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ANTÓNIO
DE MACEDO

FREI GIL FAUSTIANO
OU FAUSTO EGIDIANO?
ÍNDICE
7. A legenda de Teófilo

No entanto, o exemplo medieval mais correntemente invocado como paradigma deste formato «faustiano», que é o mesmo de S. Frei Gil, e o mais famoso, talvez por ser o primeiro em que o contrato é assinado com sangue, é o do vigário Teófilo, que viveu na região da Cilícia, na Ásia Menor, no século VI:

«A legenda de Teófilo está em português nas Cantigas de Santa Maria, e figura em duas versões latinas em outras tantas colectâneas de milagres marianos do Fundo Alcobacense da Biblioteca Nacional de Lisboa (Alc. 149 e Alc. 39). Por importantes que sejam estes três testemunhos […], eles não são prova demasiado abonatória para se poder pressupor recepção bastante larga da lenda em causa. A lenda de Frei Gil, por seu lado, tem sido apontada como produto autóctone e como anticipação da própria lenda de Fausto» (Nascimento 1992, p. 14).

A legenda de Teófilo parece ter tido origem pouco depois do Concílio de Éfeso, em 431 d.C., embora Jacobus de Voragine lhe atribua uma data mais tardia, concretamente o ano 537 d.C., na sua Legenda aurea (capítulo dedicado à «Natividade da Virgem Santa Maria»):

«No ano quinhentos e trinta e sete da Encarnação de nosso Senhor, havia um homem chamado Teófilo que era vigário de um bispo, no dizer de Fulbert que foi bispo de Chartres. Este Teófilo era ecónomo e administrava sabiamente os bens da igreja sob aquele bispo, e quando o bispo morreu, todo o povo proclamou que o vigário [Teófilo] devia suceder ao bispo. Mas ele respondeu que o ofício de ecónomo lhe chegava perfeitamente, e que o preferia muito mais do que se fosse feito bispo» (Voragine 1900, vol. 5, pp. 47 segs.).

Em consequência foi nomeado um novo bispo, e, na continuidade da história, ou da «legenda», damo-nos conta de que aquela atitude modesta e humilde escondia afinal uma cripto-arrogância e um orgulho nada cristãos que se ocultavam sob a aparência de falsa modéstia. Teófilo no fundo queria continuar a administrar os bens da igreja, e, como entretanto o novo bispo o despediu das funções que exercia e designou outro vigário para o efeito, Teófilo entrou em desespero. Foi então aconselhar-se com um judeu que tinha fama de mágico e feiticeiro; na presença de Teófilo o bruxo invocou o Diabo que apareceu imediatamente, e impôs as seguintes condições: Teófilo devia renegar Deus e a Virgem Maria, renunciar à sua profissão de fé cristã e escrever um pacto com o seu próprio sangue, e que o selasse com o anel sacerdotal que trazia no dedo e o entregasse ao Diabo. Teófilo assim fez, e no dia seguinte o novo bispo chamou-o e, por influência diabólica, reintegrou-o na dignidade das suas funções.

Como é proverbial nestes exempla, o bom do Teófilo mais tarde arrependeu-se do dislate que cometera, isto de perder a alminha por toda a eternidade não é brincadeira nenhuma, e então com muita contrição e muitas lágrimas dedicou-se à devoção à Virgem Maria a quem rezou fervorosamente. A Virgem finalmente atendeu-o, apareceu-lhe numa visão em sonhos, fê-lo confessar que Jesus Cristo é filho de Deus, e que reiterasse o firme propósito de se manter cristão. Ele assim fez e em sinal de perdão a Bem-Aventurada Senhora recuperou o pergaminho com o pacto que ele tinha entregue ao Diabo: Teófilo encontrou-o sobre o peito quando acordou na manhã seguinte. Cheio de alegria contou a sua história ao bispo e ao povo, e «todos deram graças à gloriosa Virgem, nossa Senhora, Santa Maria, e ao fim de três dias ele faleceu e descansou em paz» (Voragine 1900, vol. 5, ibid.).

 

Para uma bibliografia egidiana