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Estranhas experiências ao Ofício Cantante de Herberto Helder
Por Victor Brum Calaça

Depoimento sobre a visão das oficinas de criação literária de Claudio Willer

Como poeta, sempre os textos de Herberto Helder foram de estima  e apreciação por mim, assim como para todas as outras pessoas que procuram estar em contato com uma verdadeira poesia de qualidade.

Contudo,  a  partir dos ensinamentos e experiências adquiridos ao longo das oficinas de criação literária de Claudio Willer, mesmo não sendo uma pessoa da área de Letras, consegui ler o poeta lusitano mais depuradamente. E assim perceber que a obra do Herberto Helder é um verdadeiro repertório de inovações com que todos nós interessados temos que aprender ao longo do tempo.

Portanto relato brevemente o que pude observar como oficineiro literário.

Primeiramente, em relação ao uso antinomias, oxímoros tão necessários a uma poesia de qualidade, Herberto Helder não se contenta com pouco. Em regra, ele parte do que se entende por falsos oxímoros, mas de uma vertiginosidade dos melhores momentos do Vicente Huidobro, em seu “Altazor”.

Como exemplo dois versos do poema “As musas cegas”:

“Sou eu, uma ardente confusão de estrela e musgo”(último verso da terceira estrofe da parte V)

“E uma candeia, uma flor, uma pequena lira, podem erguer-se de um rio de sangue, sobre o mundo”(úlitma verso da segunda estrofe da parte VII)

Enfim as antinomias e oxímoros são muito presentes nele como na poeta brasileira Hilda Hilst, merecidamente comentada nas oficinas literárias de Claudio Willer.

Contudo a percepção das antinomias, oxímoros na poeta brasileira não só é menos sutil, como ela trabalha com relação as antinomias das mais complexas como a mais simples. Daí que como num primeiro momento para se perceber o uso das antinomias e oxímoros, vale a pena também ler dessa grande poeta, e nas próprias palavras do poeta Claudio Willer, pelos livros ”Da Morte", "Odes Mínimas”e “Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão”

Além do uso de antinomias e oxímoros, pude perceber que a poesia helbertiana é essencialmente um diálogo com o hermetismo, no que toca as relações  que se podem fazer entre macrocosmo e o microcosmo e vice-versa.

Explicando de forma simplória: que o homem dentro de seu corpo e alma (microcosmo) abrange um mundo, um universo particular, pela centelha divina que justamente reside nele. E por sua vez o mundo, a natureza, o cosmos, constituem uma estrutura, que fazem parte de um outro corpo, artesanalmente feito do caos, pela Criação.

Em exemplos:

“O sangue despenhava-se nas lagoas e grutas da carne”
“Enchia com meu desejo o vestíbulo da primavera e me tornava uma árvore abismada e cantante”.

“Falo tão devagar que mal distingo
a noite sobre a terra
da minha garganta onde os animais passam
lentamente inspirados.”

Também, e para interligar as duas observações feitas anteriormente, junto a esses falsos oxímoros vertiginosos e a esse carrossel entre o macrocosmo e o microcosmo a poesia herbertiana há algo que gostaria de falar, não antes poder propor um simples exercício.

Façamos então a seguinte experiência:desconsideramos   a estrutura das estrofes dos poemas de Helder, juntando tudo num mesmo texto.

O que teríamos?Um texto em prosa de um qualidade semelhante a do Mono Gramático do Octávio Paz.Claro que sem o lado de ensaio desta.

Em ambos, ainda que em forma de prosa,podemos ver a poesia, pela unidade e ritmo estarem ligados a uma imagética em constante desembocadura. Ou nas próprias palavras de Herberto Helder em seu conto “Teoria das Cores” do livro em prosa ”Os Passos em Volta”: ”efetuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose”. Daí  por que não pensarmos em metamorfose como unidade da poesia, outros textos em prosa como”Alice no País das Maravilhas”e “Cantos de Maldoror” de Lautreamount? Como o próprio Octavio Paz lembra que devem ser vistos como  poesia, em sua obra “O Arco e  Lira”.

Claro que comparações sempre são incompletas, mas é como se as estrofes dos poemas herbertianos fossem feitos de uma prosa de qualidade. Aliás também com os mesmos recursos para se dar efeito num texto em prosa.

Só  para falar um pouco disso, Jorge Luis Borges comentou certa vez ”que o tempo ensinou-me algumas astúcias: ....simular pequenas incertezas; uma vez que se a realidade é precisa a memória não o é; narrar fatos (isto eu aprendi de Kipling e das sagas da Índia) como se não os entendesse completamente.....”

Como exemplo disso em Helder:

“A colher de súbito cai no silêncio da língua.
Paro com a gelada imagem do tempo nos sentidos
Puros. E sei  que não é uma flor aberta
ou a noite cercada de águas extremas”
(primeiros versos da parte IV de Elegias Múltiplas)

“Bate-me à parte, em mim, primeiro devagar.
Sempre devagar, desde o começo, mas ressoando depois,
Ressoando violentamente pelos corredores
E paredes e pátios desta  própria casa
Que eu sou. Que eu serei até não sei quando.”
(na primeira estrofe da parte VII do  Musas Cegas)

Contudo isso que observo, de fato, não posso dizer que conheça o método de concepção de escrita do Herberto Helder, o quanto é de escrita automática ou não, mas se eu fosse fazer o lautreamounteano processo de “pilhagem“ como processo de produção criativa, eu criaria em um primeiro momento uma série de imagens que constituíram antinomias fortes.

E nos segundo momento eu tentaria escrever espontaneamente em prosa em discurso livre. Do acaso destas duas formas de escrever trançaria os versos num acabamento final.

Como exemplos de versos feitos de períodos que poderiam ser de prosa, mas trançados com imagens fortes:

“Começa o tempo, onde a boca se desfaz na lua”

Assim, ao invés de Helder desenvolver sua escrita poética em cima das tradicionais estruturas rítmicas de repetição, típicas da poesia, para seu encantamento, ele procura inovar, fazendo com que suas imagens estejam relacionadas com uma sintaxe da mais refinada, e com recursos estilísticos dela possíveis, para parecer um canto mágico. Embora vale ressalvar que  há estruturas rítmicas de repetição em seus poemas mas ainda de forma diminuta.

Tudo isso repito são considerações do aprendizado que adquiri no convívio de oficinas  de criação literária do poeta Claudio Willer.

Também é claro que os recursos criativos da poesia de Herberto Helder não se resumem a isso.

Em sua obra percebe-se todo um repertório vasto e amplo de inovações e criações poéticas desde dar verbos a seres animados para palavras abstratas, usos de parátaxe, quebra de lógica, dando momentos e posicionamentos inexistentes a partes do corpo, estações da natureza, sentimentos e idéias abstratas.

Mas tudo isso seria matéria de outros depoimentos....

Antes de mais nada, é necessário ao iniciante da leitura em Herberto Helder, começar a ler um poema dele chamado ”Para o leitor ler de/vagar”. Com certeza nesse texto o poeta foi generoso em falar como deve ser apreciação do texto dele.