REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 16

 

 

 

É, talvez, a mesma paisagem da terra. Há marcadas semelhanças. Na parte superior, o céu. No centro, uma mancha gris impregnada de azuis, seria o nosso mar. E, na horizontal, na parte inferior, os amarelos nos recordam as praias de areias tão suaves e táteis. A superfície da pintura revela um delicado movimento interno, e o cromatismo é abrangente, uma placa que respira diante dos nossos olhos. Mas quando teremos visto este céu vermelho, impregnado de vida?

Orgânico? É possível. Mas não faz parte da memória dos nossos olhos, tão confortáveis na contemplação da tríade marítima feita de marrom, verde e azul. De certa maneira, tudo nos parece habitual, há um som que nos chega de parte alguma, e já não sabemos se foi um pressentimento ou se despertou em nós um sonho há muito esquecido. O certo é que está em nós este surpreendente vermelho celeste.

Também está em nossa consciência a coluna ígnea, vertical, feita de corpúsculos, fragmentada e una, entendida como um único corpo porque a nossa sensibilidade acata a ideia sutil da energia, e já presenciamos o espetáculo dos raios elétricos ou sabemos dos inúmeros monolíticos místicos, símbolos da divindade, concretizados em pedra, mensagens recebidas do Alto.

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
Contacto: revista@triplov.com  
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JACOB KLINTOWITZ

 

Taisa Nasser: transmutação

                                                                  
 

A pintura de Taisa Nasser é firmemente estruturada, obedece a formulações clássicas de composição, é respeitosa no uso das combinações cromáticas nas quais prefere as aproximações por harmonia, mantém os suportes tradicionais da tela e dos formatos simétricos, e tudo nos leva à convicção de que a artista tem uma sensibilidade educada na contemplação exemplar dos mestres. No entanto, estamos sempre em contato com um grau de estranheza, como se ela nos transmitisse uma ampliação do real.

A textura, tão constante na sua pintura, é uma condensação matérica, erupção de um universo subjacente que, de repente, adquire independência e se torna personagem no mundo da superfície. O oculto, o cerne, a semente, é presença no universo das aparências e, portanto, nos intriga e comove e, mais que tudo, torna intercambiáveis os planos do invisível e do visível. Na pintura de Taisa Nasser o universo está unificado.

A ampliação da percepção na vivência do jogo de fundo e forma, neste caso, inexistente, pois a aparência e a realidade são uma só coisa. Poderia, quem sabe, haver dúvida quando uma superfície cromática toma conta do suporte, mas o que se sobressai é uma extraordinária textura, superfície que se eleva e confere um diálogo profundo entre o plano e a terceira dimensão. Corporificação do sensível, nascimento de um novo ser no corpo maior do cromatismo. Vida particular no todo. Há aqui um sistema de unificação do particular com o todo. Verdadeiras incisões, ou vidas particulares, nos demonstram que é possível a simultaneidade: individualidade e imersão no conjunto.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Taisa Nasser....................

 

Por vezes, parece que uma leve névoa, nuvem, cobre e se superpõe à pintura, acrescentando mistério ao mistério. Há uma delicadeza de execução, como se da mão da artista nascesse a pintura num único vôo. Da concepção ao gesto, tudo parece acontecer numa única sessão. Não sei se será assim. Mas é como recebemos esta pintura de tanta integração interior e externa.

Transmutar? A matéria bruta em matéria refinada, o chumbo em ouro, o carvão em diamante, o adormecido em desperto.

   
 
   
 
   
 
   
 
   
 
   
 
   
 
   
 
   
 
   
 
 

 

Jacob Klintowitz (Brasil, 1941).
Crítico de arte, jornalista, editor de arte, designer editorial. Curador do Espaço Cultural Citi. Conselheiro do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi. Conselheiro do Museu Judaico de São Paulo. Vice-presidente do Instituto Anima de Sophia. Ganhou duas vezes o “Prêmio Gonzaga Duque” da Associação Brasileira de Críticos de Arte, pela atuação crítica. É autor de 110 livros sobre teoria de arte, arte brasileira, ficção e livros de artista. Contato: jklinto@uol.com.br.