REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 21

 
 

 

 

DENISE DUARTE

entrevista 

Cunha de Leiradella

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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1. Os termos “modernidade tardia” e “pós-modernidade”, assumidos por alguns estudiosos, dão conta de definir nosso tempo? O que é pós-modernidade para você?

 

Antes de continuar o interrogatório que, parece, vai passar muito para além dum 25º grau de pau-de-arara e assemelhadices, deixe-me confessar-lhe que nunca li o Zulute Xisman, a Clhoé Peringea, o Placy Videon, e muito menos o Anthony Giddens e o Perry Anderson. Gosto dos Perrys, isso gosto. Mas naquela altura eu andava era com o Perry Mason a deslindar O Caso do Elefante Sem Tromba, a Della Street estava naqueles dias e viu, né? não assisti ao julgamento porque, na hora, peguei uma bruta duma infecção pilonidal e tinha era vontade de chutar todos os baldes do mundo. Mas digo-lhe, além de confiar plenamente na transcrição estenográfica da Della e no testemunho do Platão, estou plenamente de acordo com a sentença. Então admite-se que na frente de tantos mestres, tantos sábios e tantos luminares doutorados, chegue um mequetrefe qualquer e diga porque não sei, não acredito saber? Não tem que ver. O tal do Sócrates era um subversivo, um declarado inimigo da luminança sapiente e tinha mesmo que tomar aquele chá de cicuta. Pena que o xerife do condado não o tivesse mandado autopsiar, senão o mundo inteiro saberia que no cérebro daquele enxerido não existia nem sequer um nanomicrograma de células cinzentas à la Hercule Poirot.

Mas se não teve autópsia, pelo menos teve entropia. E, valha a verdade, tudo vale a pena se a gente acorda vivo, seja antigo ou moderno. O que me preocupa, mesmo que a condição sine qua non de estarmos na pós-modernidade seja a de sermos pós-modernos, é o . Se esse troço mandou ver com olhos de após a queda do muro de Berlim, o que virá depois se a muralha da China também cair? viu o tamanhão dos pós-pós-pós? Será poeira demais para um deserto tão pequeno que nem a migalhice da nossa cuca. Se bem que não sendo preciso inovar nem ser original para ser pós-moderno, ainda resta a esperança de podermos continuar sendo o que somos. O que não é pouco. Se tudo que criamos vira mercadoria, havendo compradores, que poderá fazer São Pedro senão abrir as portas do céu e receber de braços abertos todos estes pecadoprodutores?

O resto, minha cara, é tudo faz-de-conta. Com hífen, pra ficar mais empedernido e volumar o oco da tão apregoada crise de representação que, dizem os entendidos em estudos abntenicamente perfeitos e enxundiosíssimos em notas de de página, assusta a arte e o ser existencial da comunicabilidade pós-modernista. Daí, a criação do tudo vale, da tal da entropia, e vamonessa. Se tudo é válido, para quê queimar a mufa tentando encontrar padrões lógicorrealistas de representar a realidade? Real, basta ser o criador. O resto, é cada um por si e Deus por ninguém. E, se pensarmos bem, nada mais certo. Afinal, se todos nascemos livres e iguais em dignidade e em direitos, para quê a gente se preocupar se tem mais tortos que direitos neste mundão que nem Deus foi capaz de normatizar?

Gilles Lipovetsky, aquele que começou pós-moderno com A Era do Vazio, em 1983, e virou a mesa com Os Tempos Hipermodernos, em 2004, declarou, em junho de 2011 à revista Os Meus Livros: A pós-modernidade não existe e nem nunca existiu. Apenas houve uma primeira modernidade, que nasceu no século XVIII, e agora vivemos numa segunda modernidade, a que chamo hipermodernidade. Os dois outros conceitos, a cultura-mundo e o Ocidente mundializado são, sobretudo, uma reflexão a partir da globalização e a mundialização que é uma figura do hipermodernismo. E agora?

O que é pós-modernidade para mim? Como sempre muito bem disse o meu compadre das Couves, eu preciso é trocar o meu carro, porque o meu compadre Quim dos Nabos trocou o dele, e eu não posso ficar atrás. Por isso, eu estou e não abro é com o Charles Olson, aquele dos versos projetivos: o que não muda é a vontade de mudar. E estamos conversados. Getúlio Vargas vestia-se para de mal a pior, de acordo com os padrões da moda da época, o que muito incomodava D. Alzira, a filha preferida. Até que um dia, ela entra no gabinete do pai, agitadíssima, com uma revista na mão, e mandou ver: Papai! Papai! A moda, finalmente, te pegou! Por isso eu rezo é para a muralha da China não cair, senão quem aguentará tantos pós-pós-pós?

Mas antes que caia a muralha da China, gostaria de lhe perguntar: se na entropia da pós-modernidade tudo vale, se todos os discursos e assemelhadices são válidos, por quê que se eu quiser escrever um ensaio acadêmico sobre o que estamos falando aqui, eu tenho que seguir rigidez cadavérica das normas abntênicas, senão não serei publicado? Não é um contra-senso? Mas, e disso os entendidos também falam, valha a verdade a maior parte das vezes sem nada entenderem, se tudo vale, se a entropia é um fato, por quê que o contra-senso não pode também ser um fato e ter a sua própria validade confirmada em grandiosíssimos calhamaços que dão diplomas e honrarias a quem os escreve e indigestão ou um sono profundo a quem os tenta ler?

 

 

2. Para o sociólogo Zygmunt Bauman vivemos hoje em uma sociedade líquida, um mundo quejamais se imobiliza nem conserva sua forma por muito tempo. Tudo ou quase tudo em nosso mundo está sempre em mudança [...]”[1]. Como você entende as colocações gerais de Bauman acerca do mundo líquido moderno? E como situar a problemática existencial humana nesse contexto?

 

O Mr. Zygmunt Bauman, aquele de O mal-estar da pós-modernidade, que eu vi faz anos na vitrine da Jorge Zahar, mas não comprei porque mal-estar por mal-estar chegava o meu, isto apesar do vendedor me ter jurado e trejurado que o tinha lido e muito tinha aprendido sobre a generalização universalizante do medo e das perdas advindas da substituição da ordem estabelecida pela busca frenética da liberdade? Me arrependo até hoje de não ter comprado o calhamaço, mas estava muito para além da minha capacidade entender que existisse um vendedor capaz de ler os livros que vendia. Por outro lado, acho que fiz bem. Se arrependimento matasse, metade da humanidade estava morta e a outra metade muito estaria fazendo tijolo no forno dos cemitérios.

Sobre a sociedade líquida, deixe que lhe diga duas coisas. A primeira, que é óbvia, e a segunda que é idem. Primeira, se a água cobre 71,01% da superfície da Terra e os oceanos contêm 97,2% da água do planeta, e se um recém nascido é constituído por mais de 70% de água e um adulto por cerca de 60%, como não poderíamos deixar de viver numa sociedade líquida? Segunda, se a revista La Repubblica delle Donne, dirigida especialmente ao público feminino e com edições em Bari, Bologna, Firenze, Genova, Milano, Napoli, Palermo, Parma, Roma e Torino, pagou ao Mr. Zigmunt para escrever cartas às Sophias Lorens da vida, seria ele muito bobo se não o fizesse. Além dos euros que recebia por cada carta, imagine quantos números de telefones não lhe foram enviados, secretamente, é claro, pelas leitoras mais ávidas de liquidificação?

Quanto às colocações sobre as constantes mudanças, mesmo sem considerar a influência das fases da lua sobre a agitação das ondas marinhas, estou completamente de acordo. Aliás, não sou eu. Muito antes do Mr. Zigmunt mandar ver na delle Donne, nos bondes do Rio de Janeiro, idos de 1950, se dizia, e com inteira propriedade: tudo neste mundo é passageiro, menos condutor e motorneiro. Vivemos hoje sufocados por informações de todos os tamanhos e feitios. Televisão, rádio, jornais, internet, iPodes, iTunes, twitteres, facebooks, blackberry bolds, outdoors, alentadíssimas dissertações acadêmicas sobre teses, antíteses e antiantíteses, mexericos das comadres, segredos inconfessáveis, o escambau. Como conseguir respirar e sobreviver, então, no meio desta selva, tentando microscopar a nossa própria identidade? conseguindo separar o que é importante (pouquíssimo de muito pouco), ou tentando boiar nesse mar sargaceiro, o que é, praticamente, impossível, dado que os triângulos das Bermudas estão , ao dobrar de cada esquina. Resumindo: ou nos unimos e baixamos o pau na marmelada, o que é utopia, pois aquela do povo unido jamais será vencido foi a maior balela da paróquia, ou partimos para o individualismo do manda quem pode, obedece quem tem juízo, e nos estrepamos sem apelo nem agravo. Os únicos individualistas que conheço, e se dão bem, são os banqueiros que botam o dinheiro deles em offshores e ganham mais e mais dinheiro com o dinheiro dos outros.

Como situar a problemática existencial humana nesse contexto? Olhe, se o contexto é líquido, de barco ou de submarino. Mas barcos são barcos e afundam, e os submarinos idem. O barco Titanic e o submarino K-141 Kursk, considerados inafundáveis não afundaram? Se houvesse uma resposta, tenho certeza algum Mr. Zigmunt pitonísico a teria alardeado urbi et orbi. Mas eu vou lhe dar a minha. Faço que nem o meu compadre das Couves: cultivo a minha horta e deixo zoar o trovão. Porque, quando escutar a barulheira, sei que os raios caíram. E escutar barulho, até nos shows dos Rolling Stones se escuta. Na prática, minha cara, a teoria é outra, sem citações de mestrança e notas de de página.

 

 

3. Em seu artigo Encontro de Paralelas, a seu ver apenas um nome refletiu a bom termo sobre a questão ontológica da verdade:  Sócrates, que foi condenado à morte por afirmarporque não sei, não acredito saber[2]. Em que medida essa incerteza, dado que você diz, referindo-se aos seres humanosvós fingis que optais para que os outros pensem que vós ainda podeis optar e vos invejem”[3], impacta o conhecimento do homem sobre si mesmo?

 

A questão é delicada. Muito delicada. Homero, apesar de tudo que se tem escrito sobre a autoria da sua obra e duvidado até da sua existência, era cego, Jorge Luis Borges escreveu vários livros depois de cego e o visconde de Castilho, Antônio Feliciano, também cego, traduziu parte do Dom Quixote. Joaquin Rodrigo, outro cego, nunca viu Aranjuez e compôs uma das obras imortais da música espanhola: o Concerto de Aranjuez. Donde se pode concluir que aquele a seu ver, que você colocou na sua pergunta estaria certíssimo, independentemente de eu ver ou não, não fosse o apenas que você também botou a seguir: a seu ver apenas

Eu citei Sócrates como poderia ter citado Protágoras, Melissos de Samos ou a D. Mariquinhas Farinheira, avó do meu compadre das Couves. E citei por uma razão simples. Para dizer o que pensavam nenhum deles necessitou escrever alentados ensaios, correta e abntenicamente formatados, e enxundiosísmamente abastados (eu ia dizer abestados) de notas de de página. Bastou uma simples frase. Protágoras apenas disse que o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são enquanto são, das coisas que não são enquanto não são, Melissos de Samos disse idem que o que tem um princípio, ou um fim, não pode ser, nem eterno, nem infinito, e a D. Marinhas disse ibidem vai-te mundo, cada vez a pior. E finis. Claro que podem ser contestados tanto abntênica quanto academicamente. Afinal, não escreveram alentados ensaios para alindar alentadas prateleiras de alentadíssimas bibliotecas, públicas ou não, mas (quase) sempre utilizadas para jiboiar um bom almoço ou jantar, ler jornais ou gibis, ou mandar e-mails top secret. Eles apenas disseram a sua verdade. E em meia dúzia de palavras.

Minha cara, valha a minha verdade, gostei do seu impacta. Adoro verbos. E conjugado na 3ª pessoa do presente indicativo, ainda mais. E se forem verbos transitivos diretos, então, lambo os beiços como se os tivesse lambuzado de mel puro de abelhas geresianas. É que eles andam sempre acompanhados de um objeto direto, e o que você lhe deu por companheiro, o conhecimento do homem sobre si mesmo, é ducaraças. que, nenhum verbo, por mais transitivo direto que seja impacta o conhecimento de ninguém sobre si mesmo. Impacta, sim, mostrar o que se quer que os outros vejam. Agora, conhecer o que se passa na própria cuca, a porca torce o rabo de tal maneira que nem um esticador hidráulico o consegue endireitar.

O conhece-te a ti mesmo, que a pitonisa Femonoe mandou pitonizar nos pórticos do Oráculo de Delfos e que, atenção!, dizem os não doutorados, muito tempo depois oraculizou Sócrates o homem mais sábio da Grécia, não tem nada de incerteza. O problema não está na incerteza, está no espelho. Cada vez mais cada um gosta não de se ver lindão-zão-zão no espelho, mas também que essa lindeza seja a imagem, e muito bem maquiada, que os outros possam ver. Ver e, acima de tudo, acreditar. E faz tudo por isso. Finge, mente, paga até assessores de imagem, o escambau. Porque se ele apenas visse no espelho o que realmente é, tadinho do espelho, seria partido em mil pedaços. O que cada um é, não é. Se fosse, os analistas e os autores de livros de auto-ajuda morriam de fome. Ou você pensa que se paga uma grana preta para deitar num sofá e se vendem zilhões de exemplares de auto-ajuda para quê e por quê? Para quê, é fácil. É para o analista e o autor ganharem dinheiro a rodos. E por quê também é idem. É para os analisados e os compradores fazerem de conta que também se podem mostrar diferentes do que são. In mente e in corde.

Quando eu escrevi vós fingis que optais para que os outros pensem que vós ainda podeis optar e vos invejem, não estava falando dos outros. Falava de todos. Inclusive de mim. Embora não pareça, todos nós somos iguais. Todos mentimos, todos fingimos. Porque se tivesse rosa que sempre cheirasse e esterqueira que nunca deixasse de feder, também os verdadólogos venderiam felicidade que nem as farmácias vendem Prozac. Com ou sem receita médica.

Conhecer-se implica saber. E ninguém quer saber quem e o que é. E muito menos aprofundar o que ainda pode vir a ser se escavar no lodo que tem bem no fundo do seu poço interior. Se todo mundo dissesse a verdade do que pensa, não sobrava ninguém para contar a história da mortandade. Por isso, todos mentimos e fingimos que somos vítimas sufocadas pela hecatombe de informações que nos vem da televisão, da rádio, dos jornais, da internet, iPodes, iTunes, twitteres, facebooks, blackberry bolds, outdoors, alentadíssimas dissertações acadêmicas sobre teses, antíteses e antiantíteses, mexericos das comadres, segredos inconfessáveis, o escambau, mas ninguém quer abrir mão delas. Você jogaria no lixo o seu blackberry bold e a sua ligação à internet? Não? Então o seu impacta, apesar de transitivo direto não leva a conhecimento nenhum sobre nada do que somos. Quando muito, usamos a desculpa de sermos obrigados a ser o que somos por culpa dos outros. A culpa é sempre dos outros. Nós, coitadinhos, sempre somos vítimas. Vemos televisão, escutamos rádio, lemos jornais, usamos e abusamos da internet, dos iPodes, dos iTunes, dos twitteres, dos facebooks e dos blackberry bolds, que nem o use e abuse do Mate Leão, batemos até os carros para tentar ler a propaganda dos outdoors, dizemos que lemos, e não lemos, as alentadíssimas dissertações acadêmicas sobre teses, antíteses e antiantíteses, metemos o bedelho nos mexericos das comadres, escutamos e bichanamos segredos inconfessáveis, e, vítimas dessa saraivada de info e contra-informações, gritamos contra o abuso dos meios de comunicação que não nos deixam sossegar. Razão e mais do que razão tinha Terêncio, aquele africano romanizado, que muito antes de Cristo afirmou: Homo sum, humani nihil a me alienum puto, sou humano e nada do que é humano me espanta, frase que muita gente boa traduz em bom ipanemês: não tenho puto e quero que os outros se danem.

 

 

4. Ainda sobre a questão da verdade buscada e defendida por muitos cientistas e acadêmicos, em sua obra O pós-moderno, Jean-François Lyotard reflete sobre o impacto das mudanças tecnológicas e informacionais de nosso tempo justamente sobre a ciência e a universidade. O autor parte do pressuposto de que "o saber muda de estatuto ao mesmo tempo que as sociedades entram na idade dita pós-industrial e as culturas na idade dita pós-moderna”.[4] Na pós-modernidade as verdades absolutas tendem a se tornar mais relativas?

 

O mesmo poderia ter dito o Doutor Pangloss, mestre de Cândido, o otimista de François Marie Arouet, vulgo Voltaire, afinal os personagens nunca morrem, após o terremoto da Revolução Francesa que varreu o Ancien Régime e virou de pernas para o ar o bastilhanismo político e social dos francius e abriu as portas à idade contemporânea, que o Monsieur de La Palice, se não tivesse morrido na batalha de Pavia, em 1525, também poderia ter chamado de idade pós-absoluta. Ou Gangantua, pai do Pantagruel,o rei dos dipsodos de Alcofrybas Nasier, vulgo François Rabelais, que, na sua Abadia de Theleme, onde apenas existia a regra faix çe que tu veux, faz o que tu queres, também poderia ter chamado a idade moderna de idade pós-constantina, que pintou no pedaço com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453. Aliás, aqui para nós que ninguém nos ouve, não lhe parece que a regra gargantuana do faz o que tu queres não inventou primeiro a tal da entropia, a criação do tudo vale, ex-libris do pós-modernismo, entropicado pelo seu citado Jean-François Lyotard e pelo não idem Jean Baudrillard?

Antoine Laurent Lavoisier, que nunca chegou a ser advogado nem filósofo, e com apenas três balanças matou a pau o cabo de guerra entre a química e a alquimia, e foi guilhotinado em 1794 por recusar a entrada do Jean-Paul Marat, aquele do jornal O Amigo do Povo, para a Academia de Ciências, conseguiu provar que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Não era um entrópico, mas conhecendo bem o velho Marat, sabia que mais dia menos dia, os sistemas fechados que serviram para comprovar a sua descoberta, seriam abertos e tanto valeria o gargantuano faz o que tu queres quanto o s-modernista tudo vale, pois o ser humano, fazendo parte da natureza, também nada criaria, nada perderia, tudo transformaria, que nem os cremes de beleza que mudam de nome e/ou embalagem a cada ano, mas têm sempre o mesmo óleo essencial. Daí, o matemático Joseph Louis Lagrange ter errado a tabuada: não bastará (não) um século (mas um milênio) para produzir uma cabeça igual à que se fez cair num segundo.

Você me pergunta: na pós-modernidade as verdades absolutas tendem a se tornar mais relativas? E eu lhe pergunto: e o que é uma verdade absoluta? A única que conheço é que tudo que nasce, morre. O resto são conceitos. Verdade como correspondência, revelação, regra, coerência, utilidade, o escambau. O que se costuma chamar de conhecimento verdadeiro é aquele em que o pensamento concorda com o objeto. Mas poderão ou deverão as teorias serem chamadas objetos? Essa é a minha grande dúvida. E sabe por quê? Apenas porque na prática, a teoria é outra. A prática é sempre a mesma: tentar conhecer. As teorias é que mudam. E se as teorias mudam, mudam os pensamentos. E se os pensamentos mudam, mudam os pensadores. E se os pensadores mudam, mudam as verdades. E finis. De tudo, resta a única certeza/verdade que não muda: tudo que nasce, morre.

Quando eu digo Na Natureza a perfeição é sempre inversamente proporcional ao Absoluto. Quanto mais eu penso, quanto mais eu raciocino, quanto mais eu pergunto, quanto mais eu questiono, mais a minha consciência me torna relativo e mais o Absoluto se distancia, vem o compadre Quim dos Nabos, o mais competente e entendido comentarista em genéricos, sejam eles remédios, futebóis, políticas, filosofâncias ou programas de rádio e televisão, compadre do meu compadre das Couves e pergunta: mas quem conhece pessoalmente o Absoluto para saber se ele se distancia ou aproxima? E se vai tudo quanto a Filomeninha ganhou entre o centeio. Se lhe disse que tudo neste mundo é passageiro, menos condutor e motorneiro, volto a repetir: com sabenças ou não sabenças, relativas ou trejuradas absolutas, tudo neste mundo é passageiro. Menos condutor e motorneiro. Ah, sim, e também, o vento que faz a curva nos cafundós. O resto, minha cara, não chega nem a ser incredulidade pós-modernista, seja do que for. É apenas desconhecimento. Porque, para eu não me deixar convencer, eu tenho, pelo menos, de conhecer aquilo de que me querem convencer.

 

 

5. Em Quadratura do Círculo, em muitos momentos você contrapõe as certezas humanas à certeza da morte: “Dizem os entendidos que apesar de todas as certezas e de todas as afirmações categóricas, tudo continua como era. Que, a não sermos nós, nada, na Natureza, sabe que nasceu para morrer. E com a desvantagem de termos carregado a vida inteira, dentro de nós, o nosso medo, a nossa angústia e a nossa solidão[5]. O mundo contemporâneo tende a aumentar a cegueira do homem sobre sua natureza ou seria o homem que constrói o mundo contemporâneo à sua imagem e semelhança para nele diluir-se?

 

Contrapor? Quem disse que eu contraponho? Eu afirmo. Se apenas contrapusesse, não se venderiam toneladas e toneladas de diazepams e assemelhadices papoulícas, garantidas pela grana que se paga por deitar nos sofás dos analistas. Que, tadinhos, com os ouvidos propositalmente entupidos de cerúmen, então não se diz que O cerúmen tem uma função anti-microbiana devido ao seu pH ácido e não deve ser removido, pois funciona como um tampão de proteção, e os tadinhos dos analistas não sabem nem o que fazer com tanta dinheirama a não ser comprar casas em condomínios fechados e carros fora de série, ou passar férias em Cancún, o lugar onde a serpente dourada ferra o dente na Isla Mujeres?

Quanto à construção do mundo contemporâneo à imagem e semelhança do homem, basta você olhar para as reuniões de cúpula das grandes potências assinando o Protocolo de Kyoto, que as pequenas, tadinhas, não têm nem cedilha nas opiniões, aquele sinalzinho em forma de pequena vírgula sotoposto (adoro palavrões!) sob a letra c antes de a, o e u, indicando a sibilante alveolar surda s para, embora nunca iniciando uma palavra, se poder distinguir maça de maca ou buço de buco, ou até baço de Baco, protocolo esse assinado em 1997 para redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa e o consequente aquecimento global. Muitas palmas, muitos sorrisos, muito champanhe, muitas fotografias, misses acompanhantes a dar por um pau, e cada vez se queimam mais florestas, se constroem mais carros e aviões, mais e mais fábricas triplicam os turnos de produção, cada dia se constroem mais condomínios fechados em áreas ambientais protegidas, e deixa como está para ver como é que fica. Tudo em nome da paz mundial do consumismo. E agora?

Os homens não são cegos. Cegas são as mulheres que ainda acreditam neles e esquecem que a vida de Atenas mudou quando a Lisístrata resolveu mandar às favas as calcinhas que o marido lhe tinha comprado numa sex shop do shopping Ópion Toûrkos, e reuniu todas as mulheres que tinham maridos envolvidos na guerra com Esparta, amigas e inimigas, e acabou com o bafafá em dois tempos. Um de fazer que vai e outro de não ir.

Na questão da diluição humana, aumentada pela cegueira dos construtores do mundo contemporâneo, , o buraco é mais em baixo. Veja. A Bíblia afirma categoricamente: quia pulvis es et in pulverem reverteris - que és e em te hás de tornar (Gen. 3, 19). Ora, de um jeito ou de outro, dependendo do solvente, todo é solúvel. E sendo o solúvel, a quem botar as culpas dos arreios construtíveis?

Se bem que isto de líquidos tem muito que se lhe diga. Lisístrata liquidificou uma guerra, e o líquido não era, propriamente, um solvente. , quem sabe se o homem que constrói o mundo contemporâneo à sua imagem e semelhança para nele diluir-se, como você pergunta, não está é a fim de encontrar umas Lisístratas da vida por e mandar ver numa diluição muito da especial? Se assim for, tudo bem. Até que o preço da diluição é baratucho. Agora, se a diluição for aquela do último a sair apaga a luz e bate a porta, que é a que me parece mais à mão, não esqueça o resultado do Protocolo de Kyoto, e estamos conversados.

que, com diluição ou sem ela, a conversa, tanto a dos protocolantes quanto a dos teorizantes, bem que podia ser outra. Mais entendível e, por isso mesmo, mais acreditável, bem tipo meu compadre das Couves: morrer por morrer, morra meu pai que é mais velho. E finis. Se gastaria menos tinta, menos células cinzentas, e a entropia do tudo vale, , sim, valeria o seu peso em ouro e limparia toda e qualquer poeirada. Seria que nem o sabonete do bota mais: sempre cabe mais um quando se usa Rexona.

 

 

6. Sobre o medo, ainda, Bauman afirma queem vez de grandes expectativas e doces sonhos, o progresso evoca uma insônia repleta de pesadelos de ser deixado para trás, perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração".[6] Para você, a questão parece mais determinista: “nós somos, apenas, a mais iludida criação da Natureza. [...] Porque, a cada dia que passa, apesar de nos dizerem que somos a mais perfeita criação da Natureza, mais e mais nós somos obrigados a justificar que ainda somos. Ou na solidão do suicídio ou no divã do analista[7]. O medo é a força motriz que nos mantém vivos no mundo pós-moderno?

 

Sem a menor dúvida. Nessa fico com Mr. Zigmunt Bauman e não abro. O medo é ducaraças. Resta saber, apenas, de todos os medos, qual deles é o maior. E é que a porta do cemitério treme nos gonzos. Para Johnny Depp, por exemplo, aquele ator milionário dos filmes Piratas do Caribe, quem o diz é a revista Joy, é que os filhos sigam a carreira dele. Sejam famosos e fiquem ricos, será?, pergunto eu. E para fugir da medrança, comprou uma ilha no mar das Caraíbas com direito a todos os badulaques tecnológicos e esconde-se com a família. para o meu compadre das Couves, o maior medo é que não lhe chova na horta na hora de plantar a hortaliça. Medos tem muitos. Depende, em primeiro lugar, do tamanho da conta bancária do medroso. E, em segundo, de ser verdade o que diz. Agora, perder o trem ou cair da janela de um veículo, se o trem for o da vida e o veículo não ter travas de segurança nas janelas.

Vi no Worldometers' real time que, às 18:22:01(hora do fuso de Greenwich) do dia 25 de julho de 2011, a população do planeta Terra era de 6.979.672.762 habitantes, nascendo mais 140 a cada minuto, e que no dia 31 de outubro o total atingiria os 7.000.000.000 redondos, mais zero menos zero. O que, comparado com a estimativa que a Population Reference Bureau fez em 2002, 106.000.000.000 viveram, convenhamos, é tudo questão de zeros. E os zeros, todo mundo sabe, são apenas zeros, quer sejam colocados à direita ou à esquerda das vírgulas matemáticas. O que, em termos práticos, significa que tanto vale como valeu. O que valeria, mesmo, seria saber quantos desses 6.979.672.762 que pulavam, ou não, a cerca do quintal do vizinho às 18:22:01(hora do fuso de Greenwich) do dia 25 de julho de 2011, morrem de fome ou são mortos por medicamentos misericórdia e gratuitamente distribuídos aos barnabés dos 5ºs mundos com os prazos de validade vencidos ou, o que é ainda mais dadivoso, com placebos fazendo de componentes ativos nas suas fórmulas químicas.

No final dos anos 60 do século passado, Freeman Dyson, professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, disse, entre outras coisas e loisas, que a tecnologia era apenas mais uma das forças que impulsionam a humanidade. E que nem sempre era a mais importante. Mas logo, logo, foi desmentido. A tecnologia tornou-se tão importante para o mundo da pós-modernidade que, dizem os entendidos em celerímetros, a velocidade tecnológica tem dobrado a cada dez anos.

Vai daí, hoje temos computadores, internet, iPodes, iTunes, twitteres, facebooks, blackberry bolds, o escambau, e dizemos que não podemos, pois não sabemos, viver sem eles. E damo-nos ao luxo de afirmar que em vez de grandes expectativas e doces sonhos, o progresso evoca uma insônia repleta de pesadelos de ser deixado para trás, perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração.

Você pode dizer- que me contradigo, quando afirmei que nessa eu ficava com Mr. Zigmunt Bauman e não abria nem à mão de Deus Padre. Contradigo não. E contradigo não, porque tanto eu quanto Mr. Zigmunt Bauman, utilizamos, exatamente, essa mesma tecnologia para poder dizer o que quisermos. E, o que é mais importante, sem que ninguém nos mande para a cadeia ou tocar pífaro em menor no campanário das urtigas. E, veja, eu ainda não falei do medo que as agências de rating metem a todo mundo. O meu compadre das Couves está danado, e eu também, e com toda a razão, porque uma pipocada dessas agências fez a notação de lixo ao risco-soberano de Portugal não pagar as suas dívidas nos prazos fixados. Resultado, os governantes foram tirar férias em Ibiza e eu e todos os Zés das Couves, meus compadres ou não, os Zorbas na Grécia e os Sinns Feins na Irlanda, todos vivemos apavorados, pensando no que poderemos comer, ou não, amanhã e nos anos que virão. Isto, sim, é ter medo. Mas não da tecnologia, apenas da ladroagem. Da falta de um Lampião que cantasse um fado para a Maria Bonita e botasse nos conformes aqueles ibizantes.

O medo é a força motriz que nos mantém vivos no mundo pós-moderno?, pergunta você. E eu lhe pergunto: medo de quê? De perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração? É muito pouco, café muito pequeno, se comparado com os últimos 20 anos do KATUN Maia, que vai de 1992 a 2012, e bota a boca no trombone, afirmando que o medo e tudo mais terminará, exatamente, no dia 23 de dezembro de 2012. Assim sendo, ou não sendo, a verdadeira força motriz que nos mantém vivos, seja no mundo pós-moderno ou no mundo hipermoderno, é fincar no xacomigo e mandar ver na Verdade La Palice: Monsieur d’la Palice est mort, il est mort devant Pavie, un quart d’heure avant sa mort, il était encore en vie. Monsieur de La Palice morreu, morreu frente a Pavia, um quarto de hora antes de morrer, ainda vivia. E finis, minha cara.

 

 

7. A pós-modernidade traz uma saída possível para os dilemas existenciais do homem, medo, angustia e solidão, os quais você aponta em seus artigos?

 

Veja, todas as semanas eu jogo na Mega-Sena e, no fim do ano, desde 2008, a Mega-Sena da Virada faz parte das minhas contribuições natalinas, sempre que estou no Brasil. Se me escondo em Portugal, todas as semanas idem no Euromilhões, com o Joker devidamente arreado à côté, e nunca ganhei um centavo ou um cêntimo sequer. Na verdade, o que eu aponto nos meus artigos vale tanto quanto os números que aponto nos boletos lotéricos: nada. Nadinha nem sequer.

Claro que eu tenho dilemas. Zilhões. E um bem existencial. Queria ser eterno. Queria não pensar e ser apenas uma coisa. Um calhau, um átomo, ou até o fóssil daquela esponja que os pesquisadores da Universidade de Princeton descobriram que tinha 635 milhões de anos. Eu sei que os calhaus, os átomos e os fósseis, todos existimos. Mas eu sou em sentido absoluto, apesar de ser relativo. eu necessito justificar a minha existência. Se eu não nascesse, vivesse e morresse em função das coisas, seriam elas que precisariam de mim e não eu delas. Mas elas ficarão. Eu sou o que pensa, mas sou apenas o que passa. O que morre. Se eu fosse eterno, a minha finalidade seria somente existir e não correr atrás de probabilidades e possibilidades. Pode ser até que o mais forte perca a luta, mas deverá ser o provável vencedor. Pode ser até ser que não ganhe o prêmio, mas haverá sempre uma possibilidade. Eu sei que tudo é possível e é provável. Que tudo pode acontecer. Mas também sei que apenas pode acontecer. Por isso queria ser eterno. Na minha eternidade não haveria mais apenas pode ser e eu não precisaria mais teorizar acerca do que não sei.

Como não sou eterno, tenho medo e vivo angustiado e solitário. Um medo imenso. O pior dos medos. O medo de ter medo. E com uma angústia que me agonia, pois faça eu o que fizer, viva eu do modo que viver, sei que um dia morrerei. E, o que é pior, sem saber como, nem por quê nem para quê. E sempre acompanhado duma solidão que me sufoca. Apenas sou eu comigo mesmo. Com os outros, faço de conta, tal como eles também fazem de conta. Se eu lhes dissesse o que penso deles ou eles me dissessem o que pensam de mim, a porta do cemitério não daria conta de fechar.

Se a pós-modernidade me apontasse uma saída, pode apostar que eu viraria um Emil Zátopek, casado ou não com alguma Dana Zátopková, e bateria todos os recordes olímpicos de corrida de fundo, desnevando atrás dessa saída. Mas a pós-modernidade foi modernidade e há de ser outro troço qualquer quando os hipermercados da hipermodernidade virarem superjunçados de qualquer nova teoria, e nada, nem a modernidade, nem a pós, nem a hiper deu ou dará qualquer saída para ninguém e para nada. Se desse, a Della Street, a secretária virgem do meu amigo Perry Mason, não teria estenografado o testemunho de Platão na cicutagem do sabidão do velho Sócrates.

Na prática, minha cara, repito, a teoria é outra. Nascemos sem ter pedido, vivemos do jeito que dá e morremos sem querer. Como não tem regra sem exceção, os suicidas são a exceção à regra que diz que não tem regra sem exceção. E finis. Ah, sim, e muito obrigado por me deixar ter feito os seus ouvidos de penico.

 

 

(Agosto de 2011)

Filosofia Ciência e Vida

 

  Notas
 

[1] BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 7.

[2] LEIRADELLA, Cunha de. Encontro de paralelas. 2011. p. 12.

[3] Ibid., p. 11.

[4] LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988. p. 3.

[5] LEIRADELLA, Quadratura do círculo, op. cit., p. 10.

[6] BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 91.

[7] LEIRADELLA, ibid., pp. 10, 11.

 

 

 

Denise Duarte (Brasil)
P
rofessora universitária na área de cinema e audiovisual. Rio de Janeiro - RJ

 

 

Cunha de Leiradella (Póvoa de Lanhoso, Portugal, 16.11.1934)
Emigrou para o Brasil em 1958. Desemigrou em 2003, mas foi lá que escreveu a maior parte da sua obra. Peças de teatro (Laio ou o poder, Judas, As pulgas, etc.), romances (Cinco dias de sagração, Guerrilha urbana, Apenas questão de método, etc.), contos (Fractal em duas línguas, Síndromes & síndromes (e conclusões inevitáveis), O que faria Casanova?, etc.) e roteiros para cinema e televisão (Belo Horizonte: caminhos, O circo das qualidades humanas, Vestida de sol e de vento, etc.). Com isto ganhou alguns prêmios (no Brasil, Prêmio Fernando Chináglia, 1981, I Concurso de Textos Teatrais Rede Globo de Televisão, 1982, Prêmio Humberto Mauro, 1997, no México, Prêmio Plural 1990, em Portugal, Prêmio Caminho de Literatura Policial, 1999, etc.).
Contacto: leiradella@sapo.pt

 

 

© Maria Estela Guedes
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