:::::::::::::::ADELTO GONÇALVES
Um guia seguro da Literatura Portuguesa

A LITERATURA PORTUGUESA, de Massaud Moisés

35ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 576 págs., 2008, R$ 45,00.
E-mail: pensamento@cultrix.com.br

I

         Muito mais substanciosa e acrescida de mais de 200 páginas – assim está a 35ª edição, revista e atualizada, de A Literatura Portuguesa, do professor Massaud Moisés, guia seguro que desde 1960 tem ajudado a formar gerações de estudantes de Letras, hoje transformados em professores renomados na área. Melhor do que palavras, as sucessivas edições deste livro são a comprovação inequívoca da sua importância como um roteiro ou um manual erudito das obras decisivas e dos principais momentos da história literária de Portugal.

            Dividida em 17 capítulos – eram dez na 29ª edição, de 1997, já então revista e aumentada --, esta obra abrange todo o espectro daquilo que se pode entender por Literatura Portuguesa, desde quando o trovador Paio Soares de Taveirós compôs uma cantiga celebrizada como “cantiga de garvaia”, em 1198 ou 1189, endereçada a Maria Pais Ribeiro, também chamada A Ribeirinha, favorita de D.Sancho I (1154-1211), segundo rei de Portugal, à época do Trovadorismo. A partir daí, passa pelo Humanismo, Classicismo, Barroco e Arcadismo, Romantismo, chegando ao Realismo, Simbolismo e Modernismo.

            Aliás, nesta nova edição, o Modernismo (1915-Atualidade) é a parte que mais cresceu, abrangendo todas as tendências do século XX, como o Orfismo (1915-1927), o Presencismo (1917-1940), o Neorrealismo (1940-1974) e o Surrealismo (1947-1974), até as Tendências Contemporâneas (de 1950 até os dias atuais). Sem deixar de lado uma fase que denomina Interregno em que estão incluídas a poesia de Florbela Espanca (1894-1930) e a prosa de Aquilino Ribeiro (1885-1963), que, de certo modo, escaparam às influências dos movimentos em voga nas primeiras décadas do século anterior.

            Dessa maneira, além de autores revelados nas últimas décadas, outros ganharam mais espaço, enquanto alguns perderam o relevo alcançado em determinado período, “graças à perspectiva que os acontecimentos mais recentes suscitaram”, como diz o autor em nota à 35ª edição.

II

            Historiador das idéias – veja-se o livro As Estéticas Literárias em Portugal, três volumes (Lisboa, Editorial Caminho, 1997, 2000 e 2002) --, Moisés deteve-se, especialmente, nas tendências que movimentaram o século XX português, embora também tenha feito importantes inclusões em outras épocas, sempre tendo em vista o equilíbrio interno do panorama que ali se pretende oferecer. 

            Entre os presencistas – aqueles ligados à revista Presença, que circulou de 1927 a 1940, nascida em Coimbra por iniciativa dos então estudantes José Régio (1901-1969), João Gaspar Simões (1903-1978) e Branquinho da Fonseca (1905-1974)–, incluiu, desta vez, Tomaz de Figueiredo (1902-1970), romancista e poeta de muitos méritos, mas que só agora começa a ser devidamente valorizado. Embora não pertencesse ao grupo da revista Presença, Figueiredo, em seus poemas, fez não só numerosas referências aos adeptos e colaboradores da publicação como ainda retratou a geração coimbrã de seu tempo no romance Nó Cego (1950).

            Para corroborar o que se disse acima, é de assinalar que, em dezembro de 2007, a Universidade de Aveiro, por iniciativa do professor António Manuel Ferreira, publicou, na abertura da coleção Voltar a Ler, Tomaz de Figueiredo, coletânea de dez ensaios sobre a obra desse autor, entre os quais se destacam textos de J. Cândido Martins, Mónica Serpa Cabral, João Bigotte Chorão, José Carlos Seabra Pereira e do próprio Ferreira (organizador).

            Entre outros poetas ligados aos ideais presencistas, também foram acrescentadas referências a Saul Dias (1902-1983), irmão de José Régio, Alberto de Serpa (1906-1992), Carlos Queirós (1907-1949) e Edmundo de Bettencourt (1899-1973). No âmbito da ficção, foi lembrada a atividade de romancista e contista de João Gaspar Simões, que se destacou – com justa razão – mais como crítico, ensaísta e autor de uma extensa biografia de Fernando Pessoa (1888-1935).

III

...........Na parte dedicada ao Neorrealismo, além de manter o destaque dado a nomes eminentes do movimento, como Ferreira de Castro (1898-1974), Alves Redol (1911-1969), Fernando Namora (1919-1989), Manuel da Fonseca (1911-1993), Carlos de Oliveira (1921-1981) e Vergílio Ferreira (1916-1996), Moisés concedeu maior espaço à obra de Joaquim Soeiro Pereira Gomes (1909-1949), autor de Esteiros (1941), romance que se pode colocar ao lado de Gaibéus (1939), de Alves Redol, como um dos introdutores do movimento em Portugal, assinalando nas obras de ambos a importância do impacto da ficção do brasileiro Jorge Amado (1912-2001), que se pode sentir também em Faure Rosa (1912-1985), Manuel Ferreira (1917-1992), Alexandre Cabral (1917-1996), Alexandre Pinheiro Torres (1923-1999) e outros.

            É de notar, porém, que nem todos esses autores ficaram presos às ideias dos primeiros doutrinadores do Neorrealismo, fundadas no materialismo dialético, pois se ajustaram às conquistas literárias e extra-literárias que se afirmaram ao longo da segunda metade do século XX, ou seja, àquilo que Eduardo Lourenço definiu, em Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista (1968), como “segunda vaga neorrealista”, que se deu a partir de 1950, especialmente com o lento declínio da hegemonia marxista na antiga União Soviética.

            Na parte dedicada ao Surrealismo, além de rechear as biografias e analisar algumas obras de António Pedro (1909-1966), António Maria Lisboa (1928) e Alexandre O´Neill (1928-1986), o historiador literário acrescentou maiores referências a um nome que havia passado quase despercebido em edições anteriores, Natália Correa (1923-1993), e destacou outros menos renomados, como Henrique Rasques Pereira (1930), Artur do Cruzeiro Seixas (1921), António José Forte (1931-1988), Fernando Alves dos Santos (1928-1992) e Isabel Meyrelles (1929).

IV

             Dividida sob os títulos Tendências Contemporâneas I (1950-1970) e II (Geração de 70), a parte final de A Literatura Portuguesa foi, obviamente, a que mais cresceu, em razão de atualizações à que o autor se entregou com viagens seguidas a Portugal e a colaboração ultramarina de amigos fiéis como o embaixador Adriano de Carvalho, o escritor Luís Amaro e o diretor cultural da Editorial Caminho, de Lisboa, Zeferino Coelho.

            Em Tendências Contemporâneas I, o autor acrescentou minibiografias dos poetas Rui Cinatti (1915-1986), José Blanc Portugal (1914-2000), Tomaz Kim (1915-1967) e António Ramos Rosa (1924), precedendo a outros que estrearam na década de 50, como Raul de Carvalho (1920-1984), Sebastião da Gama (1924-1952), Albano Martins (1930), Fernando Guimarães (1928), Fernando Echevarria (1929), Alberto de Lacerda (1928-2007), Luís Amaro (1923), José Terra (1928) e Hélder Macedo (1935), além de breves referências a alguns nomes, entre os quais se destaca o de José Augusto Seabra (1937-2004), que, por certo, há de merecer maior espaço numa próxima edição.

            Entre os que estrearam na década de 60, destacam-se os nomes de Luiza Neto Jorge (1939-1989), Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007), Gastão Cruz (1941), Maria Teresa Horta (1937) e Casimiro de Brito (1938), incluídos no grupo Poesia 61, surgido em Faro e que teve em Gastão Cruz o seu doutrinador.

            Depois de Poesia 61, vem a poesia experimental que também ganhou maior (e merecido) espaço nesta 35ª edição, com destaque para figuras como E.M. de Melo e Castro (1932), Ana Hatherly (1929) e Salette Tavares (1922-1994). Simultaneamente às correntes de vanguarda, Moisés não deixou de assinalar a presença nos anos 60 de uma nova onda neorrealista, reunindo nomes bem conhecidos como Fernando de Assis Pacheco (1937-1995), José Carlos de Vasconcelos (1940) e Manuel Alegre (1936).

            Dentro do que denomina outras vertentes poéticas, o autor, além de manter destaque para José Gomes Pereira (1900-1985), Jorge de Sena (1919-1978), Sofia de Melo Breyner  Andersen (1919-2004), Eugênio de Andrade (1923-2005) e Herberto Hélder (1930), incluiu David Mourão-Ferreira (1927-1996), Antônio Manuel Couto Viana (1923), Pedro Tamen (1934), Antônio Gedeão, pseudônimo de Rômulo de Carvalho (1906-1997), Rui Belo (1933-1978) e João Rui de Sousa (1928), embora outros nomes também merecessem referência.

            Por fim, em Tendências Contemporâneas II, que abrange a geração de 70, o acréscimo de novos nomes foi substancioso, de 26 páginas, o que indica que as três últimas décadas do século XX permitiram o surgimento de uma plêiade de poetas inspirados, provavelmente em função dos ares de liberdade política trazidos pela revolução de abril de 1974, que pôs fim a um regime fascista que durava desde os anos 20.

            Entre os muitos nomes de poetas lembrados, destacam-se os de Joaquim Manuel Magalhães (1945), João Miguel Fernandes Jorge (1943), Antônio Osório (1933), Armando Silva Carvalho (1938), Vasco Graça Moura (1942), José Agostinho Barata (1948), Antônio Franco Alexandre (1944), Manuel Antônio Pina (1943), Helder Moura Pereira (1949), Luiz Miguel Nava (1957-1995), Al Berto (1948-1997), Ana Luísa Amaral (1956), Luís Filipe Castro Mendes (1950), José Jorge Letria (1951) e, entre os mais jovens, Paulo Teixeira (1962), Francisco José Viegas (1962) e Pedro Mexia (1972).

            Entre esses, um nome que, sem dúvida, destaca-se é o de Vasco Graça Moura, poeta não só erudito como estudioso das formas da poesia – e não apenas intuitivo como tantos – que transita com facilidade pelas formas fixas de longa duração, como a sextina e o soneto, tradicional e à inglesa, como pratica as artes da intertextualidade, dialogando com poetas canonizados como Camões (c.1524-1580), Dante (1265-1321), Shakespeare (1564-1616) e, por que não?, Jorge Luís Borges (1899-1986), além de ser romancista de primeira qualidade e autor de ensaios e peças de teatro.

V

            A última seção da parte dedicada a Tendências Contemporâneas II está reservada à prosa com a atualização das referências de nomes já consagrados, como Luís Forjaz Trigueiros (1915-2001), Domingos Monteiro (1903-1980), João de Araújo Correia (1899-1985), Joaquim Paço d´Arcos (1908-1979), Urbano Tavares Rodrigues (1923), José Cardoso Pires (1925-1999), Augusto Abelaira (1926-2003), Rubem A. (1920-1975), Almeida Faria (1943), Álvaro Guerra (1936-2002) e Nuno Bragança (1929-1985), aos quais foram acrescidos Antônio Rebordão Navarro (1933), João de Melo (1949), Antônio Alçada Baptista (1927), Mário de Carvalho (1944), Paulo Castilho (1944) e Gonçalo M.Tavares (1970).

            De Augusto Abelaira, é de lembrar que seu trabalho também tem sido resgatado nos últimos tempos por estudiosos universitários portugueses e brasileiros, como prova a coletânea de 15 ensaios que leva o seu nome, organizada por Paulo Alexandre Pereira e lançada em dezembro de 2008 pela Universidade de Aveiro como segundo livro da coleção Voltar a Ler.

            Entre as prosadoras, além das conhecidas Agustina Bessa Luís (1922), Maria Judite de Carvalho (1921-1998), Yvete K. Centeno (1940), Maria Isabel Barreno (1939) e Maria Velho da Costa (1938), há a inclusão de outras escritoras que apareceram nos anos 60, como Maria Ondina Braga (1932-2003), Olga Gonçalves (1929-2004), Wanda Ramos (1948-1998) e Eduarda Dionísio (1946).

            Para quem sentiu a falta de José Saramago (1922), é de assinalar que a referência ao Prêmio Nobel de 1998 está na parte reservada à ficção pós-25 de abril, muito mais desenvolvida nesta 35ª edição. Aqui aparecem ainda Antônio Lobo Antunes (1942), Mário Cláudio (1941), Dinis Machado (1930), Baptista-Bastos (1934), Antônio Mega Ferreira (1949), Fernando Campos (1924) e outros. Entre as ficcionistas, Lídia Jorge (1946), Teolinda Gersão (1940), Maria Gabriela Llansol (1931), Clara Pinto Correia (1960), Luísa Costa Gomes (1954), Inês Pedrosa (1962) e outras tantas.

            Encerrando o volume, há ainda uma seção reservada à atividade cênica em que aparecem citações de peças escritas por muitos romancistas, além daqueles que foram tão somente dramaturgos. Enfim, trata-se de um balanço da produção lusa através dos tempos indispensável ao estudioso de Literatura Portuguesa, não só porque rigorosamente revisto e atualizado como por oferecer interpretações absolutamente seguras de quem, de fato, conhece a fundo todas as obras de que trata. Escrita de maneira direta e sem academicismos, é obra de fácil leitura que está também à disposição do grande público.

            Professor titular da Universidade de São Paulo, Massaud Moisés foi professor visitante nas universidades de Wisconsin, Indiana, Valderbilt, Texas, Califórnia e Santiago de Compostela. Alguns dos seus livros, consagrados à teoria literária e às literaturas em vernáculo, constituem referência obrigatória para estudantes e estudiosos destas matérias como evidenciam as sucessivas edições que têm merecido A Criação Literária - Prosa 1 e 2, A Criação Literária - Poesia, A Análise Literária, Dicionário de Termos Literários, A Literatura Portuguesa Através dos Textos e O Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, todos publicados pela Cultrix.

Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br