UM MILHÃO DE ANOS, UMA MIGALHA NO TEMPO DA TERRA

Quando se fala da História da Terra é forçoso falar de milhões de anos.

Nem sempre nos apercebemos da imensidade do tempo geológico. Na nossa condição humana, com um tempo de vida média que não atinge a centena de anos, revivemos facilmente o tempo dos avós, lemos a História e recuamos uns séculos até à fundação da nacionalidade, já lá vão mais de oitocentos anos. Recuamos mais ainda, com factos, nomes, datas e textos bem conhecidos, aos feitos de Roma, aos filósofos gregos e aos faraós, milhares de anos atrás, mas muito dificilmente nos damos conta da enormidade do tempo geológico.

A nossa história mede-se em anos, em séculos, em milénios e o tempo alarga-se quando recuamos nas épocas, à medida que os seus limites se esbatem e se lhes perdem os pormenores. Para trás fica a Pré-história recente ou História do Homem antes da escrita, conhecida através de testemunhos como um monumento megalítico, uma pintura rupestre, ou um simples machado de pedra, e em que se fala de milhares e, num caso ou noutro, de escassos milhões de anos. Mais para trás, ainda, fica a outra Pré-história, a da Terra antes do Homem, que remonta aos quatro mil e seiscentos milhões de anos, idade do nosso Planeta e do Sistema Solar de que faz parte. Esta História da Terra ou Geo-história é uma das várias disciplinas da Geologia e baseia-se em grande parte no estudo dos fósseis, isto é, dos restos e vestígios de animais e plantas enterrados e conservados nos sedimentos sucessivamente acumulados ao longo de milhões e milhões de anos. Transformados em pedra, os fósseis chegaram até nós como documentos de um passado mais ou menos longínquo. A Paleontologia é a ciência que ensina a ler estes documentos, com os quais historiamos a evolução da vida sobre a Terra, durante mais de três mil e quinhentos milhões de anos, tempo que corresponde à idade das mais remotas formas de vida conhecidas (bactérias e certas algas primitivas) conservadas em rochas com essa mesma idade.

O relógio que tem permitindo quantificar o tempo em Geologia baseia-se no conhecimento da radioactividade de certos isótopos contidos nos minerais das rochas, numa valiosíssima contribuição da Física Nuclear em técnicas geocronológicas, hoje rotineiras e de comprovado rigor e valor científico, indispensáveis.

É com base nestas técnicas, que reconstituímos as sucessivas etapas desta velhíssima nave terráquea que nos transporta através da Galáxia e do Universo: dezenas de milhões de anos para a história dos mamíferos, centenas de milhões para a das plantas superiores, dos répteis (incluindo os dinossáurios), dos peixes e de muitos invertebrados, milhares de milhões para a dos seres mais primitivos.

A unidade de tempo em geologia é, por convenção, o milhão de anos, ou seja, dez mil séculos. Trata-se, pois, de um intervalo de tempo muitíssimo grande para a nossa condição humana mas que insignificante, desprezível, face às eras mais recuadas. Um milhão de anos a mais ou menos nos primórdios da vida sobre a Terra representa o mesmo grau de indefinição (ou de aproximação) que o “mais ano menos ano” na história do velho Egipto, ou que o “mais ou menos um dia” nos anos das nossas vidas.

Um milhão de anos, esta migalha no tempo da Terra, para não falar no do Universo, encerra contudo mais de um milhar de vezes a História de Portugal, que todos achamos provecta quando comparada à de outros países. Mais concretamente, representa o nosso percurso, mil cento e setenta e sete vezes repetido, desde a fundação da nacionalidade pelo rei D. Afonso Henriques, em 1142.


Lisboa, 6 de Janeiro de 2003
A. M. Galopim de Carvalho