CADERNOS DO ISTA, 6






Editorial
José Augusto Mourão




1. Aqui estão os textos produzidos para a semana de Teologia que o ISTA propôs em agosto deste ano. A teologia não é uma ilha. Por isso nos esforçamos por abraçar simultaneamente a teologia e as ciências humanas. No campo do saber não há senhores e escravos: há interlocutores. Em último caso, a teologia mesma é uma ciência humana, na medida em que tudo o que o homem diz de Deus é o homem que o diz. Daí o tema proposto este ano sobre Direitos Humanos e Igreja.

2. Uma multidão de mendigos, de exilados, de refugiados, esses peregrinos cinzentos, atravessam os desertos e as florestas, mais surpreendidos pelas trevas e pelo som dos obuzes que pela luz que é, ou demasiado forte, ou perigosa. Uma multidão que desistiu de procurar um rosto, uma palavra de vida, através da longa marcha de perdas, de desastres, sem que um rosto os encontre, os alimente, os conforte. Esses são os passageiros da vida nua, desamparados de direitos, abandonados. Teresa M. Tolby traça-nos a genealogia dos direitos humanos começando por interrogar a nossa sensibilidade actual ao mal, à violação, à discriminação. Porque o mal repete-nos e as perversões dos bons princípios continuam a fazer os seus estragos entre nós.

3. Para os mestres racionalistas do Talmud, Deus é antes de tudo a ética, a justiça, realizadas através da observância da Lei. A ética precede a fé. M.A. Ouaknin afirma mesmo que a Declaração dos direitos do homem retoma os princípios, o “imaginário” das Tábuas da Lei. O cristianismo não teria inventado, a este respeito, nada de novo. A ética dos direitos do homem nasceu no Sinai, com a revelação de uma Lei que proíbe a violência (“Não matarás”...), quer dizer a possibilidade de relações humanas fundadas na bondade e na justiça. Francolino Gonçalves mostra-nos de que modo a antropologia bíblica pode constituir um excelente fundamento daquilo a que chamamos direitos humanos, analisando vários textos em confronto. Sublinha os efeitos perversos que os livros do Deuteronómio e de Josué tiveram ao longo da história do Ocidente, merecendo-lhe uma especial atenção a infuência bíblica no processo de colonização dos actuais Estados Unidos da América, o regime do apartheid na África do Sul e a política do Sionismo na Palestina.

4. O Cristianismo é fundamentalmente um projecto de comunidade. A “causa dos oprimidos releva do foro da Igreja”, reza o decreto de Graciano. Las Casas, Vieira, D. Romero, D. Manuel Vieira Pinto, Teresa de Calcutá, entre muitos outros, continuaram essa tradição de defesa dos pobres e dos indefesos do mundo com vista a uma comunidade de filhos e de irmãos. Mas o cesaropapismo, a reivindicação da verdade absoluta (que mostra já sinais no século XI, com Gregório VII), a anulação da diferença entre poder e verdade perverteram, em muito, a tradição cristã primitiva. O Cristianismo moderno acolheu, volens nolens a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com algum atraso, a Igreja converteu-se à tarefa da promoção e defesa dos Direitos Humanos, como aqui ilustram A J. Barreleiro, Luís de França, Mateus Peres. Mas há omissões graves, tanto no passado como no presente, neste campo, que afectam a liberdade de crença e de investigação, dentro e fora do corpo eclesial. O texto de Manuel Sumares resume perfeitamente a tensão entre as nossas narrativas e as narrativas dos outros diante dos mundos a fazer, e o sentido da verdade. O cristianismo representa uma revolução em relação aos conceitos do público e do privado e em relação ao que é ter uma vida virtuosa. Mas esta revolução foi algo desvirtuada.

5. A mendiga (do Vice-Cônsul, de Duras), sem nome sem figura, é para nós uma visitação da luz e uma tortura: ela ensina-nos, simultaneamente, a dispor-se a não mais reconhecer nada do que se conhece e lembra e diz o que não somos capazes de dizer, alto, às vezes: “em frente já não quer dizer nada”. O bando de refugiados que atravessa a noite à procura de um abrigo onde esconder-se quebra a continuidade entre o homem e o cidadão, pondo em causa a ficção originária da soberania moderna. Não saímos das aporias do humanitarismo frente à barbárie. Os sanguinários reinam sobre as nossas campanhas humanitárias que não questionam o sangue derramado, a corrupção, o extermínio político. Há no livro da Sabedoria uma passagem (19, 18-21) que nos dá a visão do Israel novamente criado na margem oposta do oceano da morte por que se passa através das provas da água e do fogo, como Tamino na Flauta Encantada. Nesta passagem é ainda o lamento do exilado da sorte que ouvimos: “Como podíamos nós cantar um cântico ao Senhor em terra estranha?” (Sl 136, 4).
Fr. José Augusto Mourão, op.

 
ÍNDICE
Direitos Humanos: Uma Nota de Leitura (1-3) - Mateus Peres

Antigo Testamento e Direitos Humanos (1-6) - Francolino J. Gonçalves, OP

As declarações de Direitos Humanos - Teresa Martinho Toldy

Os Direitos Humanos e a Igreja António José Ribeirinha Barreleiro

Ética laica e ética cristã - Manuel Sumares

Para uma Teologia dos Direitos do Homem (1-5) -Luís de França

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