FRANCISCO PROENÇA GARCIA

A IMPORTÂNCIA DAS INFORMAÇÕES
na condução da guerra em Moçambique (1964-1974) (6)

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2.2.2. Igrejas protestantes e seitas cristãs nativas.
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Face aos progressos do Catolicismo e do Islamismo, o Protestantismo parecia contentar-se em sobreviver. Contudo, não podia subestimar-se a sua influência que, através de Missões preocupadas sobretudo com o aspecto prático e utilitário e, em geral, dispondo de recursos consideráveis, conduziam com facilidade o autóctone à conversão, o que não seria inconveniente para a Administração Portuguesa se os missionários (cujo número de portugueses brancos era muito reduzido) não fossem abertamente contrários aos interesses e à causa lusa (1); o clero protestante assumiu franca e hábil hostilidade para com a soberania portuguesa. As atitudes tidas por inconvenientes para aquela soberania, por parte de alguns missionários estrangeiros, podia ser explicada, segundo as Informações Militares Portuguesas, pelas linhas de articulação e dependências externas que esses missionários mantinham com os seus países de origem (2).

As Igrejas Protestantes, no desempenho das suas actuações sócio-económicas e de catequização, eram auxiliadas com fundos dos países de origem e por algumas organizações internacionais. Mas, no sistema político então vigente, em que era inviável uma tomada de posição aberta daquelas Igrejas para com a subversão, diversas delas, através do Conselho Mundial das Igrejas, apoiaram a FRELIMO com fundos para fins humanitários; tal auxílio processava-se apenas para o Seminário de Ricatla. Acreditava-se ainda que a “Conférence des Églises de Toute L'Afrique” desempenhava em relação às confissões protestantes influência relevante que não seria apenas espiritual (3).

Ainda de acordo com o Supintrep “Panorama Religioso de Moçambique”, algumas Missões protestantes apoiavam francamente todos os movimentos independentistas e desenvolviam violenta campanha contra Portugal e a sua política ultramarina; a missão civilizadora daquelas era por vezes, transformada em acção subversiva (4). Este documento, além de discriminar detalhadamente quais as Missões e sua localização, tece ainda considerações sobre as actividades das mesmas no território, incluindo as subversivas. Acerca da Missão Suíça de Lourenço Marques eram veiculadas notícias que aludiam a actividades hostis por parte de alguns pastores. Da Missão de Chicumbane surgiram também rumores de actividade subversiva, bem como na de Maússe, onde estudara Eduardo Mondlane (5).

Fora da sua colectividade originária, o negro-africano fica destribalizado, desamparado e inseguro. Restam-lhe complexas vias alternativas. Uma dessas vias pode integrar um “(...) processo de sublimação assumido através do carisma salvífico de uma seita cristã de anelos imediatistas (...)” (6). Estas seitas eram consideradas como drasticamente adversas ao Branco (7), procurando fazer a síntese do Cristianismo com as religiões tradicionais, repudiando o ensino recebido nas missões católicas. Diversas seitas nativas cristãs eram apoiadas e controladas por algumas confissões Protestantes (sobretudo a Metodista Livre), nelas estimulando orientação nitidamente contrária aos interesses portugueses.

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2.2.3. Comunidades muçulmanas.
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As comunidades muçulmanas mostraram também a sua gritante importância. Entre 1964 e 1974 seriam alvo inestimável, quer para a FRELIMO, quer para a Administração Portuguesa, tanto por acção como por omissão. O Poder português necessitou de deter o completo conhecimento da tessitura islâmica de Moçambique, designadamente a articulação e comandamento interno e externo, para assim ser capaz de negociar com os de início incógnitos polarizadores daquela força sócio-religiosa; de maneira a utilizar, na medida que a descontinuidade de Governadores-Gerais entre 1967 e 1974 ainda assim permitiu, uma massa muçulmana que em 1974 se estimava em 1.200.000 pessoas distribuídas por áreas vitais, mormente do Rovuma ao Zambeze.

Até 1967, o comportamento tendencial das massas islamizadas, vinha sendo habilmente aproveitado pela subversão, pois esta as estimulava e utilizava na medida dos seus interesses. Quer por reacção ao espírito pós-conciliar, quer pelo cálculo de contrastarem com o comportamento daqueles elementos do clero católico que enveredaram por excessos no aggiornamento , quer ainda pelos resultados do plano de Acção Psicológica estudado nos SCCIM desde 1965, verificou-se que, exceptuando casos pontuais, os líderes do Islão moçambicano integrassem de forma assaz activa, entre 1968 e 1972, o esforço da resposta da Administração Portuguesa à subversão, após o que entraram em retracção até 25 de Abril de 1974. A partir daí, tendo-se apercebido do que iria acontecer em Setembro seguinte no Acordo de Lusaka, quiseram passar à acção. Mas as incoerências e hesitações das fontes de onde poderiam obter as armas e munições pretendidas levaram-nos a compreender que nada mais lhes restava senão aguardar o futuro. Muitos integrariam depois a “Resistência Nacional Moçambicana”, pelo menos até 1976 içando sempre que possível o pavilhão português (convertido em símbolo de contestação à FRELIMO).

 
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(1) ADIEMGFA, Quartel General da Região Militar de Moçambique, “Panorama religioso de Moçambique”, Supintrep N.º 23.

(2) Idem.

(3) Idem.

(4) Idem.

(5) Idem.

(6) Monteiro, Fernando Amaro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964-1974)”, p. 104.

(7) ADIEMGFA, Quartel General da Região Militar de Moçambique, “Panorama religioso de Moçambique”, Supintrep N.º 23.