Iguanodon e Hylaeosaurus


OS DINOSSÁURIOS NA HISTÓRIA

O conhecimento científico dos Dinossáurios começa no 1° quartel do séc. XIX, em 1824, ano em que o inglês William BUCKLAND, professor de Geologia em Oxford, publicou a descrição de um dente que atribuiu a um réptil de grandes proporções e a que deu o nome de Megalosaurus (grande lagarto), proveniente do sul de Inglaterra.

Pela mesma altura, o médico inglês Gideon MANTELL, geólogo amador e coleccionador de fósseis, descreveu, desenhou, mas não identificou de imediato, um grande dente, achado pela mulher, no Sussex). Apresentou-o à Sociedade Geológica de Londres, sem qualquer resultado. Levou-o depois a Charles LYELL, que o fez observar por Georges CUVIER, no Muséum National d'Histoire Naturelle, de Paris, que o atribuiu a um rinoceronte. Não convencido, MANTELL continuou as suas pesquisas e, através da ganga associada ao referido dente, identificou as pedreiras de Tilgate, de onde retirou mais dentes e restos de ossos. .

A enorme semelhança entre os dentes achados e os das actuais iguanas, da América do Sul, levou-o a atribuir-lhe o nome de Iguanodon (dente de iguana), réptil herbívoro de grande porte. Novos achados, também de MANTELL, levaram ainda ao conhecimento de Hylaeosaurus (lagarto dos bosques). Só mais tarde, em 1841, Richard OWEN apresentou um trabalho de síntese baseado nos achados até então conhecidos, tendo proposto o nome DINOSAURIA(1) para o conjunto dos indíviduos descritos (nove géneros) todos com características reptilianas, mas com dentes implantados em alvéolos e com membros paralelos suportando o corpo, como nos mamíferos ou nas aves, isto é, com postura parassagital.




Fig. 2 - Diferentemente da postura comum a muitos répteis nossos conhecidos (à esquerda), os Dinossáurios desenvolveram, à semelhança dos mamíferos, uma postura dita parassagital, isto é, com os membros paralelos suportando o corpo (à direita). Ao centro esquematiza-se uma situação intermédia, própria de um grupo de animais do final do Paleozóico, os Tecodontes, que se admite serem os antepassados dos Dinossáurios.

O termo "Dinosauria" deixou de ter valor científico; caiu em desuso por razões de sistemática que veremos adiante, todavia impôs-se ao conhecimento geral pela designação menos erudita de Dinossáurio ou Dinossauro, em português, "Dinosaur" em francês e em inglês. Trata-se de uma expressão cómoda de uso generalizado, incluindo mesmo os paleontólogos que, rejeitando-a por razões científicas, continuam a utilizá-la por comodidade.

De início, todos os exemplares conhecidos correspondiam a criaturas gigantescas e "aterradoras", atributos estes que lhes valeram o nome e estiveram na base de produções literária, iconográfica, cinematográfica e outras, no geral, de má qualidade e completamente fora do contexto científico.

O inédito, o fantástico das revelações de OWEN e o fascínio (misto de temor e curiosidade) que despertavam nas pessoas, levaram este autor a encomendar modelos, em tamanho natural, das reconstituições que fez destes animais pré-históricos, evidentemente à luz dos conhecimentos de então. Executados pelo artista Waterhouse HAWKINS, em 1854, ainda hoje podem ser vistos e admirados no parque do "Cristal Palace" de Londres .

Na realidade, este grupo é bastante heterogéneo, incluindo desde formas de grandes dimensões, com mais de 30 m de comprimento e algumas dezenas de toneladas de peso, a outras pequenas como galinhas. Havia herbívoros de hábitos lentos e carnívoros poderosos, uns, e muito ágeis corredores, outros. Uns deslocavam-se como quadrúpedes e outros como bípedes.

Conviria referir que o interesse pelo conhecimento de fósseis de grandes vertebrados já vinha do séc. XVIII, e que a sua atribuição a formas aparentadas a grandes répteis era um facto assente. Com efeito, Mosasaurus (o lagarto do Mosa) fora descoberto, em 1770, nos terrenos do Maestrichtiano (Cretácico superior) de Maestricht (Holanda), representado por ossadas correspondentes a grandes maxilas de um indíviduo com 6 a 8 metros de comprimento.

Ainda no séc. XVIII, em 1784, foi conhecido um outro réptil fóssil, com a configuração de um animal voador do tipo dos morcegos, encontrado em camadas sedimentares do Jurássico do Sul da Alemanha. Tratava-se do primeiro Pterossáurio descrito.

Um outro "lagarto", este adaptado à vida aquática, um Ictiossáurio (Ichthyosaurus), viria a ser descoberto pela célebre Mary ANNING, nas formações do Jurássico de Lyme Regis, Dorset, no sul de Inglaterra, no ano de 1810, cerca de uma década antes das descobertas de MANTEL e BUCKLAND que levaram à síntese de Richard OWEN.

Ao contrário do que é frequentemente referido em literatura de má qualidade ou em outras obras menos cuidadas, Mosassáurios, Pterossáurios, Ictiossáurios e, ainda, os de outro grupo de indíviduos adaptados à vida aquática, os Plesiossáurios, pouco ou nada têm a ver com os Dinossáurios, a não ser o facto de, com eles, fazerem parte do conjunto dos répteis extintos desde o final do Mesozóico.

Uns anos mais tarde, em 1878, e ainda no que se refere à Europa, de entre as muitas descobertas assinaladas em vários países, ressalta, por extraordinária, a da mina do "Cran du Midi" , em Bernissart, na Bélgica. Aí, ao trabalhar numa galeria da mina de carvão a cerca de 320 m de profundidade, um mineiro encontrou o que poderíamos referir como um grande "filão" de ossos gigantescos. Os trabalhos de recolha do material paleontológico, que se seguiram, permitiram retirar trinta e um exemplares de Iguanodontes, dos quais cinco estão completamente reconstituídos e expostos no Museu Real de Bruxelas.

O Jazigo de Bernissart, sabe-se, encerra ainda um número considerável destes magníficos exemplares de grande porte (5 a 6 m de altura). Recentemente, as autoridades belgas propuseram à comunidade científica internacional colaboração científica, técnica e financeira, para relançar um grandioso programa de escavações e estudo desta fantástica ocorrência. Trata-se do Projecto "ASBL -Recherche des Iguanodonts", difícil de levar a cabo com os meios locais. Convidado a participar nesta magnífica realização de cooperação científica e cultural, Portugal recusou, liminarmente, envolver-se nela, baseando-se, para tal recusa, no parecer de um especialista nacional.

Se foram os europeus que deram aos Dinossáurios tratamento de nobreza, foram, porém, os americanos que os tornaram os heróis do passado. Com efeito, foi na América do Norte, ainda no século passado, que se instalou o que não é demais referir como uma verdadeira febre do Dinossáurio. Assim, em menos de 50 anos, foi reunida e, em grande parte, descrita a mais importante colecção de sempre. Dela fazem parte muitos exemplares completos, hoje expostos nos museus, não só dos Estados Unidos da América como nos de outros países.

No Novo Continente, a história começa em 1854, quando o jovem geólogo americano T.V. HEIDEN descobriu dentes fósseis no estado de Montana. Identificados mais tarde, em 1857, por Joseph LEIDY, da Academia das Ciências de Filadélfia, como Hadrosaurus foulkei, foi a primeira espécie de um grupo conhecido por Dinossaúrios "bico-de-pato", assim designada em homenagem a William P. FOULKE, da mesma Academia, também ele um nome importante da Paleontologia.

Mas o essencial da história da Paleontologia dos Dinossáurios repousa, sobretudo, na obra colossal de dois homens do fim do século passado e início do nosso século, que, em simultâneo mas separadamente, levaram a cabo a mais importante, volumosa e prolongada odisseia de procura, recolha e estudo de Dinossáurios, de sempre.

Orthinel C. MARSH, de famílias modestas, herdou de um tio, o banqueiro George PEABODY, uma fortuna considerável. Na sequência disso, fez estudos universitários e fundou o Museu PEABODY, no qual desenvolveu notável e longa carreira científica.

Edward D. COPE, de família rica e "quaker" , estudou na América e na Europa, tendo desenvolvido, igualmente, longa e notável actividade neste ramo da Paleontologia.

Estes dois homens, geniais, entusiastas, ricos, poderosos e livres dos condicionalismos institucionais e patronais, trabalharam intensamente, cada um por seu lado, numa rivalidade sem limites nem regras, dando, às vezes, lugar a atitudes menos correctas, espiando-se, atacando-se verbal e, até, fisicamente, procurando cada um, sempre que possível, ridicularizar o outro.

Apesar de tudo, mortos que estão os ânimos e as animosidades pessoais destes dois investigadores e suas equipas, ficou a descoberta, descrição e identificação de 136 novos géneros de Dinossáurios. Entre si, escreveram mais de dois mil trabalhos científicos, tendo, além disso, desenvolvido técnicas de escavação, ainda hoje utilizadas. Tal actividade, muito conhecida, também e sobretudo, nos seus aspectos negativos à margem da ciência, foi o começo de uma autêntica "corrida aos Dinossáurios". Aparecem os mecenas, os filantropos e as instituições financiadoras das expedições, das explorações e da pesquisa científica. Surgem academias, sociedades científicas e novos museus.

Possuir um esqueleto completo de um Dinossáurio, de preferência dos de grande porte, era ambição de qualquer Museu, até para dar satisfaçao às pressões que nesse sentido existiam por parte da opinião pública. Em contrapartida, começam, também nesta altura, as histórias fantasiadas, na maior parte de má qualidade, na procura de lucro fácil, visando um público consumidor ávido mas não preparado.

Em 1897, numa expedição ao estado americano do Wyoming, é descoberta por Walter GRANGER uma choça feita por pastores, para lhes servir de cabana, sustentada por ossos de grandes Dinossáurios (costelas e fémurs). O sítio do achado, conhecido por "Bone Cabin" forneceu nada menos do que 30 toneladas de ossadas, de entre as quais se reconstituiu o famoso e colossal Brontossáurio (brontos, do grego, trovão) ou Brontosaurus, nome latino do género (2).

Foi necessário fretar vagões especiais para transportar tais e tantas ossadas para o Museu de Nova Iorque, operação esta totalmente financiada pelo banqueiro e milionário John P. MORGAN.

Entretanto, um outro milionário americano, Andrew CARNEGIE, o célebre rei do aço, criou um Museu, que tem o seu nome, e uma instituição financiadora das explorações e estudo de Dinossáurios, à medida do gosto que tinha por estes animais do passado. Contratou o pessoal científico mais eminente da altura e empreendeu as escavações mais célebres de sempre, em Vernal, nas Split Mountain, no estado do Utah. Aí, até 1912, a equipa Carnegie, chefiada por Earl DOUGASS, exumou toneladas de ossos, tendo sido identificadas dezenas de espécies, entre as quais, os célebres Diplodoco (Diplodocus carnegiei) e Apatossáurio (Apatosaurus louisiae).

Foram então moldadas, peça a peça, as ossadas de um Diplodoco e oferecidos exemplares completos (em moldes de gesso) aos mais importantes museus da Europa, de entre os quais, o Muséum National d'Histoire Naturelle de Paris, em 1911. O local explorado por Carnegie é hoje o célebre "Dinosaur National Monument", por decisão do então presidente WILSON, em 1915.

Em 1908, Charles STERNBERG descobria no Kansas um Dinossáurio mumificado, do grupo dos chamados "duck billed" (bico-de-pato), o que permitiu um avanço importantíssimo no conhecimento de outros aspectos do corpo destes animais, como, por exemplo, da estrutura da pele. Mais tarde, em 1913, este mesmo investigador encontrou o primeiro "bico-de-pato" com crista .

Por volta dos anos 20, o número e variedade de restos de Dinossáurios conhecidos era já muito grande, desde o pequeno Ornitholestes, com 2 a 3 metros, ao gigantesco Diplodocus, que atingia cerca de 30 metros de comprimento. Neste conhecimento estavam incluídos tanto herbívoros como carnívoros.

Entretanto, na Europa, embora a um ritmo que teremos que considerar modesto face ao que se passava do outro lado do Atlântico, têm lugar, no início do século XX, importantes achados, sobretudo na Alemanha (Plateosaurus, em 1937, no Triásico de Trossingen) e na Hungria, são célebres os estudos de Thomas HUXLEY, sobre Iguanodon e Compsognathus, em defesa da teoria evolucionista de DARWIN, na mesma altura em que Louis DOLLO estudava o importante Jazigo de Bernissart.

Ainda no início deste século, expedições alemãs a vários locais do mundo contribuiram também, e muito, para o conhecimento da expansão mundial dos Dinossáurios. Investigadores do Museu de Berlim recolheram magníficos exemplares nos terrenos do Jurássico do leste africano e na Argentina.

No continente asiático, China e Mongólia foram alvo de numerosas expedições por parte de Museus e Universidades da Alemanha, E.U.A., Rússia, China e Polónia. Entre os numerosos indivíduos identificados, uns são próprios e exclusivos dessas regiões, outros demonstram universalidade de distribuição. Destas expedições, ficou célebre a descoberta dos primeiros ovos de Dinossáurio, neste caso, de Protoceratops, em terrenos de idade cretácica.

Mais recentemente, são dignos de referência os trabalhos conjuntos levados a efeito por equipas da Polónia e da Mongólia, entre 1965 e 1971, no leste asiático. Deste continente, é mundialmente célebre a descoberta dos restos de dois Dinossáurios em combate de morte. Célebres ainda as descobertas sensacionais, nos anos 60, de Deinonychus (garra terrível) e Deinocheirus (mão terrível) respectivamente, no Cretácico inferior de Montana (EUA) e no Cretácico superior da Mongólia.

Actualmente, nos anos finais do século que estamos a dobrar, os especialistas em Paleontologia deste grupo de animais, como diz o paleontológo francês Jean-Michel MAZIN, já não são os "chasseurs de grands fossils". É certo que a descoberta de um fóssil completo, sobretudo se for dos gigantescos, é sempre um motivo de grande satisfação e de entusiasmo, nos países em que há respeito e interesse pela investigação científica fundamental. Parece não ser, lamentavelmente, o caso português (3).

Em Portugal há condições geológicas propícias à ocorrência de Dinossáurios e outros répteis, em especial no Jurássico superior e no Cretácico inferior. Com efeito, são numerosas (e algumas muito boas) as jazidas conhecidas na orla ocidental.

Do ponto de vista da Ciência, neste caso Paleontologia, Estratigrafia e Geologia em geral, um fóssil completo, espectacular, pode não ser tão importante como um simples dente ou um fragmento de osso ou de pele. Hoje em dia, dados os custos enormes deste tipo de empreendimentos, a tendência é para a cooperação internacional, com repartição racional das tarefas e dos custos, sempre na procura de maior eficácia, como é o caso do actual projecto de Bernissart.


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(1) Designaçao composta de dino, elemento derivado do grego deinós, que traduz as ideias de terrível, medonho, que inspira terror, perigoso, que fere a imaginação, espantoso, estranho, poderoso, etc.; e de sauro, do grego, que significa lagarto.
(2) Reconheceu-se posteriormente que o género Brontosaurus, descrito em 1879, por O. MARSCH, é o mesmo que o descrito mais cedo, sob o nome de Apatosauru~, pelo que deve ser esta a designação válida.
(3) Veja-se o que tem acontecido, entre nós, com o conhecido jazigo da Lourinhã e outros.

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In: CARVALHO, A. M. Galopim de (1989) - Dinossáurios. Introdução. Lisboa:”Naturália”, Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, Colecção "Natura", (Nova Série)14: 133 pp.. Publicado com autorização do autor.