CUNHA DE LEIRADELLA
O CIRCO DAS
QUALIDADES HUMANAS



Longa metragem

INDEX

Nota preliminar
Narrativas
Personagens (ordem alfabética)
Figuração
Perfil dos personagens

ROTEIRO:

01-15
16-18
19-25
26-32
33-34
35-37
38-40

41-43
44-45
46-50
51-58
59-62
63-67
68-70

71-72
73-79
80-83
84-91
92-101
102-110
111-121

 

68 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.

 

Parte dos membros da equipe fotográfica levantam-se e começam a dançar. Carioca, Preto e Nilo continuam no mesmo lugar.

 

PRETO (A Nilo)

- Se tu abrir o bico, portuga...

NILO

- Pelo amor de Deus, Seu Preto, eu não tenho nada com isso, não.

 

Tremendo, Nilo passa a toalha na cara e no pescoço.

NILO

- Eu juro pelas santas almas...

PRETO

- E tu tem alma, porra?

CARIOCA (A Preto)

- Cala essa boca! (A Nilo.) Se manda.

PRETO

- Mas tu num...

CARIOCA

- Ô, porra! Num tá vendo a merda que vai dar? (A Nilo.) Vai. Vai. (A Preto.) Saca ele. Se piscar, já viu! (A Nilo.) Me traz uma cerveja. Mas tu mesmo!

 

Corta para Preto e Nilo afastando-se. Nilo pega copos e uma garrafa de cerveja e outra de cachaça. Preto observa-o e, quando o vê dirigir-se para a mesa de Carioca, aproxima-se de Lisa, que dança com um dos membros da equipe fotográfica. Preto, num gesto malandro, bate no ombro do par de Lisa.

 

PRETO

- Ô.

 

Lisa olha Preto e sorri, e pára de dançar.

 

PRETO

- A moça tem compromisso, tá vendo, não?

 

O homem olha Preto. Preto olha-o, desdenhoso, e ele afasta-se.

 

PRETO

- Sujeitinho besta.

 

Preto fica parado na frente de Lisa e olha-a de alto a baixo.

 

PRETO (Sorrindo, com aprovação)

- Material, ó! Como é seu nome, fulô?

LISA (Rindo)

- Lisa.

PRETO

- Lisa? Liso sou eu, puta que pariu!

 

Lisa ri e Preto arrasta-a para a dança. Corta para Carioca e Nilo. Nilo serve uma dose de cachaça. Carioca serve o santo e bebe.

 

CARIOCA (Bonachão)

- Outra, Seu Nilo.

 

Nilo serve. Carioca serve o santo e bebe. Nilo enche o copo outra vez, sem olhar Carioca. Como se, não olhando para ele, Carioca não percebesse a intenção. Carioca olha o copo cheio de cachaça e olha Nilo.

 

CARIOCA

- Quê que há, ô? Cerveja, porra!

 

Carioca olha Nilo de soslaio e aponta a cadeira que está ao lado.

 

CARIOCA

- Senta aí!

 

Nilo abre a garrafa e enche o copo. Carioca bebe. Nilo puxa a cadeira que está de frente para a porta. Carioca, com um gesto, mostra a cadeira ao lado dele. Nilo passa a toalha na cara e no pescoço, senta e bebe um gole de cachaça.

 

CARIOCA (Sorrindo)

- Valeu, Seu Nilo! Home que é home, num caga fino, não!

 

Carioca bebe o resto da cerveja e Nilo enche o copo.

 

NILO (Procurando ganhar tempo)

- Mas de que parte os amigos conhecem Seu Chicão?

CARIOCA

- A gente conhece ele lá do Rio. Por quê? Algum...

NILO (Rápido)

- Nada! Nada!

CARIOCA

- A gente só veio pra acertar umas contas.

NILO (Ainda procurando ganhar tempo)

- É. Contas são contas. Coisa sagrada.

 

Carioca não responde.

 

NILO (Sempre procurando ganhar tempo)

- Agora, Seu Chicão tá aposentado.

 

Carioca continua sem responder.

 

NILO (Mesmo tom)

- Seu Chicão é boa gente.

 

Carioca continua calado.

 

NILO (Mesmo tom)

- Veio pra cá, casou aqui... Casou até bem...

 

Nilo vê que Carioca olha para ele, fixamente, e, tremendo, fala rápido.

 

NILO

- Bem, quer dizer, moça de família. Tem até filho.

CARIOCA (Seco)

- Que mais que tu sabe dele?

NILO (Mesmo tom)

- O que todo mundo diz. Bom marido, bom pai, bom amigo...

CARIOCA (Cortando, com força)

- Tu num conhece o amigo que tem, não, caralho!

 

69 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Eduardo, usando a mesma roupa da seqüência 67, está parado em outra ruela, absorto, o olhar perdido no infinito. De repente, olha o cigarro que tem na mão, como se estranhasse estar fumando, e faz o gesto de o jogar no chão. Mas pára o movimento e, devagar, puxa uma tragada profunda e começa andando.

 

70 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Eduardo, dobra a esquina e, de repente, vê um vulto parado debaixo da padieira de uma porta. É Helena. Eduardo pára e Helena aproxima-se, saindo da escuridão, e usando um vestido cor de rosa.

 

HELENA

- Você demorou, Eduardo.

 

Eduardo olha Helena durante algum tempo.

 

EDUARDO

- É. Demorei, sim.

HELENA

- Por quê que demorou?

 

Eduardo não responde. Helena olha-o e sorri.

 

HELENA

- Medo?

EDUARDO (Desafiador)

- Medo? Medo de quê?

 

Helena não responde, apenas continua sorrindo. Eduardo olha-a durante alguns instantes e tapa o rosto com as mãos, como se quisesse esconder os pensamentos. Tira as mãos do rosto e olha o chão.

 

EDUARDO

- Eu ainda não sei quem você é. (Olha Helena.) Mesmo que você fosse...

HELENA (Sorrindo)

- Você sabe quem eu sou, Eduardo. Eu já disse. Eu sou Helena.

EDUARDO (Com desespero)

- Não. Ninguém sabe quem você é.

HELENA

- Você sabe (frisa a palavra sabe), Eduardo.

EDUARDO (Tapando o rosto com as mãos)

- Não. Não sei. Quero saber, quero ter certeza, mas não sei.

 

Helena olha Eduardo, fixamente, durante algum tempo, e tira-lhe as mãos do rosto. Eduardo está imóvel e olha o chão.

 

HELENA

- O que importa mais, Eduardo? Ter certeza ou ser feliz?

 

Eduardo continua olhando o chão, sem responder, e Helena começa andando. Eduardo levanta a cabeça e olha Helena, afastando-se, e, após um segundo de hesitação, segue-a.