ANNA CAROLINA K.P. REGNER
O PAPEL DAMETÁFORA
NO LONGO ARGUMENTO DA
ORIGEM DAS ESPÉCIES *


Este estudo examina, no caso particular da Origem das Espécies de Charles Darwin, o papel cognitivo de um dos recursos chamados “retóricos”, a metáfora, na estruturação de teorias científicas. Os cientistas usam freqüentemente a metáfora no núcleo da argumentação de seus trabalhos. Esse uso pode proporcionar uma nova compreensão da natureza, procedimentos e resultados da ciência. No presente trabalho, será mostrado como o uso de metáforas permeia a teoria de Darwin, desde suas primeiras formulações até sua exposição na Origem das Espécies, através de certas imagens-chave que estruturam essa trajetória. Será então discutido o aspecto contextual das distinções metafórico / literal e suas implicações na obra madura de Darwin, representada pela Origem das Espécies, e examinado o modo inovador pelo qual Darwin faz uso das metáforas, tanto para explicitação conceitual na construção de sua teoria, como na busca de sua corroboração e defesa.

Alguns traços de teorias contemporâneas da metáfora auxiliam nessa tarefa: (1) enfoque da metáfora como condição constitutiva do próprio pensar e do processo cognitivo, enfatizando que, antes de ser um modo de dizer, uma figura de linguagem, em que se fala de uma coisa em termos de outra, a metáfora é um modo de pensar, de sorte que pensamos certas coisas em termos de outras e assim se estrutura nosso sistema conceitual (Lakoff, 1989; Lakoff & Johnson, 1990); (2) a dependência contextual das usuais distinções entre “metafórico” e “literal”, bem como das questões acerca das “condições de verdade” de um discurso metafórico que se pretende cognitivo (Kittay, 1987); (3) exame das determinações epistemológicas relativas a “metafórico” e “literal” como partes de um continuum, a usar uma expressão de MacCormac1. Sob enfoques como esse, as metáforas são analisadas enquanto processos e produtos cognitivos. Nessa análise, borram-se distinções epistemológicas tradicionais - como as distinções entre sentido literal e metafórico, artifícios retóricos e critérios lógicos, metáfora e verdade, metáfora e entendimento argumentativo - e questiona-se a visão comumente recebida sobre o que seja conhecimento científico, bem como as formas clássicas de racionalismo que essa visão traz, as quais baseiam-se, em ampla medida, no seu modo de ver a metáfora em relação aos processos cognitivos.

É na direção dessas novas abordagens do papel da metáfora na constituição do conhecimento científico que aqui é proposto pensar o uso da metáfora na Origem das Espécies, como o objetivo próprio desta exposição. A atitude epistemológica que, para tanto, servirá de guia é a de olhar à teoria de Darwin apresentada na Origem como uma história da Natureza, a ser contada como uma narrativa, cuja idéia central a ser passada é a de que, na Natureza, espécies se originam umas das outras por “seleção natural”. Assim, a estrutura de seu “um longo argumento”, como Darwin chama a Origem das Espécies, torna-se a estrutura de uma narrativa, o que suscita a indagação acerca do papel central a ser desempenhado por recursos ditos “retóricos” em seu argumento. É indispensável, na narrativa / no argumento darwiniano, o uso que é feito, sob diversas formas, do apelo à imaginação e dos recursos comumente chamados de “figuras de linguagem”, mormente da analogia e da metáfora, com funções claramente cognitivas e não como meros adereços de linguagem2. Relacionada ou não a outras “figuras de linguagem”, especialmente à analogia, a metáfora, em seu papel explicativo, requer o uso da imaginação a serviço da razão ou do esforço exploratório da concepção que guia a elaboração da teoria. A metáfora é filha da reflexão sensibilizada na imaginação3.

O papel central da metáfora na estruturação do pensamento de Darwin pode ser encontrado na trilha intelectual que o levou até a exposição amadurecida de sua narrativa. Metáforas centrais na Origem já estão presentes no seu diário de viagem à bordo do Beagle, nos seus Notebooks, nos Ensaios de 1842 e 1844, no longo manuscrito de 1856-1858 e na 1ª edição da Origem das Espécies, cumprindo a missão de não só explicitar, esclarecer conceitos, como de tornar visíveis as relações conceituais, urdi-las numa rede argumentativa e prover sustentação à teoria. Apesar da maior riqueza fatual, de exploração conceitual e estruturação teórica que a história da natureza encontrada na Origem, essa história encontra-se já bem enraizada, através de seus principais eixos, no pensamento de Darwin à época de seus Ensaios. É na Origem, contudo, na forma acabada da teoria darwiniana da seleção natural, que mais claramente pode ser analisado o papel argumentativo fundamental da metáfora nessa teoria. As metáforas aí concentram um enorme poder explicativo a ser trabalhado seja pela sua força sintética, seja como fonte geradora para uma cadeia de raciocínios. Qual dessas funções deve ser enfatizada depende da etapa do “um longo argumento” de Darwin em que nos encontremos. As metáforas condensam tanto a tentativa de esclarecimento da estrutura lógico-conceitual, como tornam a “aplicação” dessa estrutura possível. Desempenham, assim, papel substantivo tanto no esclarecimento conceitual como na sustentação / corroboração do “um grande argumento” em que se constitui a Origem.

No papel esclarecedor e de sustentação teórica provido pelo uso da metáfora ao trabalho de Darwin, tomando-se a Origem das Espécies como eixo exploratório, três situações merecem uma referência em especial, mostrando a multifacética integridade da tarefa explicativa: (1) as considerações que Darwin tece quanto ao uso de expressões metafóricas, (2) o uso efetivo que delas faz e (3) o repensar do papel da metáfora que a análise das duas situações anteriores (1 e 2) demandam.

A primeira situação nos remonta à avaliação que Darwin faz do uso da expressão-chave “seleção natural”, quando diz que esse uso é metafórico (Darwin, 1875, p. 63):

“Vários autores têm mal compreendido ou objetado ao termo Seleção Natural. Alguns têm mesmo imaginado que a seleção natural induz a variabilidade, quando implica apenas a preservação daquelas variações surgidas e que são benéficas ao ser, face as condições de vida desse. Ninguém objeta aos agricultores quando falam dos potentes efeitos da seleção pelo homem; e, nesse caso, as diferenças individuais dadas pela natureza, as quais o homem seleciona com algum objetivo, devem, necessariamente, primeiro ocorrer. Outros têm objetado que o termo seleção implica escolha consciente nos animas que se tornam modificados; e tem sido fortemente lembrado que, como as plantas não têm volição, a seleção natural a elas não é aplicável! No sentido literal do termo, sem dúvida, seleção natural é um termo falso; mas quem, alguma vez, objetou aos químicos o seu falar das afinidades eletivas dos vários elementos? - e, apesar disso, não se pode estritamente dizer que um ácido elege a base com a qual preferentemente se combina. Tem sido dito que a seleção natural age como um poder ativo ou Divindade; mas quem objeta a um autor pelo seu falar da atração da gravidade como regulando os movimentos dos planetas? Todos sabem qual o significado e o que é implicado por tais expressões metafóricas; e elas são quase necessárias por brevidade. Então, novamente, é difícil evitar de personificar a palavra Natureza; mas, por natureza, tenho em mente apenas a ação agregada e o produto de muitas leis naturais e, por leis, a seqüência de eventos como estabelecidos por nós. Com um pouco de familiaridade, tais objeções superficiais serão esquecidas.”

Essa passagem, que cobre o segundo parágrafo do quarto capítulo da Origem, está ausente, em sua 1ª edição (1859) e nos textos anteriores - a referência ao caráter metafórico da expressão é feita em resposta a objeções calcadas no significado de “escolha consciente”, poder ativo ou “Divindade”, personificação de “Natureza”, que estaria contido no conceito darwiniano de “seleção natural”. A referência à metáfora é feita em relação ao ponto crucial da teoria, exibindo função esclarecedora e mesmo de sustentação da teoria, dado que, ao ser referido seu caráter metafórico, a função da expressão “seleção natural” na teoria darwiniana é comparada à exercida por outras expressões em teorias e procedimentos cientificamente aceitos.

Na passagem em apreço, Darwin admite que a atribuição de um sentido possa ser legítima, metaforicamente falando, e falsa, se literalmente tomado o sentido da expressão. Diz também que expressões metafóricas são quase necessárias por brevidade. Disso claramente se depreende que Darwin tem presente uma clara distinção entre uso “metafórico” e uso “literal”. Noutra passagem que será posteriormente comentada (Darwin, 1875, p. 386), também significativa, Darwin contrapõe o “metafórico” ao “literal” e refere o segundo ao dizer do que 𠇊tualmente”, “realmente” acontece. E, se Darwin pretende, como o diz em diferentes passagens, mostrar a vera causa para a produção de novas espécies, a metáfora, se oposta ao “literal” e ao “real”, parece antes um recurso a ser substituído. Contudo, é por meio da caracterização provida por esse modo de falar “metafórico”, tomando-a como um poder que age, escrutina, seleciona, exercita, que a seleção natural pode prover uma vera causa - não uma referência a ser substituída - para a produção de novas espécies. Darwin permanece, até o final, nesse modo de falar antes dito “metafórico” e com as pretensões de prover aquela vera causa. Então, ou Darwin deveria reconhecer ter permanecido no plano da metáfora, sem ter alcançado uma vera causa ou um real mecanismo de produção das espécies, ou devemos buscar uma outra interpretação, à base de indicações que seu texto forneça, para o papel explicativo que a metáfora aí exerce. A primeira alternativa choca-se com as pretensões e motivações alegadas pelo próprio Darwin para seu trabalho. Cabe explorar a segunda, partindo do uso que Darwin faz da metáfora em seu texto e então repensando as usuais distinções que parecem alimentar esse uso, bem como o papel cognitivo da metáfora.

Examinando-se o uso que Darwin faz da metáfora na construção de sua teoria, cabe de início ressaltar que, já no parágrafo acima referido, em que busca responder a “objeções” feitas e elucidar os usos metafóricos de “seleção natural”, Darwin vale-se de metáforas para responder àquelas objeções que, segundo ele, surgem de uma confusão entre o sentido “metafórico” e o “literal”. Pois, defende-se do equívoco de atribuir à seleção natural o poder de induzir a variabilidade, comparando seus efeitos aos potentes efeitos da seleção pelo homem, que também atua sobre diferenças dadas pela Natureza, e comparando sua ação a de outros princípios cientificamente aceitos e também expressos “metaforicamente” - o que, pode-se acrescentar, admite o reconhecimento do uso da metáfora nas explicações aceitas como “científicas”.

Como indicado nas próprias expressões que, de modo conexo, arrola ao referir-se a “seleção natural”, vemos que a elucidação desse conceito vem a par e passo com o de “Natureza”. Através do esclarecimento desses conceitos que se encontram à base da fundamentação da teoria darwiniana, pode-se então exemplificar o papel da metáfora para o esclarecimento conceitual em que se alicerça a teoria. O conceito de Natureza que se encontra à base da teoria darwiniana apresenta-se como articulação de duas “definições” aparentemente conflitantes. Ainda remontando ao parágrafo em que Darwin defende-se de mal entendidos e objeções apelando, de um lado, à distinção entre o modo de falar literal e metafórico e, de outro, à inevitabilidade do último, aí apresenta uma primeira definição de Natureza. Dizendo ser difícil evitar de personificar a palavra Natureza, oferece um significado para Natureza que exclui essa personificação e, com ela, as características de um poder ativo de seleção, alvo das objeções que lhe foram dirigidas, permanecendo no que se poderia chamar de uma concepção meramente “mecanicista” (Darwin, 1875, p. 63). É também com esse cunho “mecanicista” que Darwin refere-se inicialmente a Seleção Natural, no capítulo IV, no qual se trava um aparente conflito de definições:

“Essa preservação das variações e diferenças individuais favoráveis e destruição daquelas que forem injuriosas, chamei de Seleção Natural ou de Sobrevivência do mais Apto” (Darwin, 1875, p.63).

Todavia, três parágrafos adiante, Darwin retoma, em sua plenitude, aquele modo de falar dito metafórico, da Seleção Natural ou Natureza como um poder ativo de seleção, de sábio escrutínio, selecionando para o bem do ser de que cuida, superior ao do homem (Darwin, 1875, p. 65-66), numa definição em que se identificam Natureza e Seleção Natural:

“... Natureza, se me for permitido personificar a natural preservação ou sobrevivência do mais apto, não se importa com as aparências, exceto enquanto forem úteis a qualquer ser. Ela age sobre cada órgão interno, sobre toda sombra de diferença constitucional, sobre toda a maquinaria da vida. O homem seleciona apenas para seu próprio bem; a natureza apenas para o bem daquele ser de que cuida. Plenamente exercita todos os caracteres que seleciona, como é implicado pelo fato de sua seleção.”

Apesar da definição inicial de Natureza, que exclui expressões metafóricas e que confere à Natureza um caráter antes “mecanicista” do que o de um "poder escrutinador" (Darwin, 1875, p. 63), as expressões que Darwin, no começo do capítulo IV chama de metafóricas (Darwin, 1875, p. 63) são definitivamente retomadas no conceito de Natureza e de Seleção Natural, a partir da segunda definição que apresenta (Darwin, 1875, p. 65-66). Retomado e utilizado para fundação e, assim, justificativa do Princípio de Seleção Natural, o conceito de Natureza que a “vê” como um poder ativo, após ter sido indicado seu dimensionamento inicial como “ação agregada de leis”, ganha, através desse enfoque mecanicista, uma determinação objetiva, ou seja, mostra-se na sua aplicação, nos resultados que podem ser vistos na “seqüência de eventos tal como determinada por nós”. “Ilustrações da ação da seleção natural” é um sub-título do capítulo IV, que tem lugar a partir da mencionada retomada do conceito em seu enfoque inicialmente dito metafórico, abrindo espaço à temática das “leis”, que ocupará o capítulo V. Assim, a própria determinação de quais sejam as “leis” que constituem a Natureza em seu enfoque mecanicista requer o prévio esclarecimento da Natureza e da Seleção Natural através daquelas expressões ditas “metafóricas”. De outro lado, encaminhada no sentido de viabilizar a representação da Natureza, através daquela definição “mecanicista”, como poder visto em termos de seus resultados objetivos, empiricamente dados, a “metáfora” torna-se expressão do “real”. Na articulação de ambas dimensões, de ambas “definições”, o conceito de Natureza é, por assim dizer, o de uma metáfora realizada - de uma metáfora que, através das determinações objetivas a que deu lugar, e que sem ela não seriam possíveis, ganha o fórum da “realidade”.

Uma tal articulação fora já anunciada tanto na primeira definição do Princípio de Seleção Natural que se encontra na Origem:

“Chamei esse princípio, pelo qual cada variação, se útil, é preservada, pelo nome de Seleção Natural, para marcar sua relação com o poder humano de seleção.” (Darwin, 1875, p.49),

como na própria imagem conceitual da “luta pela existência”, que, antes de ser a descrição de um mero fato ou princípio, oferece a descrição de um sistema, de uma visão de Natureza, na qual se revela a força reguladora de um mecanismo de preservação das variações úteis a seus possuidores e a destruição das nocivas:

“O termo Luta pela existência usado num sentido amplo e metafórico

Devo colocar como premissa que uso esse termo num sentido amplo e metafórico incluindo a dependência de um ser orgânico em relação a outro e incluindo (o que é mais importante) não apenas a vida de um indivíduo, mas o sucesso em deixar descendência. Pode verdadeiramente ser dito de dois animais caninos, em tempo de escassez, que um luta contra o outro para um deles obter alimento e sobreviver. Mas, diz-se de uma planta, à beira do deserto, que luta pela vida contra a seca, embora devesse, mais propriamente, ser dito que depende da umidade. De uma planta que anualmente produz milhares de sementes, das quais apenas uma, na média, chega à maturidade, pode-se verdadeiramente dizer que luta com as plantas de sua mesma e de outras espécies que já recobrem o solo. A erva-de-passarinho depende da macieira e de outras poucas árvores, mas apenas num sentido figurado pode-se dizer que luta contra essas árvores porque, se muitos desses parasitas crescem na mesma árvore, ela fenece e morre. Mas pode-se dizer, mais verdadeiramente, que várias sementes de erva-de-passarinho crescendo próximas no mesmo galho lutam umas contra as outras. Como a erva-de-passarinho é disseminada pelos pássaros, sua existência deles depende; e pode-se metaforicamente dizer que lutam contra outras plantas de frutos, para atrair a atenção dos pássaros que devoram e então disseminam suas sementes. Nesses vários sentidos, um penetrando no outro, uso, a bem de conveniência, o termo geral de luta pela Existência.” (Darwin, 1875, p.50)

Focalizando as próprias relações entre Natureza e Seleção Natural, como fundamento de todo o arcabouço teórico da Origem, vê-se que, através do movimento que vai do “literal” ao “metafórico” e desse a um resgate do primeiro em novo nível de inteligibilidade, resolve-se o aparente conflito entre visões “mecanicistas” e de “um poder ativo e autônomo”. Mais, ainda: vê-se que aquelas relações são esclarecidas em termos de uma identidade, tal como indicada na segunda definição apresentada para ambos os termos, na ou através da diferença, essa provida pelo enfoque mecanicista, que permite entender a Seleção Natural como o “meio” através do qual a visão de Natureza como um poder explicativo, objetivo, se exerce e que, nesse exercício, como poder atualizado, identifica-se com a Seleção Natural.

Na trajetória intelectual em que se enraíza a história da Natureza, certas imagens-chave para a concepção de Natureza a ser esclarecida na Origem são encontradas já elaboradas em seus Ensaios. Desde 1842, a Natureza é concebida como um sujeito, vindo ao encontro de sua definição como um poder ativo, na medida em que nos mostra uma “face” alegre, embora também possua outra, que não vemos sempre, de milhares de cunhas pressionando ou de luta recorrente, na “economia da Natureza”. Assim, junto à “metáfora da face” está a de uma “economia”, evocando um “sistema econômico” e, desse modo, leva a se pensar em algo como um “fim” do sistema, aquilo pelo qual se mantém sua complexa unidade. Uma tal imagem já se encontra no Notebook D de 1838 (entrada 135), onde a “causa final” da intromissão de todas aquelas cunhas deve ser o “selecionar a estrutura apropriada e adaptá-la à mudança” (Darwin, 1987, p.375-376). Passa também pelo longo manuscrito de 1856-1858, na passagem em que mais claramente explicita a imagem das milhares de cunhas, representando as diferentes espécies (Darwin, 1987, p.631). Na 6ª edição da Origem permanece a referência à face alegre e sombria da Natureza, à sua economia, mas não é mais retratada em termos de cunhas aguçadas que avançam, buscando o seu espaço. Em contrapartida, é oferecida uma visão da “luta pela existência”, em sentido amplo e metafórico (presente desde a 1ª edição), que, ao mesmo tempo, permite vê-la atuando em situações bem mais detalhadas. Essa imagem fundante do pensamento de Darwin cresceu assim, em sua explicitação e força explicativa, ao longo de seu pensamento.4

O movimento de esclarecimento conceitual que vai do “literal” ao “metafórico” e, desse, a um resgate do primeiro, confere à metáfora, conforme dito, um fórum de realidade. Mas, ao ganhar a metáfora esse fórum, o processo pelo qual isso ocorre modifica, para nosso entendimento, o sentido inicial dos termos envolvidos e daquela distinção. Assim, tomando o exemplo proposto de esclarecimento dos conceitos de Natureza e de Seleção Natural, percorrendo o processo em que a “metáfora” desempenha papel central, a encontramos: no início, na concentração do potencial explicativo da imagem da luta pela existência”; ao longo do processo, pelas definições que a metáfora propicia; ao término, pelo provimento de um fundamento para que a Natureza, em sua objetividade, seja compreendida não apenas como “mero agregado de leis”, mas como um poder que se exerce através dessas leis, leis da Natureza, “leis naturais”. Mas esse poder então se revela como distinto do poder de uma Divindade; não pode ser compreendido fora da condição restritiva e objetivadora de seu exercício através das “seqüências de eventos como estabelecidos por nós”. Nesse processo de esclarecimento conceitual, o “literal” e o “metafórico” ganham novos patamares.

O outro aspecto a enfatizar na tarefa a ser desempenhada pela metáfora na obra de Darwin refere-se à corroboração/sustentação que fornece para sua teia argumentativa, tal como pode ser exemplificado na sua resposta a uma das objeções/dificuldades mais sérias que enfrenta: a ausência dos desejados registros geológicos que atestassem, no número e grau requerido, as formas transicionais que, segundo a teoria, deveriam ter existido. Em sua resposta, Darwin conclui suas considerações, ao final do capítulo X, valendo-se explicitamente de uma metáfora, a metáfora de Lyell, que vê o registro geológico como uma história do mundo imperfeitamente conservada:

“Aqueles que crêem que o registro geológico é perfeito em qualquer grau, sem dúvida rejeitarão de vez a teoria. De minha parte, seguindo a metáfora de Lyell, vejo o registro geológico como uma história do mundo imperfeitamente conservada e escrita num dialeto mutante; dessa história possuímos apenas o último volume, relativamente a apenas duas ou três regiões. Desse volume, apenas um capítulo aqui e outro ali foram preservados; e de cada página, apenas umas poucas linhas aqui e acolá.. Cada palavra da linguagem lentamente mutante, mais ou menos diferente nos sucessivos capítulos, pode representar as formas de vida que estão enterradas em nossas formações consecutivas e que falsamente nos parecem ter sido abruptamente introduzidas. Sob essa visão, as dificuldades acima discutidas são grandemente diminuídas, ou mesmo desaparecem.” (Darwin, 1875, p. 289)

Como noutras situações, faz-se presente a imagem da linguagem e, nos desdobramentos dessa metáfora, Darwin condensa os pontos principais de toda uma cadeia de considerações, que conclui pela imperfeição dos registros geológicos, dadas as limitações e condições de sua preservação, bem como do nosso acesso ao que estaria preservado. Tanto pela força catalisadora dessa metáfora, quanto pela sua posição no argumento, fechando com a prestigiosa referência a Lyell toda uma longa discussão, essa situação exemplifica o papel e o peso da metáfora na argumentação darwiniana. Não só na argumentação darwiniana, pode-se acrescer, mas na bem recebida cientificidade da própria obra de Lyell.

A metáfora referida à visão de Lyell, trazida na Origem, a respeito da imperfeição dos registros geológicos, como se fossem esparsos fragmentos de um livro a contar uma história, já aparece, de forma reduzida, nos Ensaios de 1842 e de 1844:

“Se a Geologia se nos apresenta com meras páginas em capítulos, na direção final de uma história formada por coleções de folhas arrancadas, e cada página ilustrando meramente uma pequena porção dos organismos daquele tempo, os fatos concordam plenamente com minha teoria” (Ensaio de 1842 - de Beer, 1971, p.63);

“Lyell comparou as séries geológicas a um trabalho do qual foram preservados apenas poucos dos últimos e não consecutivos capítulos; e dos quais, deve ser acrescentado, muitas folhas foram arrancadas, as remanescentes ilustrando uma escassa porção da fauna de cada período. Sob essa visão, os registros das idades antecedentes confirmam minha teoria; sob qualquer outra, a destróem.” (Ensaio de 1844 - de Beer, 1971, p.161)

A força das imagens ligadas à evidência a ser proporcionada pela Geologia permanece na conclusão tanto dos Ensaios quanto da Origem, sua expressão sendo mantida quase idêntica:

“A Geologia perde sua glória pela imperfeição de seus arquivos, mas como ganha na imensidão dos períodos das suas formações e dos intervalos separando essas formações”, no Ensaio de 1842;

“A Geologia perde sua glória pela imperfeição de seus arquivos, mas ganha na imensidão de seu objeto”, no Ensaio de 1844 (de Beer, 1971, p.86 e p.253);

“A nobre ciência da Geologia perde glória pela extrema imperfeição de seu registro”, na Origem (Darwin, 1875, p.427).

A conclusão do pensamento exposto tanto nos Ensaios como na Origem, permite ver o fecho argumentativo proporcionado por certas imagens-chave, ao longo da trajetória desse pensamento. Argumentando a favor da descendência com modificação, contra a visão criacionista, tem-se, nos Ensaios, a seguinte passagem:

“Há muito mais grandeza em olhar aos animais existentes ou como os descendentes lineares das formas enterradas sob milhares de pés de matéria, ou como co-herdeiros de algum ancestral ainda mais antigo. Concorda com o que sabemos da lei impressa na matéria pelo Criador, que a criação e extinção das formas, como o nascimento e morte dos indivíduos, deva ser o efeito de meios [leis] secundárias”(de Beer, 1971, p.86).

Na Origem, essa passagem fica assim:

“A meu ver, concorda melhor com o que sabemos das leis impressas na matéria pelo Criador, que a produção e a extinção dos habitantes presentes e passados do mundo deva ter sido devida a causas secundárias, como aquelas determinando o nascimento e morte do indivíduo. Quando vejo todos os seres, não como criações especiais, mas como descendentes lineares de alguns poucos seres que viveram muito antes de que a primeira camada do sistema Cambriano fosse depositada, eles parecem-me tornarem-se muito mais enobrecidos.” (Darwin, 1875, p.428).

Numa passagem de tom bem mais próximo ao da Origem que o dos Ensaios, no Notebook B de 1837 (entrada 232), encontramos a seguinte imagem:

"...se escolhemos deixar o conjeturar correr solto, então animais, nossos companheiros de irmandade na dor, doença, morte e sofrimento e fome; nossos escravos no trabalho laborioso, nossa companhia em nossos divertimentos, podem participar de nossa origem num ancestral comum, onde podemos estar todos juntos enredados" (Darwin, 1987, p.228-229).

Uma tal extensão da teoria igualmente aparece na entrada 73, onde também se percebe a função programática da metáfora, numa história a ser contada:

“Todos os animais da mesma espécie estão unidos como os brotos de plantas, que morrem a um tempo, embora cedo ou tarde germinem. - Provar que os animais são como plantas: - traçar a gradação entre animais associados e não associados. - e a estória estará completa.” (Darwin, 1987, p.189).

O alcance explicativo da teoria, pela inteligibilidade que proporciona aos fatos mais complexos e, de outro modo, inexplicáveis, e pelo interesse que confere à sua investigação, é retratado numa imagem que sofre discreta alteração, do Ensaio de 1842 ao de 1844, sendo então repetida na Origem (Darwin, 1875, p.426). Essa imagem permite conjugar - na sua referência a um artefato como uma invenção mecânica, produto de engrenagens “inventadas” e acionadas tendo em vista, como no trabalho da fábrica, um fim comum - as dimensões “mecanicista” e “de um poder diretivo”, encontradas, na Origem, na explicitação dos conceitos de Natureza e de Seleção Natural. No Ensaio de 1842, tal imagem aparece nos seguintes termos:

“Não mais olhamos a um animal como um selvagem olha a um navio, ou a um outro grande trabalho de arte, como algo totalmente além de sua compreensão, mas sentimos muito mais interesse em examiná-lo. (...) devemos olhar a cada instinto e mecanismo muito complicado como o sumário de uma longa história de engenhos úteis, muito similar a um trabalho de arte” (de Beer, 1971, p.86).

No Ensaio de 1844, Darwin contrapõe, imediatamente, ao “olhar além de toda a compreensão”, o olhar ao ser orgânico

“como uma produção que tem uma história que devemos investigar”,

referindo-se ao interesse da investigação de cada instinto e mecanismo complexo, não apenas em termos de um trabalho de arte, mas de “uma grande invenção mecânica”:

“Quando olharmos a cada instinto e mecanismo muito complicado como o sumário de uma longa história de engenhos úteis, cada um da maior utilidade a seu possuidor, quase do mesmo modo como olhamos a uma grande invenção mecânica, como o resumo do trabalho, experiência, razão e mesmo confusões de numerosos trabalhadores.” (de Beer, 1971, p.252).

O último parágrafo, tanto dos Ensaios como da Origem, sobretudo na sua última frase, refletem quão arraigada, desde os primeiros, encontrava-se a convicção de Darwin no poder explicativo de sua teoria e sua visão dos pontos centrais a alegar. É assim que, embora numa passagem um pouco mais resumida do que a que aparece na Origem (Darwin, 1875, p.429), os Ensaios finalizam com uma imagem, já presente em seu Notebook B de 1837 que encerra a força de diversos aspectos do poder explicativo da teoria - da complexidade das relações de que trata; de sua cientificidade, operando através de princípios e leis, dotada, portanto, de unidade sistemática, de modo análogo àquele com que opera o que seria a teoria cientifica aceita por excelência, a teoria da gravidade; de respeito a sentimentos religiosos e de satisfação de sentimentos estéticos, bem como de conformidade com a cosmovisão “científica” aceita; - todos concentrados numa imagem vigorosa:

"Os astrônomos poderiam ter inicialmente dito que Deus ordenou a cada planeta mover-se em seu particular destino. - Do mesmo modo, Deus ordena a cada animal criado com certa forma, num certo lugar, mas quão mais simples e sublime, poder deixar a atração agir de acordo com certas leis, tais como conseqüentes inevitáveis, deixar os animais serem criados, então, pelas leis fixas da geração, tais como serão seus sucessores" (Notebook B de 1837, entrada 101 - Darwin, 1987, p.195);

“Há uma grandeza simples na visão da vida com seus poderes de crescimento, assimilação e reprodução, sendo originalmente insuflados na matéria sob uma ou poucas formas, e que, enquanto este nosso planeta tem seguido circulando de acordo com leis fixas, e a terra e a água, num ciclo de mudança, têm substituído uma a outra, que, de uma origem tão simples, através do processo de gradual seleção de mudanças infinitesimais, uma infinidade das mais belas e maravilhosas formas tem evolvido" (Ensaio de 1842 - de Beer, 1971, p.87);

“Há uma grandeza [simples] nessa visão da vida com seus diversos poderes de crescimento, reprodução e sensação, tendo sido originalmente insuflados na matéria sob poucas, talvez em apenas uma forma, e que, enquanto este planeta tem seguido circulando de acordo com as leis fixas da gravidade e enquanto terra e água têm substituído uma a outra - de uma origem tão simples, através da seleção de infinitesimais variedades, uma infinidade das mais belas e maravilhosas formas tem evolvido”(Ensaio de 1844 - de Beer, 1971, p.254).

“Há uma grandeza nessa visão da vida, com seus diversos poderes tendo sido originalmente insuflados pelo criador em pocas formas ou numa; e que, enquanto esse planeta tem seguido circulando de acordo com as leis fixas da gravidade, de um início tão simples uma infinidade das mais belas e maravilhosas formas tenha evolvido e esteja evolvendo.” (Darwin, 1875, p.429)

A partir dos exemplos aqui examinados, pode-se então concluir com algumas indicações para um repensar do papel da metáfora no esclarecimento conceitual e estruturação (corroboração/sustentação) argumentativa da teoria darwiniana. A essa possibilidade é especialmente elucidativa a passagem que segue, na qual Darwin, ao comentar o modo de falar da maioria dos naturalistas sobre partes metamorfoseadas dos organismos, distingue sentido “metafórico” e “literal” (“real”):

“Os naturalistas frequentemente falam do crânio como se fosse formado de vértebras metamorfoseadas; das mandíbulas dos caranguejos como de pernas metamorfoseadas; dos estamens e pistilos nas flores como de folhas metamorfoseadas; mas, na maioria dos casos, como o Professor Huxley observou, seria mais correto falar, do crânio e das vértebras, das mandíbulas e das pernas, etc., não como tendo sido metarmofoseadas umas das outras, na sua forma atual, mas como metamorfoseadas de algum elemento comum e mais simples. A maioria dos naturalistas, todavia, usa uma tal linguagem apenas em sentido metafórico; estão longe de querer dizer que, durante um longo curso de descendência, órgãos primordiais de qualquer tipo - vértebras, num caso, e pernas, no outro - tenham atualmente sido convertidos em crânios ou mandíbulas. Todavia, tão forte é a aparência de que assim tenha ocorrido, que os naturalistas dificilmente podem evitar de empregar uma linguagem tendo essa plena significação. De acordo com as visões aqui mantidas, tal linguagem pode ser usada literalmente; e é em parte explicado o fato maravilhoso das mandíbulas de um caranguejo, por exemplo, reterem numerosos caracteres, que provavelmente teriam retido por hereditariedade, se tivessem sido realmente metamorfoseados de verdadeiras, embora extremamente simples, pernas.” (Darwin, 1875, p. 386)

Nessa passagem, em que podemos encontrar uma distinção em termos de “metafórico / literal (real)”, também podemos encontrar uma preciosa indicação para uma interpretação do papel cognitivo da metáfora que foge às análises tradicionais. Inicialmente, (1) há um reconhecimento de que os naturalistas usam o modo de falar metafórico como parte de seu trabalho rotineiro e fundamental, pois a utilizam na própria categorização e identificação de seu objeto de investigação, e (2) há o reconhecimento de uma distinção entre uso “metafórico” e “literal” da linguagem, esse último expressando uma condição “real”, ou seja, supostamente fundada no objeto enquanto tal e não no modo de falar sobre ele. No caso em apreço, tal condição estaria dada pela comunidade de descendência com modificação.

Todavia, também é reconhecido, nessa mesma passagem, que o uso da linguagem será “metafórico” ou “literal” em virtude da visão teórica que nela se faça presente e a conduza. As ressalvas de Huxley são aí sugestivas. Não há, pois, um critério absoluto, independente do modo de ver as coisas em questão, para o “metafórico” e o “literal” (“real”). Talvez o que esteja em jogo, ao ser referida tal distinção “metafórico / literal”, seja o confronto entre diferentes visões teóricas, redes de significações que, por sua vez, sofrem modificações, elucidações e alterações. É possível que a própria distinção seja um modo de falar acerca de diferentes momentos de elucidação e constituição teórico-explicativa no interior de uma mesma visão. A metáfora cumpre seu papel explicativo enquanto imagem que concentra toda uma riqueza de representação conceitual e sensível, ensejando desdobramentos. Esses desdobramentos, como antes referido, podem contribuir para esclarecimentos e mesmo suporte à teoria. Podem, em seu curso, de modo mais ou menos imediato, explícita ou implicitamente, intencionadamente ou não, compreender uma explicitação do teor e/ou fundamento da própria metáfora no contexto explicativo. Através de uma tal explicitação, o “metafórico” pode vir a se converter no “real”, não por uma simples troca de papéis, mas fruto de um processo elucidativo.

À luz desse processo, podemos retomar, num novo patamar de inteligibilidade, as ressalvas que Darwin faz, ao início de seu capítulo IV, ao modo metafórico de falar.

Naquele momento, trata-se de esclarecer os conceitos de Seleção Natural e de Natureza face às objeções levantadas contra o poder que é atribuído à Seleção Natural e, implicitamente, ao conceito de Natureza que a sustenta. Tais objeções passam agora a ser vistas como dirigindo-se, antes, a uma identificação apressada, não percorrido o devido caminho conceitual, daquele poder ativo de seleção com o poder de uma Divindade que previamente planeja e delibera, nas particulares fisionomias a serem assumidas por um “plano da Criação”5.. A legitimidade do falar da Natureza como um poder ativo e da Seleção Natural como expressão desse poder, permitindo ver quais seriam as impropriedades do modo de falar a ser ressalvado e como corrigí-las, dependerá da mediação oferecida pela “definição” de Natureza chamada mecanicista. Essa “definição” ou dimensão do que é concebido atende à operacionalização no plano concreto, fatual, daquele poder ativo, diretivo, escrutinador. Pode-se também entender em sua plenitude o dizer de Darwin de que a metáfora é um recurso quase necessário pela brevidade. Pode-se agora, penetrando no teor de seu papel explicativo, compreender melhor em que consiste essa brevidade. Trata-se de avaliar seu papel como o de uma fonte em que se condensa uma riqueza argumentativa capaz de, em seus desdobramentos, desvelar o “real” à base da expressão metafórica. Esse “estar à base” confere ao “significado que todos sabem” a que Darwin antes se referira, a condição de pano-de-fundo que, veladamente talvez, orienta a classificação e descobertas desse saber, permitindo uma (re)avaliação do próprio pano-de-fundo - da “visão” presente no uso da linguagem.

BIBLIOGRAFIA

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NOTAS

1 MACCORMAC (1987, Introduction). MacCormack admite o caráter cognitivo da metáfora, mas critica Lakoff, dizendo que Lakoff rouba à metáfora a distintividade de seu caráter cognitivo. As discordâncias entre ambas abordagens não afeta, porém, o suporte que, nem sempre pelas mesmas razões, podem prestar à análise aqui efetuada.

2 A diversidade dos procedimentos e estratégias argumentativas de Darwin são exploradas noutros trabalhos, dentre os quais minha tese de doutorado, “A natureza teleológica do princípio darwiniano de seleção natural: a articulação do metafísico e do epistemológico na Origem das Espécies” e o projeto de pesquisa que tenho em curso, “A novidade epistemológica da expliucação darwiniana”.

3 A analogia desempenha igualmente papel central na argumentação darwiniana, a partir da própria introdução do exame e defesa da “seleção natural” como poder análogo ao do homem, esse exercido na produção de raças domésticas, e como poder análogo ao do Criador. Em diversas circunstâncias, buscando ser o mais explícito possível, Darwin vem a explicitar a analogia que funda o uso metafórico de certas expressões e imagens do seu discurso. Nesses momentos, tanto a metáfora tem seu fundamento explicitado, como provê fundamento para uma sucessão de analogias e, através dessas, de esclarecimentos e/ou extensão da aplicação da hipótese central quanto à ação da seleção natural. Isso é o que se pode observar, por exemplo, na passagem em que compara o olho ao telescópio e, por esse caminho, fala do olho como sendo produzido por um processo análogo ao da produção do telescópio pelo intelecto humano. Fala então da seleção natural como sendo aquele processo produtor, com uma sabedoria superior à do homem, assim como facilmente podemos atribuir superioridade aos trabalhos do Criador frente aos do homem (Darwin, 1875, p. 146). Nesse movimento explicativo, a metáfora integra-se com o uso de outros procedimentos afins e complementares, como analogias e suposições imaginárias e/ou já discutidas no corpo teórico, entrando no jogo característico do eixo da argumentação darwiniana, na trama do atual (da evidência disponível) e do possível (da suposição que não é logicamente impossível e não é contradita pela evidência fatual), num crescente fortalecimento de seu argumento.

4 A condição tanto de um poder ativo e diretivo, como a de um “mecanismo”, a ser exibida pela produção de novas espécies a partir de outras, na Natureza, esteve desde o início da trajetória explicativa darwiniana. Já no Notebook B de 1837 nas suas entradas 37 e 38, registra:

“A respeito da extinção podemos facilmente ver que aquela variedade de avestruz, Petise, pode não ser bem adaptada e então perecer, ou, de outro lado, como Orpheus, sendo favorável, muitos poderiam ser produzidos. Isso requer o princípio de que variedades permanentes produzidas por intercruzamento confinado e circunstâncias cambiantes sejam contínuas e produzidas de acordo com a adaptação a tais circunstâncias e, então, a morte de uma espécie é uma conseqüência (contrária ao que poderia parecer da América) de não adaptação às circunstâncias” (Darwin, 1987, p.180).

E, nas suas entradas 63 e 64, e 72:

“...é uma geração de espécies como geração de indivíduos.. Por que um indivíduo morre, para perpetuar certas peculiaridades, (logo, adaptação), e para obliterar variedades acidentais, e acomodar-se à mudança, (pois, certamente, a mudança, mesmo em variedades, é acomodação). Agora, esse argumento aplica-se a espécies.-

Se um indivíduo não pode procriar, ele não tem descendência, e assim é com a espécie” (Darwin, 1987, p.187).

“Se espécies geram "outras espécies", a sua raça não é literalmente cortada: -...”(Darwin, 1987, p.189).

5 Essa era a visão dominante, ao tempo de Darwin, das explicações em termos de “causas finais”. Um exame da questão teleológica em Darwin ocupou-me no meu trabalho de tese já referido.

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* Trabalho apresentado, em versão reduzida, no VI Seminário Nacional da História da Ciência e Tecnologia, Rio de janeiro, 1997 e publicado nos seus Anais (pp.35-39).