CADERNOS DO ISTA, 16
O Enigma da Sexualidade
 

O problema do Corpo
JOSÉ M. BÁRTOLO (U.N.L.)

 
2.

A nossa sugestão é a de que pensemos o "problema do corpo", a partir dessa raiz ontológica - no que a leitura de Heidegger é decisiva - e só depois coloquemos a questão à luz da actualidade - no que representa um questionar do corpo mas, muito mais, um questionar dos dispositivos que envolvem o corpo.

É nos seminários de 11 e 14 de Maio de 1965 na casa de Menard Boss (conhecidos por seminários de Zollikon ) que Heidegger aborda o denominado Leibproblem . Este problema-do-corpo , veremos, obriga a determinar a relação entre sujeito e objecto do ponto de vista espacial e temporal, ou seja, a analisar fenomenologicamente o corpo enquanto res materialis e res temporalis , bem como a analisar a constituição do sentido, a partir de aberturas corporais, no espaço e no tempo. É sabido que o corpo-próprio que a fenomenologia erigiu a conceito, se relaciona mal com a concepção de um corpo enquanto unidade “psyché-soma”. O problema-do-corpo consiste, precisamente, em determinar, o sentido e a validade da concepção do corpo enquanto unidade psicossomática, tarefa que Heidegger vai desenvolver confrontando-se com as teorias psicossomáticas de Hegglin.

R. Hegglin escreve o seguinte:

“(...) Gostaríamos de reunir todas as influências mútuas de psyché e soma sob o conceito de Psicossomática (...). Tenho recebido censuras de que nós, clínicos, faríamos uma separação demasiado rigorosa entre psique e soma. A psique não estaria ao lado do corpo material [Körper] como algo separado, mas penetraria todo o organismo. Isto certamente é possível, mesmo provável. Entretanto, excluímos quaisquer especulações filosóficas e atemo-nos ao princípio simples, para diferenciar soma e psique: os fenómenos psíquicos não podem ser pesados nem medidos, só podem ser sentidos intuitivamente, enquanto tudo o que é somático pode, de alguma forma, ser apreendido por números. Quando os valores numéricos se modificam eles mostram uma modificação das estruturas somáticas, embora esta modificação possa ser condicionada emocionalmente. O luto não pode ser medido, mas as lágrimas formadas pelo luto em virtude da relação psicossomática podem ser examinadas numericamente de diferentes maneiras.”

Hegglin procura identificar um princípio simples para a diferenciação entre psique e soma, o princípio de diferenciação que ele encontra reside no diferente modo de compreender fenómenos psíquicos (não quantificáveis) e fenómenos somáticos (quantificáveis). É evidente que, ao contrário da pretensão de Hegglin, o seu principio simples é um principio filosófico - como Heidegger mostra, qualquer principio procura fundar um modo de investigação, isto é, uma teoria do conhecimento pelo que é sempre filosófico - o que ele afirma é que os âmbitos temáticos de psique e soma são determinados pelo respectivo modo de acesso que é determinado pelo objecto, isto é, pela soma e pela psique. Por outras palavras, o acesso constrói-se em circulo , como Heidegger havia mostrado claramente em Sein und Zeit , mas afirmar que os fenómenos psíquicos são distintos dos fenómenos somáticos pelas diferentes circulações operadas, equivale a identificar a diferença entre psyché e soma como uma diferença de método (que se pode considerar superável através de uma superação metodológica).

 
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