Reduções Jesuíticas
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SELSON GARUTTI:
As reduções jesuíticas dos guaranis
Uma utopia evangelizadora nos séculos XVI e XVII

Selson Garutti
As reduções jesuíticas dos guaranis
Uma utopia evangelizadora nos séculos XVI e XVII

Resumo

Este trabalho pretende analisar o modelo de evangelização mais bem planejado, aperfeiçoado e aplicado, com relevante êxito desenvolvido na América, pelos jesuítas.

Trata-se das missões, as quais abarcam uma grande extensão de terras na antiga província chamada Itatim.

Baseando nas estruturas de Redução jesuítica dos guaranis, onde os jesuítas tencionavam converter à fé católica todos os nativos da América, pode-se perceber que as reduções apresentavam um modelo catequético de missão evangelizadora profundamente organizado e devidamente amparado pelo aparato hierárquico institucional, o qual dava respaldo técnico-administrativo para a sua boa consecução.

Unitermo: Guarani; redução; utopia, jesuíta.

Introdução

Pretendendo neste trabalho aproximar-mo-nos das nações de modelo evangelizador dos jesuítas na antiga província do Itatim, hoje zona pertencente ao Pantanal Matogrossense, para além do interesse histórico, poder conhecer o modelo de missão evangelizadora que elas produziram, com os erros e acertos dentro de uma realidade histórica concreta. Certos que esta análise sucinta, apoiados numa verdadeira memória histórica, poderá iniciar um questionamento da prática evangelizadora na América Latina tanto naquele tempo quanto neste.

Analisando esse processo histórico a partir de uma opção consciente pelos pobres e marginalizados, podendo assim ir discernindo as noções das utopias concretizadas pelo processo de evangelização encarnados nas realidades dos condicionamentos históricos, políticos, culturais e religiosos. Certos de que hoje a utopia desejada, pela qual lutamos, consiste numa luta por um mundo mais justo e fraterno, o qual passa necessariamente pela luta a favor dos mais pobres e marginalizados pelo sistema de exploração capitalista.

I- Aspectos territoriais
A província do Itatim, também chamada de Paraguai, era um território muito extenso, incluindo grande extensão de terras brasileiras, uruguaias e bolivianas. O empreendimento missionário das reduções jesuíticas da República dos guaranis ocupava uma grande parte desta extensão às margens do Rio Paraná e Uruguai.

As reduções foram formando novas unidades, proliferando-se em todas as partes do Itatim. Sua estrutura social, política e econômica era baseada na concepção das Cidades-Estados da Antigüidade Clássica, no sentido de serem autônomas e de auto gerenciamento, independentes umas das outras.

II. A administração espanhola
A Espanha tentava gerir essas reduções através da criação de instrumentais burocráticos de controle coercitivo, entre os quais pode-se citar a criação do Conselho das Índias em 1511, tentando assim controlar todas as relações da província sobre assuntos de administração e legislação. Em 1503, cria-se a casa da contratação em Sevilha, a qual tinha a função de controlar o comércio e as navegações entre as colônias.

Apesar destas instituições terem uma função fundamentalmente normativa elas foram se afundando tanto em sua burocracia controladora que emperrava todo o processo de livre mercado e do desenvolvimento social e econômico não só das reduções mas também de todas as províncias.

Esta situação acaba sendo uma alavanca para que as reduções se fechassem ainda mais e se tornassem auto-suficientes em suas administrações. Po fim, os jesuítas desta Província do Paraguai obtiveram um máximo sucesso a respeito das estruturas administrativas, conseguindo sempre serem eximius políticos, neutralizando a maior parte das ordens espanholas.

III. A concretização da utopia evangelizadora
Após uma brevíssima contextualização e análise das noções externas das reduções, tentar-se-á agora permear os aspectos internos tentando, com o máximo de fidelidade, reconstruir o quadro do imaginário, o qual deu sustentação para a manutenção desse “status quo”.

A primeira noção que sala aos olhos é a de Paraíso que existia entre os europeus. Existia um mito pelo qual se afirmava que as terras americanas era o Paraíso de onde Adão e Eva foram expulsos. A partir disso foi sendo construída uma idéia de utopia; também baseada nas noções escatológicas de teologia do momento, e assim tendo em tal idéia uma base solidificada para a construção dessa utopia evangelizadora chamada Redução.

O modelo clássico de análise consiste em analisar as estruturas sociais a partir dos aspectos econômicos, sociais, militares, políticos e culturais. Mas neste trabalho foi feita uma análise um pouco diferenciada desta estrutura, tentando levar em consideração o imaginário teológico cristão desta utopia.

A divisão consistira em relações de infra-estrutura abarcando noções de economia, sociologia, política e militares enquanto que nas relações da super-estrutnistradores responsáveis para satisfazer todas as necessidades tanto dos índios quanto dos missionários sendo que cada um recebia o suficiente para as suas necessidades básicas.

“Sob o governo jesuítico destaca-se ao lado do aumento geral de vida, um deslocamento das necessidades de caráter inferior até as mais refinadas. Sem dúvida, concorreu para esta a firme política dos missionários”. (Kern, 1982, p. 71)

O empenho gradual dos jesuítas transformou as aldeias guaranis numa povoação, com uma estrutura muito bem firmada na exploração da erva mate, além da agricultura e pecuária demonstrando o sucesso da decisão de política econômica assumidas de forma racional.

Esse sucesso só foi possível a partir da vassalagem direta que a coroa espanhola deu aos guaranis através da posse da terra e a libertação da escravidão.

A tutelagem econômica jesuítica tentou reproduzir a noção de comunidade economicamente ativa expressa no capítulo dois dos Atos dos apóstolos, onde todos viviam em comum, vendendo tudo o que tinham e depositando aos pés dos apóstolos. Partindo daí os jesuítas tentavam incutir nos índios a utilização mecânica e racional desta liberdade e da propriedade, para valorização dos bens de produção, os quais teoricamente eram divididos em comum, na comunidade reducionista, como é natural, dentro da ótica cristã. E assim pode-se perceber a relativa prosperidade econômica que as missões jesuíticas alcançaram.

Já sobre as estruturas sociais e políticas os jesuítas foram calmamente se infiltrando e minando as relações tribais estabelecidas nas aldeias. De início houve até o aproveitamento da estrutura natural de administração respeitando as autoridades políticas locais, conservando a prerrogativa da autoridade e renomeando estas estruturas e as definindo como status de autoridade de uma pequena burguesia, a qual era apenas de caráter decorativo.

Neste sentido os jesuítas inovaram quando determinaram que todos os caciques residiriam numa única redução onde comporiam um órgão deliberativo, dando mais consistência aos laços da organização social.

O problema social de fato só surge quando os jesuítas tentam admoestar a liderança política real e efetiva dos guaranis, a qual se dava de forma natural e carismática, sendo esta exercida pelo médico-feiticeiro, o qual na tribo era designado por “pajé”. Surgindo desta relação uma crise “dos deuses” pois a resistência guarani fixou-se nesta figura. Sendo uma questão de dominação e espoliação econômica, foi caracterizada por uma relação sacra de teor dogmático herético.

V. A questão da liberdade dos índios
A liberdade que coube ao índio reduzido também deve ser entendida dentro dos limites da própria missão.

“A liberdade do índio é pois compreendida como liberdade que melhor pode servir à estratégia global da colonização do que sua própria escravização: índio livre sim, mas aldeado e pronto para servir tanto nas tarefas militares de defesa quanto na prestação de serviço.” (Beozo, 1983, p. 24)
Ou os índios viviam nestas reduções cerceados em sua liberdade e além de todos os outros problemas possíveis ou teriam que enfrentar os encomendeiros e Bandeirantes que caçavam os índios para o trabalho escravo, não havia uma diferença de grau entre um e outro, a única diferença consistia em que numa redução jesuítica existia mais condições de vida em detrimento a situação de morte das encomientes.

Mas essa opção não era tão tranqüila e mesmo depois de tomada, as reduções tiveram que incutir no índio a noção de defesa comum da vida e com isso iam se distanciando cada vez mais adentrando ao interior, estabelecendo-se nas regiões fronteiriças do Império, para povoar e proteger delimitando o espaço. Momento em que foi autorizado aos jesuítas criarem um exército para proteger a redução contra os perigos constantes de invasão dos Bandeirantes e encomendeiros.

Assim através destas guerras e estado de alerta contra qualquer inimigo, os índios passam a defender as reduções como sendo a única forma de se protegerem escapando do genocídio e da escravidão. Mas na prática além do índio introjetar a idéia de assumir a causa da redução o índio ainda protegia as fronteiras do império espanhol, assumindo tão bem essa função a ponto de combaterem junto com os espanhóis as ameaças do Império rival português.

VI. Relações de super-estruturas
A super estrutura é relação determinante no sistema, é daí que se tira as bases de sustentação e a força para mover as engrenagens do sistema.

Essas relações dão-se num campo cultural ideológico e religioso.

A primeira coisa que nos salta aos olhos quando se trata de super-estrutura são as relações travada no aparelho ideológico da escola, um dos locais por excelência para disseminar as idéias que os jesuítas queira que fossem assimiladas.

Desta forma as crianças recebiam assim que tivessem condições de aprendizagem; logo nos primeiros anos deveriam aprender ler, escrever e o mais importante calcular para a vida prática.

Devido a este fator, as escolas tornaram-se fundamentalmente escolas profissionalizantes. Tendo freqüência obrigatória dos 7 aos 12 anos, sendo que a língua utilizada nelas era o guarani.

As artes também foram bem difundidas sendo que em cada redução existia uma escola de canto em coral, música, dança, escultura e pintura. Mas de todas essas atividades era a música a que os índios mais gostavam.

Outro aspecto importante para a construção do imaginário cristão entre os índios foi a criação de igrejas. Utilizando parte do excedente econômico produzido pelos guaranis. Essas igrejas eram construções enormes e suntuosas.

A grande questão aqui é a enculturação, é saber como os jesuítas trataram a cultura indígena. No nosso entender, houve uma aceitação pragmática da vida e da cultura dos guaranis no sentido em que os jesuítas se utilizaram desta estrutura social já sedimentada para aí plantar os germes do cristianismo. A cultura foi o meio de propagação da fé cristã.

No que diz respeito a questão da religião, a sua implantação foi a custa de muito sofrimento, tanto da parte do índio quanto do missionário.

A implantação da religião cristã teve uma série de fatores favoráveis, os quais tentaremos relacioná-los aqui de forma bem sucinta.

Os guaranis ainda viviam num período neolítico pois conheciam e usavam pedras lascadas como instrumentos e utensílios do dia-a-dia. Os jesuítas percebendo isso introduziram na cultura dos índios vários utensílios de ferro revolucionando a vida cotidiana a tal ponto que até no campo econômico teve-se uma maior facilidade no trabalho e portanto um aumento de produção.

Esta dependência que foi criada a partir do ferro fez com que o missionário pudesse exigir a permanência do índio nas reduções, pois sem vida sedentária era impossível a evangelização.

Outros presentes entre roupas e donativos como facas, tigelas, agulhas etc, também ajudaram na formação dessa nova consciência. Além do agrupamento dos povoados maiores e da mudança da estrutura familiar postas em casas particulares para uma família nuclear.

Além disso, os jesuítas tornaram a religião atraente e a mensagem cristã concreta pela magnificência das igrejas, a pompa da liturgia e do canto, tudo isso foi tremendamente sedutor para os guaranis. Os jesuítas passaram a serem vistos como os novos pajés, sendo muito mais forte e poderosos que os feiticeiros guaranis. Tinha um poder de cura maior e mais rápido, além de técnicas para ajudar e melhorar os partos e um conhecimento maior do que os antigos capaz até de interpretar os fenômenos da natureza. Além da relação com os brancos dominadores capaz de amparar e coibir uma possível atitude de extermínio por parte do branco por exemplo, o momento em que teoricamente os jesuítas os ajudariam.

VII. O Modelo Reducionista Jesuítico
Um último ponto de interesse a considerar neste trabalho seria ver qual o significado de Redução dos guaranis dentro do modelo evangelizador adotado pelos jesuítas.

O modelo reducionista evangelizador jesuítico não negava a relação colonial, mas propunha que deveria ser reduzida ao mínimo, procurando estabelecer uma certa autonomia, mesmo estando inteiramente ligada ao Estado.

Na prática o modelo jesuítico nunca contestou o sistema colonial, pelo contrário, foi obediente ao sistema, abandonando quase todas as reduções, quando o poder central espanhol assim determinou pelo Tratado de Madri em 1750.

Dado que não havia condições objetivas para conseguir a total independência do índio, ainda que pretendessem um modelo alternativo, foi esse projeto uma tentativa reformista que tentou levar a fé cristã aos índios mas que por fim apenas corroborou com a ordem estabelecida.

Os jesuítas salvaram os índios da conquista dos colonizadores mas acabou reduzindo-o a uma conquista religiosa sendo que a cultura do índio não foi valorizada, apenas tida como um meio para a evangelização. Essa abertura provocou uma grande mortalidade dos índios provocados por epidemias, que se alastrava muito rapidamente devido a grande concentração da população.

Tendo sido reduções paternalistas, pois eram controladas por sujeitos históricos estranhos à cultura indígena além de terem servido militarmente ao sistema colonial, tendo que dar sua vida por um sistema de vassalagem sem ter a possibilidade de aceitar ou não.

Conclusão

As reduções jesuíticas dos guaranis representaram uma utopia concreta de evangelização possível durante dois séculos (XVI e XVII), sendo um processo condicionado pelo seu momento histórico, político, social e principalmente religiosos.

A noção utópica de liberdade presente nas reduções prescrevia que o índio estava livre dos ataques dos encomendeiros e bandeirantes, mas só a medida em que estivesse dentro do grande sistema colonial de vassalagem. Sendo esse mesmo sistema que ao mesmo tempo produz uma redução para preservar a liberdade do índio também produz o encomendeiro e o Bandeirante para escravizar o índio; sendo portanto um sistema contraditório e desajustado que só tem como interesse o lucro e nunca a dignidade da pessoa humana.

Desta forma, tendo como exemplo essa utopia evangelizadora podemos questionar qual é o interesse que está por detrás da utopia evangelizadora que se encontra em nossa realidade hoje, quais são seus condicionamentos históricos e a quem ela interessa de fato. Sendo o questionamento crítico o que nos ajudará a nos libertar de fato dessas amarras enganadoras do sistema vigente de exploração.

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http://members.tripod.com/bmgil/gs41.html

 
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