CUNHA DE LEIRADELLA
O CIRCO DAS
QUALIDADES HUMANAS



Longa metragem

INDEX

Nota preliminar
Narrativas
Personagens (ordem alfabética)
Figuração
Perfil dos personagens

ROTEIRO:

01-15
16-18
19-25
26-32
33-34
35-37
38-40

41-43
44-45
46-50
51-58
59-62
63-67
68-70

71-72
73-79
80-83
84-91
92-101
102-110
111-121

 

44 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. DIA.

 

O bar já está mais cheio. Eduardo, Fábio e Marilene bebem cerveja. Numa mesa próxima também estão Marcos e Silviano. Carioca e Preto continuam jogando sinuca. Uma mulher jovem, bonita, sai do banheiro e passa junto da mesa. É Dalva, moça de programa, que faz ponto no Bar do Campo. Preto olha-a e assobia. Ela olha Preto com desdém e senta-se numa mesa junto da porta. Chama Jofre. Jofre aproxima-se.

 

DALVA

- Seu Jofre, o Quim...

JOFRE

- Ele disse que não vem hoje, não, Dalva.

DALVA (Sorrindo, como que aliviada)

- Então me traz um guaraná, Seu Jofre. Mas diet, viu?

 

Corta para Eduardo, Fábio e Marilene. Percebe-se que Marilene se vestiu e maquiou para o encontro. Eduardo e Fábio usam roupa esporte. Eduardo acaba de beber e ainda tem o copo na mão.

 

EDUARDO

- Como eu tava dizendo, um bom profissional...

MARILENE (Cortando)

- Mas, aqui, pra Fábio, não tem mais nada. Aqui...

 

Eduardo olha Marilene e coloca o copo em cima da mesa.

 

EDUARDO

- O que eu queria dizer, é que, se Fábio acha melhor ficar aqui, a opção deve ser dele. Cada um deve fazer sempre aquilo que acha que é certo.

MARILENE

- Mas, ficar aqui, pra quê? Pra morrer pastando?

FÁBIO

- Marilene...

MARILENE (Enfática)

- É isso mesmo, Fábio! Aqui você nunca vai ser nada! (A Eduardo.) Por isso, é que eu disse a ele, Fábio, já que esse senhor é teu amigo, quem sabe ele pode...

FÁBIO (Cortando)

- Marilene, o Dr. Eduardo não veio a Congonhas pra isso. Por favor!

 

Marilene cala-se. Fábio, ainda constrangido, bebe um gole e coloca o copo em cima da mesa.

 

FÁBIO

- E o nosso passeio de logo mais, Dr. Eduardo? O senhor ainda...

EDUARDO

- Mas é claro! A menos que...

FÁBIO (Enfático)

- Mas de jeito nenhum, Dr. Eduardo! De jeito nenhum! (A Marilene.) Logo mais eu vou mostrar Congonhas pro Dr. Eduardo. É a primeira vez que ele vem aqui e...

 

Marilene, amuada, pega o copo e bebe, e Fábio cala-se. Percebe-se um certo constrangimento no ambiente.

 

EDUARDO

- Fábio, se você não puder...

FÁBIO (Cortando, enfático)

- Mas é claro que eu posso, Dr. Eduardo! É claro que eu posso!

 

Marilene olha Fábio, ressentida. Fábio desvia o olhar.

 

VOZ DE PRETO

- Ô!

 

Corta para Carioca e Preto. Preto aponta a garrafa de cerveja , na mesa ao lado do bilhar.

 

PRETO

- Ó.

 

Corta para Jofre, correndo para pegar uma garrafa de cerveja.

 

VOZ DE CARIOCA

- Tô pensando.

 

Corta para Carioca e Preto. Preto deitado sobre a mesa, avalia a dificuldade da jogada. Carioca, aprumado no taco, olha Preto.

 

CARIOCA

- Sabe o quê que a gente vai fazer, quando esta porra acabar?

 

Preto olha Carioca, sem sair da posição.

 

CARIOCA

- Já bolei tudo. Numa boa!

 

Preto continua olhando Carioca.

 

CARIOCA

- Seqüestro.

 

Preto pula da mesa.

 

PRETO

- Porra, meu irmão! Que piração...

CARIOCA (Cortando)

- Piração porra nenhuma. Seqüestro é que dá grana. Tá vendo aquela zinha lá?

 

Corta para Marilene, ainda amuada.

 

VOZ DE CARIOCA

- Quanto acha que ela vale?

 

Corta para Carioca e Preto.

 

PRETO (Rindo)

- Aquilo? Se valer, vale uma foda. E olhe lá!

CARIOCA

- Tu só pensa nisso.

PRETO

- E tu só diz besteira. Seqüestro é pra quem pode. Pra quem tem amigo na polícia, ou tu pensa que...

CARIOCA (Cortando)

- Quando a gente acabar, tu vai ver.

PRETO

- Quando esta merda acabar, eu quero é sombra e água fresca, meu irmão!

CARIOCA

- Eu quero é grana. Tirar o pé da lama e viver que nem bacana. Fodendo todo mundo e cagando na polícia, entendeu?

 

Preto olha as bolas, preparando-se para fazer a jogada.

 

PRETO

- E eu não?

CARIOCA

- Então, fica frio. Fica frio, que o que mais tem por aí é babaca dando sopa.

 

Preto olha Carioca, durante alguns instantes, e abana a cabeça, num gesto de incredulidade.

 

45 - CASA DE BOSCO. QUARTO DELE. INTERIOR. DIA.

 

Bosco está sentado na cama, olhando a parede, onde ainda parece mexer-se a figura da seqüência 40.

 

VOZ DE BOSCO

- O universo não cresce. As estrelas é que brilham.

 

A porta abre e entra Fábio.

 

FÁBIO

- Mamãe disse que você tava aqui, e eu... E aí? Como é que você tá, hem? Tudo em cima?

 

Bosco não responde.

 

VOZ DE BOSCO

- A imagem é vida, o movimento é suicídio.

FÁBIO

- Desculpa não ter ido te apanhar, mas é que eu fiquei por conta de um cara, um engenheiro que veio de São Paulo, e ele me alugou o dia todo.

 

Fábio cala-se. Bosco continua calado, imóvel, olhando a parede.

 

VOZ DE BOSCO

- O prazer...

FÁBIO

- Mas, me conta, sô!

VOZ DE BOSCO (Ao mesmo tempo)

- ... não está no movimento.

FÁBIO (Continuando)

- Mamãe disse que você veio de vez. É verdade? Mas você não vai estranhar nada, não. A não ser alguns porras-loucas que se mandaram, o resto tá todo mundo por aí. Noca, que estudou com você em Belo Horizonte, Serjão, Mico Rei, Tatu... Lembra de Tatu?

VOZ DE BOSCO (Ao mesmo tempo)

- As palavras...

FÁBIO (Continuando)

- Tatu casou.

VOZ DE BOSCO (Continuando, ao mesmo tempo)

-... são apenas movimentos.

FÁBIO (Continuando)

- Se amarrou na filha de Seu Tonho, Nisinha, aquela baixinha, dentucinha, lembra dela? Dava pra todo mundo, lembra, não? Pois Tatu se amarrou nela, veja só!

 

Bosco continua olhando a parede e Fábio cala-se.

 

VOZ DE BOSCO

- A viagem do verbo pára na gramática.

FÁBIO

- Hoje, eu tive um dia do cacete. Marilene me aprontou uma, que eu vou te contar! Você sabe que Marilene sempre quis sair daqui e sempre me aporrinhou por causa disso. Mas, hoje, ela passou das marcas, puta que pariu! Imagina que távamos lá no Bar do Campo e ela queria, porque queria, que o tal cara me arrumasse um emprego lá em São Paulo. E eu puto, e ela nada. Mas, aí, eu dei um chega pra lá e pronto. Ficou puta, mas valeu. Pô, ainda nem casou e já quer montar na gente!

 

Bosco fecha os olhos e Fábio cala-se, como se não soubesse mais o que dizer, e olha a porta.

 

FÁBIO

- Bem. Deixa eu...

 

Fábio dá um passo na direção da porta, e ela abre e entra Jussara. Jussara, ao ver Fábio, pára, espantada e, ao mesmo tempo, contrariada. Como se não imaginasse poder encontrar Fábio no quarto de Bosco.

 

JUSSARA (A Fábio)

- O jantar já tá pronto.

FÁBIO

- Já?

JUSSARA (Seca)

- Já.

FÁBIO

- Então, deixa eu ir, que...

 

Fábio sai, quase correndo. Jussara olha Bosco e olha a porta. Fecha-a e encosta-se nela. Bosco abre os olhos e fixa-os na parede.

 

JUSSARA

- Bosco.

 

Bosco não responde e Jussara aproxima-se.

 

VOZ DE BOSCO

- Eu não quero...

JUSSARA

- Bosco.

 

Bosco continua sem responder e Jussara toca-lhe o rosto com a ponta dos dedos.

 

VOZ DE BOSCO (Continuando)

- ...que me...

JUSSARA

- Bosco.

 

Bosco não se mexe e Jussara encosta-se nele, tapando a visão da parede.

 

VOZ DE BOSCO (Continuando)

... castrem..

JUSSARA

- Bosco.

 

Bosco continua na mesma posição e Jussara puxa a cabeça dele contra o regaço.

 

VOZ DE BOSCO (Continuando)

- ... com bocetas que eu não fodo.

JUSSARA (Gritando)

- Bosco!

 

Jussara aperta a cabeça de Bosco, com força, contra o corpo. Bosco não corresponde e Jussara, descontrolada, bate nele. Mas não é uma agressão. Na verdade, Jussara agarra-se a Bosco, com desespero. Como se estivesse purgando, com aquela violência, o sentimento da culpa que sente por desejar o irmão.

 

VOZ DE BOSCO (Gritando, a cada batida de Jussara)

- Mas que eu quero! Que eu desejo!