HERDADE DO FREIXO DO MEIO
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Herdade do Freixo do Meio: a utopia em ação
Por Maria Estela Guedes (texto) e Celestino Santos (fotos)

Publicado no jornal Incomunidade, nº 1, julho de 2012, em:
http://www.incomunidade.com

Num destes sábados, realizou-se uma das diversas atividades que habitualmente se desenvolvem na Herdade do Freixo do Meio - uma excursão botânica ao Carvalhal da Barranca da Loba. Micro-reserva da Quercus, nela subsistem, entre outras espécies indígenas, vegetais e animais, três raridades da nossa flora: a Rosa albardeira (Paeonia broteroi), a Espargueira (Asparagus sp. - Asparagus albus?) e a Escorcioneira (Scorzionera hispanica). O encontro prosseguiu com um cozido tradicional, confecionado em potes de barro sobre lume de chão, e com uma tertúlia liderada por Victor Lamberto em torno da Slow Food e da Escorcioneira, servida esta como entrada salgada e como sobremesa, em puré doce. Esta planta desapareceu das nossas terras, mas a Bélgica apropriou-se dela para a cultivar, comercializando produtos gourmet com o seu rizoma, que é a parte comestível. Nos livros antigos, diz-se que o nome provém de «escozeu, uma vibora peçonhentíssima» para cuja mordedura a Escorcioneira fornecia antídoto. A corresponder à realidade, a víbora em questão só podia ser uma das duas que habitam Portugal, a Vipera latastei, Víbora-cornuda, ou a primitiva Vipera berus, hoje Vipera seoanei, a Víbora de Seoane. Nenhuma delas figura em primeiro nem no centésimo lugar das causas de mortalidade humana no nosso país.

Agora Victor Lamberto pretende reintroduzir a cultura da Escorcioneira em Portugal, e Alfredo Cunhal Sendim, proprietário da Herdade, aceitou colaborar no projeto.

Alfredo Sendim é uma personalidade bem conhecida. Premiado em pessoa e marcas «Freixo do Meio», tem sido homenageado também pelo seu empreendedorismo. Participa de quando em vez no programa de televisão «Biosfera», esclarecendo o público sobre práticas agrícolas desenvolvidas de acordo com as novas filosofias da sustentabilidade e da permacultura. Faz parte delas justamente a defesa das espécies regionais e, neste caso, trata-se de uma espécie endémica da Península Ibérica. Ao contrário das espécies exóticas, cosmopolitas, por isso sem interesse para as ciências fundadas nos modelos da evolução, as endémicas têm tanto mais valor quanto menores são as dimensões do habitat ocupado. Alfredo Sendim já trouxe da Bélgica sementes da Escorcioneira para ensaiar a cultura; ofereceu algumas, veremos como se dará a planta nas terras frias do Norte.

Alfredo Cunhal Sendim, proprietário da Herdade do Freixo do Meio, saúda os participantes do passeio ecológico ao Carvalhal da Barranca da Loba

Comecemos entretanto pelo indispensável: a Herdade do Freixo do Meio fica perto de Montemor-o-Novo. Como acontece na generalidade do Alentejo, a sua paisagem mais característica é o montado (ecossistema cujas espécies mais típicas são o sobreiro, o carvalho e a azinheira).

A Herdade é um espaço de experimentação e criação, para além de produzir, transformar e comercializar produtos diversos, segundo linhas de pensamento em que sobressaem o fabrico de produtos regionais a partir de culturas próprias, a diversificação destas e a atenção prestada à sazonalidade: os alimentos são mais saborosos e ricos no seu período natural de crescimento.

Ao almoço, cozido confecionado segundo a tradição, em potes de barro e lume de chão,
com as carnes e os legumes próprios da época.

Por consequência, linhas de ação contrárias às monoculturas que conduziram à desertificação do solo, no Alentejo.

Deixando de lado as questões técnicas, pois há muita informação disponível sobre a Herdade, incluída a patente nos seus próprios site e blog, fiquemos com a filosofia de vida pela qual se orienta o Alfredo, permita-se-nos o tratamento amigável: ele gere a Herdade de modo a que as pessoas se sintam nela como os utopianos em Utopia ou os erewhonianos em «Erewhon» (utopia de Samuel Butler - o título é um anagrama de «nowhere», lugar nenhum). Com efeito, a propriedade sugere algo à maneira de uma utopia em ação, passe o paradoxo da u-topia (um não-lugar): espaço isolado (de isola, a palavra tem origem em ilha), separado de uma sociedade decadente e de um mundo em situação de catástrofe, provocada pela corrupção, exatamente como na primeira de todas as utopias, a Atlântida de Platão.

O conceito de ilha passou de resto para a ecologia, com o sentido de qualquer espaço, mesmo na montanha, em que se verifiquem condições de isolamento reprodutor (no qual as espécies enfrentam barreiras geográficas que as impedem de se cruzar com estranhas a esse local, o que favorece a sua evolução como endemismos; endemismos são espécies indígenas de dado lugar, que não se encontram em mais parte nenhuma do mundo). As utopias localizam-se em geral em ilhas (espaços privilegiados para o surgimento de endemismos, por causa da barreira oceânica à migração de certas espécies), como é precisamente o caso da que dá título à obra de Thomas Morus, Utopia, e passou a identificar o género literário. Aliás, a Nova Atlântida, de Francis Bacon, também é uma ilha.

Alfredo Cunhal Sendim e Maria Estela Guedes observam o solo empobrecido do montado,
ao contrário da cobertura vegetal rica do Carvalhal do Barranco da Loba

Tal como nas utopias, e para a caso a comparação estabelece-se com a mais notável delas todas em matéria de inovações científicas, a «Nova Atlântida», de Francis Bacon, a felicidade das pessoas que vivem em regime comunitário depende também dos contributos tecnológicos fornecidos por sábios. Na Herdade gerida por Alfredo Cunhal Sendim, encontramos por isso os painéis solares como principal fonte de energia, a par de dispositivos e ferramentas vários que ajudam na agricultura biológica e sustentável, ou se destinam a fins mais comezinhos, como a sua super-bicicleta, que dobra em duas e tem gerador de energia para quando falham as pernas. Tal como encontramos a redistribuição de alimentos, a reutilização de materiais que noutras circunstâncias seriam mandados para o lixo, construções integradas na paisagem arquitetadas com materiais simples, como a casa de eco-camping e respetivo frigorífico, e tantas outras que surgem aqui e ali - nem se dá conta da mesa erguida sobre restos de adobes, com tampa obtida por reciclagem de placas de ardósia, mas, quando precisamos de nos sentar, estão ali.

Além das infraestruturas essenciais à agricultura biológica, próprias da permacultura (cultura e agricultura permanentes, sustentáveis), o Alfredo acolhe jovens com projetos variados, que ajuda a desenvolver. Neste momento, entre outros, ensaiam-se produções de aromáticas, de raças portuguesas de galináceos, um doutorando faz tese sobre a dieta das andorinhas, e duas outras estudam os morcegos da região. Aliança entre a técnica agrária e a investigação científica, o que não esgota as possibilidades de interação, pois a arte também desempenha no espaço isolado o seu papel fecundador.

Se lermos Leonardo Boff, que pratica a sua cultura permanente na Internet, vemos que a nova filosofia de vida, tendente à mudança de paradigma e com ela à salvação da biosfera, começa a enraizar no solo, literalmente falando, como é exemplo a Herdade do Freixo do Meio. Vejamos um extrato de um artigo recente de Leonardo Boff, «Economia verde versus Economia solidária», em linha em www.triplov.com:

“Precisamos produzir sim, mas a partir dos bens e serviços que a natureza nos oferece gratuitamente, respeitando o alcance e os limites de cada bioregião, distribuindo com equidade os frutos alcançados, pensando nos direitos das gerações futuras e nos demais seres da comunidade de vida. Ela ganha corpo hoje através da economia biocentrada, solidária, agroecológica, familiar e orgânica. Nela cada comunidade busca garantir sua soberania alimentar. Produz o que consome, articulando produtores e consumidores numa verdadeira democracia alimentar.”

E voltamos agora ao passeio de sábado à Barranca da Loba, um vale com coberto vegetal primitivo, de solo atapetado por detritos vegetais ricos, apontados pelo Alfredo como ponto de contraste com o solo desertificado do Alentejo em geral.

Chegada da caravana ao Carvalhal da Barranca da Loba

Para descobrirmos as plantas raras foi preciso vencer as guardiãs da floresta, as silvas, mas o sacrifício valeu a pena, pela singular beleza de um bosque verdejante encaixado na paleta amarela do solo do montado, neste princípio de Verão.

Perguntará o leitor se na Herdade do Freixo do Meio a utopia já se realizou, com o surgimento nela de uma sociedade perfeita e feliz. A condição das utopias não é a de se realizarem, isso só acontece em obras literárias como «Erewhon», «Paulo e Virgínia» ou «Nova Atlântida» (e até nos filmes de Tarzan, ou mesmo em «Avatar», esse hino à árvore), a sua condição é a de se projetarem no horizonte do nosso desejo, movendo-nos à ação. Hoje em dia, em que nos abeiramos rapidamente de uma situação catastrófica no planeta, já nem se trata só de aspiração, sim de necessidade imperiosa e urgente. Precisamos de mudar de vida o mais depressa possível. Na Herdade do Freixo do Meio, há vários anos que se ensaiam soluções para tanto. São bons modelos e exemplos a ser seguidos. Uma visita à Herdade pode ser fecunda além de agradável; há passeios guiados, pode andar de bicicleta, de burro, a pé ou a cavalo, existe a «Casa da Professora» para turismo rural, e a Festa da Primavera, em Abril, uma enorme feira dos produtos Freixo-do-Meio, com concurso de artistas plásticos, músicos, etc., que convoca milhares de pessoas todos os anos.

Um projeto querido do Alfredo, de que só desvendo uma pontinha a rematar, é a realização de um filme animado. Ele vai mostrar - garantia nossa - que a utopia é o caminho a seguir.



Herdade do Freixo do Meio, 20 de junho de 2012
Publicado no Triplov a 5 de Agosto

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7050-704 Foros de Vale Figueira

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