 

 

Abreu Castelo Vieira dos Paxe nasceu em 1969 no Vale do Loge, município do Bembe (Uíge, Angola). É Mestre em Ensino de Literaturas em Língua Portuguesa, no Instituto Superior de Ciências da Educação, ISCED de Luanda da Universidade Agostinho Neto (UAN). Licenciou-se, na especialidade de Língua Portuguesa na mesma instituição, onde é docente, de Literatura Angolana, Introdução aos Estudos Literários e Teoria da Literatura. É Membro da União dos Escritores Angolanos (UEA), na qual é Secretário para as Relações Exteriores. È técnico de comércio externo pela escola de comércio. Publicou os seguintes livros de poesia “A Chave no Repouso da Porta” (INALD, 2003) que venceu o Prémio Literário António Jacinto e “O Vento Fede de Luz” (UEA, 2007). No Brasil, colabora e foi publicado nas Revistas Dimensão (MG), Et Cetera (PR), Comunitá Italiana (RJ), nas Revistas Electrónicas Zunai e Cronopios (SP), na Antologia Ovi-Sungo, 13 poetas de Angola, Org. pelo Cláudio Daniel (SP),” Lumme, 2007” e na Revista Literária Roda – Arte e Cultura do Atlântico Negro  (MG). Em Portugal na Antologia Os Rumos do Vento, (Câmara Municipal de Fundão, 2006). E-mail: abreupaxe@gmail.com

 

 

© Maria Estela Guedes
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