A GLOBALIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO
 RESPONDE À GLOBALIZAÇÃO DOS CIFRÕES



FOTO: O Prof. Galopim de Carvalho na abertura da Feira dos Minerais de 2002


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A.M. GALOPIM DE CARVALHO
DIRECTOR DO MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA NATURAL, LISBOA

ESTELA - Muitas pessoas imaginam que a classificação dos minerais, das plantas e dos animais é imutável, e que não há mais espécies novas para descobrir. Ora todos os dias aparecem novas espécies. De outro lado, a sistemática está em contínua mudança: Lineu classificou como Vermes, por exemplo, um grupo de animais que incluía lulas e polvos, hoje identificados como Mollusca. Ao ritmo a que a reclassificação e consequentemente a nomenclatura mudam, nem os cientistas as conseguem acompanhar... Só os especialistas em dado grupo andam actualizados... Essa mudança tão vertiginosa deve-se à vertiginosa evolução das espécies?

PROF. GALOPIM - Não! O tempo vivido pela sociedade humana, desde os primeiros naturalistas que foram sensíveis à existência de espécies animais ou vegetais, até aos dias de hoje, é demasiado curto para nos darmos conta de tal mudança. Tal poderia acontecer ao nível de seres muito rudimentares como os vírus, mas não é esse o caso em apreço.

ESTELA - O Prof. Galopim é um cultor da popularização do conhecimento científico, o que não é aceite pela maioria dos seus colegas. Entendem que divulgar é mudar de uma linguagem de verdade para uma linguagem de alteração da verdade científica...

PROF. GALOPIM - Assim é, de facto! O que não implica perda de rigor científico. É sempre possível encontrar um discurso suficientemente correcto, acessível e capaz de interessar o cidadão comum, ou seja, o vulgo e, daí, o termo divulgar.

ESTELA - O Prof. Galopim acaba de lançar um novo livro, em parceria com J.P. Martins Barata e Vanda Faria dos Santos, na Âncora Editora, "Dinossáurios", cujo subtítulo é "Uma nova visão". O que aconteceu entretanto para motivar a nova visão?

PROF. GALOPIM - As últimas duas décadas estão recheadas de novas descobertas no âmbito da paleontologia e da paleobiologia dos dinossáurios, não só a nível mundial como no que respeita ao território de Portugal. Descobriram-se o mais antigo carnívoro (Eoraptor), e o maior (Giganotosaurus), um terópode gigantesco da Argentina. Encontraram-se ovos com embriões fossilizados na Mongólia que ilibaram o Oviraptor da condição de ladrão de ovos a que o seu nome alude. Descobriu-se um coração mumificado, descreveram-se dinossáurios com penas e reforçaram-se os argumentos que consideram as aves como os dinossáurios que resistiram à grande extinção de há 65 milhões de anos. Aceita-se hoje que nem todos os dinossáurios eram animais de sangue frio como os répteis, tal como ainda os definimos, e que não eram tão estúpidos como muitos os consideravam. Portugal, apesar das nossas tradicionais dificuldades, nomeadamente a falta de apoio à investigação, não escapou a este caminhar em frente. A descoberta de pegadas de saurópodes gigantescos em camadas de calcário do Jurássico médio, com cerca de 175 a 180 milhões de anos, ensinou-nos, a nós e ao mundo, que estes herbívoros surgiram duas a três dezenas de milhões de anos mais cedo do que até aqui se conhecia. Na Lourinhã foram descobertos ovos de carnívoros (terópodes), uma notícia que correu mundo nas revistas científicas da especialidade e nos media mais populares. Não se conheciam vestígios de dinossáurios no Algarve, mas agora sabemos que também por ali andaram carnívoros e herbívoros há uma centena de milhões de anos, etc. etc..

ESTELA - Os acontecimentos mais marcantes do Museu Nacional de História Natural de Lisboa têm sido a Feira dos Minerais e as exposições de dinos, ambos fenómenos de grande sucesso e adesão do público, que deixam os seus colegas a roer as unhas de inveja, porque essa recusa da divulgação é só narcisismo... O que tem de novo para nos anunciar quanto a estas iniciativas?

PROF. GALOPIM - Uma outra grandiosa exposição de dinossáurios robotizados, da Kokoro, no género da que mostrámos há dez anos e que trouxe ao museu cerca de 350.000 visitantes em apenas 11 semanas. Desta vez não são exibidas réplicas isoladas. Os robots estão reunidos em cenas que dramatizam aspectos do dia-a-dia destes animais.

ESTELA - Está para sair o segundo volume da sua série "Sopas de Pedra". O primeiro tratava das rochas magmáticas, oriundas da actividade vulcânica. De que trata o seguinte?

PROF. GALOPIM - Trata de GEOLOGIA SEDIMENTAR, expressão, aliás, usada como título da obra em dois volumes. O primeiro volume – SEDIMENTOGÉNESE – aborda a origem das rochas sedimentares, os processos que conduzem à sua formação no quadro da dinâmica terrestre (geodinâmica). Fala-nos dos múltiplos ambientes sedimentares que decorrem no presente e que, como tal, podemos observar, e da extrapolação que, a partir deles, podemos fazer para os paleoambientes registados nas rochas sedimentares. É uma obra concebida a pensar nos estudantes das várias licenciaturas no âmbito das Ciências da Terra, e nos professores do ensino secundário e complementar. O segundo volume – PETROGRAFIA SEDIMENTAR – elaborado com idêntico propósito, aborda o estudo destas rochas, como material constituinte da litosfera, e a sua classificação sistemática. Mas isso fica para o ano e, nessa altura, poderemos voltar a falar.

ESTELA - E saiu também a terceira edição de "O cheiro da madeira", que não é obra científica nem de divulgação... Eu diria que o Prof. Galopim, como escritor, é essencialmente um memorialista, e inclinado sobretudo a contar as memórias da sua vida no Alentejo... Ele está muito mudado ou continua como há trinta ou quarenta anos?

PROF. GALOPIM - Mudou muito, de facto. E, em muitos aspectos, para melhor!

ESTELA - Quero agradecer a colaboração que tem prestado ao TriploV, na maior parte da sua iniciativa, quando o Prof. Galopim é uma vedeta, motivo ainda maior para me sensibilizar a sua generosidade. O que é que o atrai na Internet, se ainda por cima é um desses dinos que ainda não usam computador?

PROF. GALOPIM - Atrai-me, sobretudo, a globalização da comunicação entre os cidadãos do mundo, o que pode constituir uma resposta à outra globalização, a da economia, a dos cifrões.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2002