REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 16

   

BRUNO MIGUEL RESENDE

A divina embriaguez - Mahmud Shabistari

Alternatividade a português

 

                                                                  

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
Contacto: revista@triplov.com  
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os frequentadores da taberna

 

a taberna é a morada dos amantes

o lugar onde o pássaro da alma descansa no ninho

o paradeiro do repouso que não possui existência

num mundo sem forma

 

o frequentador da taberna é desolado

num deserto solitário

de onde vê o mundo como uma miragem

deserto sem limites e infinito

pois nenhum homem alguma vez viu o seu início ou fim

 

embora febrilmente vagueies por cem anos

estarás sempre sozinho

 

os inertes sem consciências nem viagens

os fiéis e infiéis

renunciaram ao bem e ao mal

rejeitaram o nome e a fama

por não beberem do cálice da altruidade

 

sem lábios ou boca

desconhecedores das tradições

visões e estados

dos sonhos com salas secretas

luzes e maravilhas

mentem entontecidos pelos aromas dos resíduos do vinho

e dão como resgate

peregrinos e rosários

 

por vezes

ascendem a mundos de ténues felicidades

mas com gargantas exaltadas

ou com rostos enegrecidos

virados para as paredes

outras vezes com faces avermelhadas

amarradas às estacas

 

mas agora

agora

na dança mística da alegria no amor

perdem-se as cabeças e os passos

como céus giratórios

e em cada um que ouvir a poesia

lhe vem o êxtase do mundo oculto

 

pois no interior das meras palavras e sons

da canção mística

oculta-se um mistério precioso

 

o de beber uma taça de vinho puro

de varrer o pó da inércia da alma

de agarrar as saias dos embriagados

e ser sábio 

 

o vinho do êxtase 

o vinho

aceso por um raio na face

revela o borbulhar das formas

tal como o mundo material

e o anímico

que aparecem como véus

para os castos

e as razões universais ao verem isto

ficam chocadas

a alma universal é reduzida

à escravidão

 

bebam vinho

lancem para as taças os rostos dos amigos

bebam vinho

orientem-lhes os olhares para os cálices

voem embriagados

bebam vinho

e isentem-se da frieza do coração

pois para um embriagado é muito melhor a satisfação

mútua

 

porque o mundo inteiro é a sua taberna

a sua taça de vinho o coração

de cada átomo

 

a razão é embriagada

os anjos embriagados

a alma embriagada

o ar embriagado

a terra embriagada

o paraíso embriagado

 

e o céu

tonto com os aromas do vinho

e dos seus vapores

torna-se infinitamente impressionante

pois se conseguem ver anjos a deliciarem-se

no vinho puro

e a despejar os sedimentos

para o mundo

 

e do cheiro destes resíduos

o homem ascende ao paraíso

embriagado dos elementos

dissolvido na água e no fogo

absorvendo a reflexão

 

o frágil corpo torna-se alma

e a alma congelada

pelo calor se derrete e se torna viva

mas o mundo das criaturas continua

a ser vertiginoso

por não se afastar de casa

 

um pelos odores dos resíduos

se torna filósofo

um pela visualização da cor do vinho

se torna relator

um por meio rabisco

se torna religioso

um por uma tigela

se torna amante

outro engole de uma só vez

engole tudo

mas ainda mantém a boca aberta 

 

vinho tocha e beleza 

as manifestações da verdade

são o vinho

a tocha

e a beleza

 

o vinho e a tocha são a luz e o brilho do sábio

a beleza não se oculta de nenhum

 

o vinho é a sombra da luz

e a tocha a lamparina

a beleza é a luz do espírito

tão brilhante que acende faíscas

no coração

 

vinho e tocha são a essência

dessa luz ofuscante

a beleza é o sinal da divindade

 

bebam este vinho

e avivando a consciência

serão libertados do feitiço do ego

então o vosso ser

como uma gota

irá cair no oceano da eternidade 

 

intoxicação 

o que é o vinho puro

é a auto-purificação

 

que doçura

 

que intoxicação

 

que esplendoroso êxtase

 

oh

momento feliz quando parámos

e caímos no pó

ébrios e maravilhados

pois em extrema pobreza

seremos ricos e livres

e que utilidade terá então o paraíso

e as virgens

pois que nenhum estranho encontra acesso

a esse espaço místico

 

não sei o que acontecerá depois

vi esta visão

e embebi-me deste cálice

mas depois da intoxicação

aproximam-se as dores de cabeça

e a angústia afoga-me a alma

ao lembrar-me disso

 

 

Bruno Resende (Portugal).
Bruno Miguel Resende, 1 de Março de 1981, Porto. Escritor, webdesigner, designer gráfico, DJ, fotógrafo, performer. Inspirado pela evolução e revolução inspira a mesma, formando-se e informando-se sobre si próprio nas áreas de hedonismo, anarquismo, ateologia, revivalismo arcaico, surrealismo, e outras potências de existência que se adequam a cada momento de cada contexto. Lança em 2007 o livro “Subterfúgios” pela Corpos Editora, em 2009 “Khaos Poeticum” pela Temas Originais e em 2010 “Esquilia Divinorum” pelas “Edições Extrapolar”. Participou em diversas antologias literárias das editoras Andross, CBJE, Editora de Leon, Celeiro de Escritores, Nova Coletânea e Lugar da Palavra em títulos como o “Livro Negro dos Vampiros” e “Noctâmbulos”. Nas artes gráficas concebeu as galerias Revolta das Palavras, Abysmo Humano e Transmorphosys. É colaborador da revista Infernus incluindo-se também na Incomunidade e Associação Extrapolar entre outros escritos, artes, acções e reacções.