CUNHA DE LEIRADELLA
O CIRCO DAS
QUALIDADES HUMANAS



Longa metragem

 

INDEX

Nota preliminar
Narrativas
Personagens (ordem alfabética)
Figuração
Perfil dos personagens

ROTEIRO:

01-15
16-18
19-25
26-32
33-34
35-37
38-40

41-43
44-45
46-50
51-58
59-62
63-67
68-70

71-72
73-79
80-83
84-91
92-101
102-110
111-121

 

51 - COLONIAL HOTEL. APARTAMENTO DE EDUARDO. INTERIOR. NOITE.

 

Eduardo, com a mesma roupa da seqüência 49, está encostado na janela, fechada, fumando. Toca o telefone na mesa-de-cabeceira. Eduardo joga o cigarro no chão e atende no primeiro toque.

 

EDUARDO (Ansioso)

- Alô! (Decepcionado) Sim, Fábio. O quê? Não esqueci, não. Não, não. Não foi isso, não. É que eu tive... Não, não. Tá tudo bem. Amanhã, a gente vai. Sem falta. Sim, mesma hora. Certo. Obrigado, Fábio. Pra você também.

 

52 - COLONIAL HOTEL. RESTAURANTE COVA DO DANIEL. INTERIOR. NOITE.

Ulysses está jantando numa mesa junto da parede. Só. Maria Germana e a equipe fotográfica ocupam uma mesa grande, no centro do salão. Conversas em voz alta, risos. Maria Germana olha Ulysses e os olhares cruzam-se. Maria Germana sorri e escreve algo no guardanapo de papel. Chama um garçom e manda entregar o torpedo a Ulysses. Ulysses lê e, curioso, olha Maria Germana, que continua sorrindo.

 

53 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.

 

O bar iniciou a jornada da noite. Mesas lotadas, música, barulho, risos, falas em voz alta, bêbados encostados no balcão, mulheres circulando e uma moça tomando conta da caixa. Carioca e Preto pararam de jogar e, sentados, observam o ambiente e conversam em voz baixa. Entram os membros da equipe fotográfica. Olhares de desejo dos homens e de inveja das mulheres. Jofre corre e afasta mesas e cadeiras, e consegue arrumar lugar para todo mundo sentar. Preto pára de conversar e olha as modelos.

 

PRETO (Rindo)

- Tá pra nós, meu irmão! Tá pra nós!

 

Lisa, uma das modelos, olha-o e sorri. Preto ri e esfrega as mãos, e cutuca Carioca.

 

PRETO

- Ó, só, meu irmão! Ó, só! Ó, só, que pé de boceteiro.

CARIOCA

- Será que num pode ver mulher, não, puta que pariu?!

PRETO

- E tu pode? Xacomigo, meu irmão! Xacomigo! Xacomigo, que, na hora, tu vai ver.

 

54 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Eduardo, com uma roupa diferente da seqüência 51, anda, devagar, por uma ruela, fumando, olhando as portas e janelas das casas, como se procurasse alguma coisa. De repente, aparece uma esquina e Eduardo pára. Hesita alguns segundos, mas começa andando e dobra a esquina.

 

55 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Eduardo acaba de dobrar a esquina e olha a ruela à sua frente. As casas são todas parecidas. O ambiente tem algo de onírico e Eduardo parece estranhar isso. De repente, Eduardo pára, o olhar fixo numa das portas. Envolto em sombras, percebe-se um vulto de mulher. Ansioso, Eduardo aproxima-se. O vulto sai da sombra. É Helena.

 

HELENA

- Viu? Você quis e eu voltei.

EDUARDO (Como se falasse consigo mesmo)

- É verdade. Realmente, eu quis.

HELENA (Mesmo tom)

- Eu sei. Por isso, eu tô aqui.

EDUARDO (Mesmo tom)

- Mas eu ainda não...

HELENA (Cortando, mas suave)

- E isso importa, Eduardo? O importante é que você quis e eu voltei.

EDUARDO (Como que irritado consigo mesmo)

- Eu sei que fui eu que quis, mas...

HELENA (Irônica, mas carinhosa)

- Eu vim sem avisar, não foi? Sabe qual é o seu problema, Eduardo? Você diz que sabe o que é felicidade, mas tem medo de ser feliz.

 

Passam Janaína e Marilene. Ao verem Eduardo parado, olham-no, desconfiadas, e andam mais depressa. E não parecem ver Helena. Eduardo olha Helena, fixamente, durante alguns segundos, como se quisesse apreender o significado mais profundo do que está acontecendo.

 

EDUARDO (Como se pensasse em voz alta)

- Não é possível. Eu nunca...

HELENA

- Nunca? O que é nunca, Eduardo?

 

Eduardo não responde.

 

HELENA

- Você tem medo porque não sabe quem eu sou? É isso?

 

Eduardo não responde. Helena olha-o, durante algum tempo, e, depois sorri, abanando a cabeça.

 

HELENA

- Se você não pensasse tanto, Eduardo, você me veria como eu sou.

 

Helena pega na mão de Eduardo e puxa-o, e os dois começam andando.

 

56 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Bosco caminha devagar, as mãos nos bolsos, encolhido, olhando um cão vadio que anda na sua frente, abanando o rabo. Em sentido contrário, vêm Fábio e Marilene, de mãos dadas. Bosco não os vê, os olhos fixos no cão.

 

VOZ DE BOSCO

- Eu tenho que esquecer. E vou esquecer e não vou ser de mais ninguém. Mas quem vai se interessar pelo que você tem a dizer?

 

Fábio e Marilene param na frente de Bosco e Marilene tira a mão da mão de Fábio.

 

FÁBIO

- Pôxa! Quase tromba na gente!

BOSCO (Com espanto, quase medo)

- Hem?!

FÁBIO

- Vai pra onde?

 

Bosco não responde. Baixa a cabeça e olha o cão, que se afasta.

 

VOZ DE BOSCO

- Um cão vagando...

FÁBIO

- Bosco...

 

Bosco olha Marilene, fixamente.

 

VOZ DE BOSCO (Continuando)

-... em busca de carinho, cão danado...

 

Fábio, preocupado, segura Bosco por um braço.

 

FÁBIO

- Bosco, você tá bem? Bosco!

 

BOSCO (Como se acordasse de repente)

- Tô. Tô.

FÁBIO

- Quer que...

 

Num gesto brusco, Bosco solta-se e afasta-se de Fábio.

 

BOSCO

- Não! Precisa, não!

 

Marilene sorri e olha Bosco, e passa um braço na cintura de Fábio.

 

FÁBIO

- Quer vir?

BOSCO (Seco)

- Não.

FÁBIO

- Então, tchau. E se cuida, viu?

 

Bosco não responde e Fábio e Marilene afastam-se. Marilene ainda com o braço na cintura de Fábio, mas rebolando as cadeiras, como se quisesse provocar Bosco.

 

57 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.

 

Mesmo ambiente da seqüência 53. Carioca e Preto continuam bebendo.

 

PRETO

- Será que pintou sujeira?

CARIOCA

- Que sujeira, porra?

PRETO

- Alguém dedurou...

CARIOCA

- E quem, porra?

 

Carioca olha à volta e aponta Jofre, fora da cena.

 

CARIOCA

- O viadinho num tá ali?

PRETO

- Sei lá.

CARIOCA

Calma.

PRETO

- Calma, o caralho! Já tô é de saco cheio!

CARIOCA

- E eu num tô, porra?

 

58 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Bosco continua caminhando, cabisbaixo.

 

VOZ DE BOSCO

- Me and a girl, passeando. I don’t remember quem era, but I desire your love pra mim.

 

Noca está encostado no vão de uma porta e chama Bosco, quando ele passa.

 

NOCA

- Oi, bicho.

 

Bosco pára, mas não parece reconhecer Noca.

 

NOCA

- Ei, ô! Noca, pô!

 

Bosco continua olhando Noca, ainda parecendo não reconhecê-lo.

 

VOS DE BOSCO

- I desire...

NOCA

- Ligadão, bicho?

 

Bosco não responde.

 

VOZ DE BOSCO

- ... your love...

NOCA

- Tá a fim?

 

Bosco continua calado.

 

VOZ DE BOSCO

- ... pra mim.

 

Noca abre a porta da casa.

 

NOCA

- Vamo nessa, bicho!

 

Bosco olha a porta aberta, absorto, como se não a visse, e não responde. Noca pega um braço de Bosco e puxa-o.

 

NOCA

- Vamo!

 

Noca empurra Bosco para dentro e fecha a porta.