Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO I*- _Do reinado de el-rei Dom Pedro, oitavo rei de Portugal, e das condições que n'elle havia_.

Morto el-rei D. Affonso, como haveis ouvido, reinou seu filho, o infante Dom Pedro, havendo então de sua idade trinta e sete annos e um mez e dezoito dias. E porque dos filhos que houve, e de quem, e por que guisa, já compridamente havemos falado, não cumpre aqui arrazoar outra vez; mas das manhas, e condições, e estados de cada um, diremos adiante, muito brevemente, onde convier falar de seus feitos.

Este rei Dom Pedro era muito gago, e foi sempre grande caçador e monteiro, em sendo infante e depois que foi rei, trazendo grande casa de caçadores e moços de monte e de aves, e cães, de todas maneiras que para taes jogos eram pertencentes.

Elle era muito viandeiro, sem ser comedor mais que outro homem, que suas salas eram de praça em todos logares por onde andava, fartas de vianda, em grande abastança.

Elle foi grande criador de fidalgos de linhagem, porque n'aquelle tempo não se costumava ser vassalo, se não filho e neto ou bisneto de fidalgo de linhagem; e por usança haviam então a quantia que ora chamam maravidis, dar-se no berço, logo que o filho do fidalgo nascia, e a outro nenhum não.

Este rei accrescentou muito nas quantias dos fidalgos, depois da morte de el-rei seu padre, cá não embargando que el-rei D. Affonso fosse comprido de ardimento e muitas bondades, tachavam-no, porém, de ser escasso, e apertamento de grandeza. E el-rei Dom Pedro era em dar mui ledo, em tanto, que muitas vezes dizia que lhe afrouxassem a cinta, que então usavam não mui apertada, porque se lhe alargasse o corpo por mais espaçosamente poder dar; dizendo que o dia que o rei não dava, não devia ser havido por rei.

Era ainda de bom desembargo aos que lhe requeriam bem e mercê, e tal ordenança tinha n'isto, que nenhum era detido em sua casa por cousa que lhe requeresse.

Amava muito de fazer justiça com direito. E assim como quem faz correição, andava pelo reino, e visitada uma parte não lhe esquecia de ir vêr a outra, em guisa que poucas vezes acabava um mez em cada logar de estada.

Foi muito mantenedor de suas leis e grande executor das sentenças julgadas, e trabalhava-se quanto, podia das gentes não serem gastadas por azo de demandas e prolongados pleitos.

E se a Escriptura affirma que, por o rei não fazer justiça, vem as tempestades e tribulações sobre o povo, não se póde assim dizer d'este, cá não achamos, em quanto reinou, que a nenhum perdoasse morte de alguma pessoa, nem que a merecesse por outra guisa, nem lh'a mudasse em tal pena por que pudesse escapar a vida.

A toda gente era galardoador dos serviços que lhe fizessem, e não sómente dos que faziam a elle, mas dos que haviam feitos a seu padre, e nunca colheu a nenhum cousa que lhe seu padre desse, mas mantinha-a e accrescentava n'ella.

Este rei não quiz casar: depois da morte de Dona Ignez, em sendo infante, nem depois que reinou, lhe prove receber mulher; mas houve amigas com que dormiu, e de nenhuma houve filhos, salvo de uma dona, natural de Galliza, que chamaram Dona Thereza, que pariu um filho que houve nome Dom João, que foi mestre de Aviz em Portugal e depois rei, como adiante ouvireis, o qual nasceu em Lisboa onze dias do mez de abril, ás tres horas depois do meio dia, no primeiro anno do seu reinado. E mandou o el-rei criar, em quanto foi pequeno, a Lourenço Martins da Praça, um dos honrados cidadãos d'essa cidade, que morava junto com a igreja cathedral onde chamam a praça dos Canos, e depois o deu, que o criasse, a Dom Nuno Freire de Andrade, mestre da Cavallaria da ordem de Christo.