Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO XXXIV* _Das avenças que el-rei de Castella fez com el-rei de Aragão, entrando em seu reino, e como as depois não quiz guardar_.

El-rei Dom Pedro, que vontade tinha de tornar outra vez á guerra de Aragão, dizendo que a paz que fizera fôra contra sua vontade, por receio de el-rei Vermelho, fez liga com el-rei de Navarra, que fossem amigos e se ajudassem, e mandou aos seus que se percebessem: e nenhum não pensava que fosse contra Aragão, com que havia paz.  

E encobertamente, antes que o el-rei soubesse, por lhe tomar algumas villas, em tanto entrou em Aragão, e tomou logo seis castellos, e cercou a villa de Calatayud. E tendo o cerco sobre ella, ganhou treze castellos d'essa comarca.  

El-rei de Aragão, que estava em cabo de seu reino, quando isto soube, ficou espantado, e mandou a Provença, onde andava o conde D. Henrique e seus irmãos e os outros fidalgos de Castella desterrados do reino, fazendo guerra, que o viessem ajudar, e que lhes daria grandes soldos e os herdadaria em seu reino.  

Em tanto foi assim afincada a villa de Calatayud, que a tomou el-rei Dom Pedro por preitesia, e deixou recado em ella, e tornou-se a Sevilha.  

E receiando-se d'el-rei de França, por a morte da rainha Dona Branca sua mulher, que mandara matar, fez então sua mui firme amisade com el-rei Duarte de Inglaterra, e com o principe de Galles, seu filho, que se ajudassem contra quaesquer outros. E entrou logo em Aragão, e chegou a Calatayud, que estava já por elle, e ganhou por ahi derredor sete logares.

E quando entrou por força Carinana, mandou matar quantos no logar havia, que não ficou sómente um. E a razão por que dizem que os assim mandou todos matar, foi porque elle tendo-a cercada e não a podendo tomar, alçou o cerco de sobre ella, e os da villa, quando os viram assim partir, começaram de bradar do muro dizendo seus doestos e maldições, cada um como lhe prazia; e el-rei teve d'isto grande melancolia, e mandou tornar suas gentes sobre o logar, e tão rijamente lhe deu o combate que a entrou logo por força; e por isto mandou fazer aquella grande mortandade.  

E cercou mais a cidade de Tarraçona e tomou-a. E tendo-a cercada, chegou o mestre de São Thiago de Portugal, Dom Gil Fernandes de Carvalho, com quinhentos cavalleiros e escudeiros mui bem guisados, em sua ajuda, que lhe enviára el-rei Dom Pedro, seu tio. Entre os quaes ia Martim Vasques de de Goes, e Gonçalo Mendes de Vasconcellos, e Martim Affonso de Mello, e Alvaro Gonçalves de Moura, e Nuno Viegas, o velho, e Rui Vasques Ribeiro, e outros muitos e bons fidalgos.  

E d'alli partiu el-rei, e tomou Turiel e onze logares outros, e tomou mais a cidade de Segorbe, e a villa de Monvedro, e veiu-se á cidade de Valencia. E havendo uns oito dias que el-rei estava sobre ella, soube que el-rei de Aragão e o infante Dom Fernando, seu irmão, e o conde Dom Henrique, e Dom Tello, e Dom Sancho, e as outras gentes por que el-rei de Aragão mandara, eram todos juntos para vir pelejar com elle, e que seriam trez mil de cavallo.  

El-rei Dom Pedro, que vontade não havia de pelejar com elles, partiu-se de Valencia, e foi-se para Monvedro. E el-rei de Aragão chegou até duas leguas do logar, e poz sua batalha e não achou com quem pelejar, e tornou-se. E da ribeira de Monvedro viu el-rei Dom Pedro levar quatro galés suas a seis de Aragão, que as tomaram, e pesou-lhe muito d'ello.  

Alli se começaram de tratar avenças entre os reis de Aragão e de Castella, a saber, que casasse el-rei Dom Pedro com Dona Joanna, filha de el-rei de Aragão, e Dom João, primogenito de Aragão com Dona Beatriz, filha de el-rei Dom Pedro, e isto com certas condições. E alli onde se juntaram para firmar as avenças, foi requerido el-rei Dom Pedro, e disse que se não achava n'aquella preitesia, e que o não requeressem mais, e d'alli se veiu para Sevilha.  

E dizia el-rei Dom Pedro que, n'estes tractos, fôra fallado secretamente, que pois elle casava com filha de el-rei de Aragão, e tomava com elle tal divido, que matasse ou prendesse primeiro o infante Dom Fernando, seu irmão, e o conde Dom Henrique, que eram seus inimigos, e que pois o não fizera, que não curava de suas preitesias.  

E bem parece isto ser verdade, porque el-rei de Aragão, a poucos dias, mandava prender, depois que comeu, o infante Dom Fernando, seu irmão, que tivera convidado esse dia, porque diziam que se queria ir, com as gentes que tinha, para a guerra de França. E porque se não deu á prisão, foi logo morto, e Luiz Manuel, e Diogo Perez Sarmento com elle. E todos os do reino lh'o tiveram a mui grão mal, por ser seu irmão, e mui nobre senhor como era.  

E depois fez fala el-rei de Aragão com el-rei de Navarra, que matassem o conde Dom Henrique, e fingiram que falassem em um castello todos tres sobre outra cousa. E porque Dom João Ramires d'Arellano, camareiro de el-rei de Aragão, que o conde escolhera que tivesse o castello emquanto elles fallassem, não quiz consentir em ser feita tal morte, escapou o conde aquelle dia de não ser morto.