FELCE ET ORTICA / Portão
StellaCarbono
30-09-2005 www.triplov.com

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portao

Este é o portão de casa. Não a protege dos ladrões, é uma figura de retórica que se destina a afirmar um princípio de propriedade privada. Neste momento ele parece-me a maior das diferenças entre Portugal e Brasil. No Brasil, é tal o aparato de segurança, tão grande a necessidade de auto-defesa, que as pessoas vivem prisioneiras dentro de suas casas. Todas as portas têm chaves, para sair ou entrar é preciso ir abrindo sucessivas portas. Estive numa casa em que, para ir à marquise, era preciso ir buscar a chave ao chaveiro para abrir a porta. E as grades diante das vivendas? E os textos que enviais a sugerir NÃO ao referendo deste mês sobre o desarmamento?

Só na casa do Bom Primo Walmir Battu não me senti prisioneira dentro de casa. Claro que ele sempre perguntava para onde eu ia, quando saía a conhecer Curitiba. Certo, o detective tinha de saber como procurar os meus restos, caso houvesse um acidente. Os cães cobrem a casa dos lobos, acredito, em especial aquela cadela descarada que se apaixona pelos pés de cadeira e se esfrega nas pernas da gente...

Nós também temos ladrões, Portugal não é um país virginal, nada disso. De resto, os lugares onde sou invariavelmente vítima de carteiristas são o metro e os autocarros, em Lisboa, e os Preciados, Cortes Inglés e similares shoppings, em Madrid. E a minha mãe não deixa as maçãs na rua podendo metê-las dentro de casa, porque já se sabe que há quem goste de entrar ou de tirar disfarçadamente um fruto da árvore que não lhe pertence, afinal a galinha do vizinho é melhor do que a minha...

Continuo a pensar que nos separa um abismo, o da segurança. Eu saio à noite por essas quelhas e caminhos, quando saímos, a chave de casa fica escondida debaixo de um vaso mesmo à frente da fechadura, e quando estamos em baixo, durante todo o dia a porta de cima fica aberta... Não temos medo? Sim, temos medo do escuro, do papão, das sombras da noite, dos lobos e das raposas em extinção, que não existem por estes lados desde se calhar os romances de Camilo Castelo-Branco, medo esse cuja motivação atribuímos aos ladrões. E temos ladrões, repito. Mas entre nós não há sequer suspeita de um dia vir a fazer-se um referendo sobre o desarmamento dos cidadãos, porque sempre estivemos desarmados. Quando é preciso, improvisa-se. Foi assim que a República, apesar de não ter havido guerras, se apoiou numa quantidade de bons cidadãos, amadores, que se entretinham a fabricar bombas na cozinha, ao serão.