PORTUGAL
13. EXIT AUTHOR

Com a morte do texto vem a morte do autor. A expressão "exit author" deve-se a J. Warren Beach (1932) na sua polémica sobre os escritores vitorianos. Mas já antes Joyce ou Le Corbusier recusavam o papel tradicionalmente atribuído ao autor. Esta "morte do autor" não é literalmente a sua morte mas antes a necessária dissociação do autor e da respectiva vida com a obra a que dá o nome. O ensaio de Roland Barthes "A Morte do Autor" (1968) é um caso representativo. Nada disto já parece muito novo para a maioria de nós: pelo menos desde o advento da "Nova Crítica" a atenção do crítico tem incidiu sobre o texto mais do que sobre o autor, e o papel criador do leitor tem sido progressivamente sublinhado (por exemplo, por críticos como Wolfgang Iser). Depois de Barthes, Foucault, em 1969, anunciará a mesma morte, como muito anteriormente fizera Mallarmé . No campo da semiótica, pela mesma altura, considerava-se o sujeito como uma instância textual. A natureza semiótica do sujeito é reconhecida pela crítica, que o considera texto, intertexto, ou, por outras palavras, um signo complexo (como, por exemplo, no conhecidíssimo semi-aforismo de Roland Barthes: "o eu não é um sujeito inocente", mas "uma pluralidade de texto" (Barthes, 1974, p. 10). De maneira análoga, para Kristeva "o sujeito nunca existe. O sujeito é apenas o processo significante e surge apenas como uma prática significante" (Kristeva, 1984, p. 215). Também para Peirce: "a palavra ou signo que o homem vê é o próprio homem", "a minha linguagem é a soma total de mim próprio" (CP 5.314) . Os textos são "só holisticamente inteligíveis" ou "intencionais". Possuir intencionalidade não quer dizer senão ser "passível de ser descrito antropomorficamente, como se de um falante se tratasse".

A noção de autoria individual, com que trabalhamos durante séculos, tem sofrido a erosão do texto dialógico: este último não é na realidade uma nova forma, antes corresponde ao regresso a uma situação anterior de autoria comum. O perigo nesta simulação de oralidade, como sublinha Marilyn Degan é que um registo importante do modo como se desenvolveram as ideias pode perder-se, precisamente como se não conservam os estádios impliícitos na criação da literatura oral . A tendência para uma "oralidade secundária" na Internet deu origem a um forte sentido de grupo, que, por sua vez, contrabalança a frgmentação da consciência iniciada com o alfabeto.

A chegada do hipertexto não é uma declaração peremptória da morte do autor. O autor não morreu, transformou-se em fazedor de espaço, navegador. O autor deslocou-se. No mundo dos mass media o autor deixou simplemente de ser a figura central na concepção de um filme ou de um script de televisão - frequentemente é um actor ou o director que é o verdadeiro estímulo. O director é visto muitas vezes commo um "autor" - nos casos de Woody Allen e Spike Lee sente-se claramente a sua autoridade. Graças ao "star system", a autoridade no media pode em grande parte gravitar do autor/director ao actor principal, isto é, a figura mais visível e portanto mais identificável porque envolvida no projecto. Neste ponto, como noutros, as ênfases dadas ao papel da função do autor são diversas. No mundo do hipertexto há vários autores: 1. O programa que autoriza a equipa; 2. O escritor do texto original, 3. A "escrita" mecânica feita pelo próprio programa (os classificadores, organizadores, editores, conversores, por exemplo): 4. A rede de co-autores, editores externos e formatadores; 5. Os leitores, que redigem o texto à medida em que o lêem . O hiperterxto nunca acaba, o que não quer dizer que não possamos identificar os autores 1 e 2. Os autores 3 são invisíveis. Os autores 4 são evasivos. Os autores 5 jogam o papel que a maioria de nós desempenha, embora possamos deslisar para outros papéis. Meadow, por exemplo, mantém a instância autor como primeira relação com a instância leitor. Tese mais radical: os computadores pessoais estão a fazer de toda a gente um autor. No ciberespaço toda a gente é autor. A questão final é esta: se toda a gente é autor, ninguém é autor. W. Burroughs coloca a questão de um ponto de vista prática, partindo da comparação entre o escritor e um piloto de avião: pode ensinar-se a escrever? A resposta é: "ninguém, a não ser um piloto experiente, perguntará porque é que o piloto de um avião está na cabine de comando em vez dele" . Afinal é uma diferença de ordem técnica, de saber fazer, de competência. Depois de ter proclamado a morte do autor, R. Barthes mostrava em Le plaisir du texte que o leitor tinha necessidade da "figura do autor" para reconfigurar o texto e escapar à conversa fiada. A questão que permanece é esta: como podemos recusar a noção de autor sem desconstruir a noção de sujeito e do seu poder de agir e de pensar .