GEÓLOGO, DIRECTOR do Museu de História Natural de Lisboa, o Professor A.M. Galopim de Carvalho inaugurou no nosso país uma nova maneira de a ciência estar no mundo - a sua cidadania -, através da popularização do conhecimento científico (transgressora, pois a maior parte dos cientistas é hostil à divulgação, e muito mais ainda à popularização), dos seus livros não científicos - híbridos de ficção e ciência, mas que não são obras de ficção científica -, e até iconografia (também é pintor), mas sobretudo da sua própria assunção nos media como figura querida e conhecida do grande público. De tal modo é uma figura popular no âmbito da dinossauromania, por ele introduzida em Portugal, que aos dinossauros chamamos "galopins". A imagem em baixo, dele, evoca o facto de usar normalmente "gravata de galopins" nas cerimónias oficiais, como se verifica na foto ao lado.

O TriploV agradece entrevista, pinturas inéditas ( 32x25) de J.M. Martins Barata, e os textos, que o Prof. Galopim teve a gentileza de nos oferecer para publicação.

JÁ VISTE A MINHA GRAVATA DE GALOPINS?

O PROFESSOR GALOPIM DE CARVALHO

TRIPLOV : - Estimado Prof. Galopim de Carvalho, vamos ter no Museu de História Natural de Lisboa segunda exposição de dinossauros robotizados, desta vez só carnívoros, como Tyranosaurus rex, que pertence ao Cretácico. Quer dizer-nos que animais coabitaram com o Tyranosaurus rex e se este também existiu na Península Ibérica?

A.M. GALOPIM DE CARVALHO : - Foram muitos os dinossáurios do Cretácico mas o T. rex é o mais conhecido; tanto quanto se sabe, só viveu na América do Norte. Menos mediáticos são os géneros afins e da mesma época, Albertosaurus (no Canadá, em Alberta) e Tarbosaurus, na China. Outras espécies do Cretácico são Triceratops, Protoceratops, Styracosaurus, Edmontosaurus, etc., todos herbívoros. Como carnívoros, são mais conhecidos Deinonychus, Velociraptor, Oviraptor, Deinocheirus, etc..


A.M. Galopim de Carvalho : auto-retrato

Hora solene do crepúsculo. Onde irão passar a noite, deixando atrás deles uma esteira de icnofósseis?


O que poderiam eles fazer antes de ir para a cama? Ora, meninos...


E aí estão eles, os filhotes, nascidos de ovos não muito grandes. Virá agora a família a ser muito feliz para sempre?


Pobrezitos, a mãe bem os quer defender, atacando os carnívoros, mas são tantos os predadores...
Quatro pinturas de J.M. Martins Barata

TRIPLOV : - Portanto nada de Tyranosaurus em Portugal...

A.M. GALOPIM DE CARVALHO : - Não, não há vestígios de Tyranosaurus em Portugal nem na Europa, nem em nenhuma outra parte do mundo, para além da América do Norte e Ásia oriental.

TRIPLOV : - Um dos principais monumentos do Cretácico no nosso país é a jazida de Carenque, onde os sinais da passada existência de dinossauros não é constituída por peças ósseas, sim por icnofósseis. Quer explicar-nos o que isso é?

A.M. GALOPIM DE CARVALHO : - Sim, icnofósseis, do grego ichnos, que quer dizer vestígio, marca, impressão... Ao passar sobre um terreno brando, lamacento, neste caso uma laguna litoral, um grande herbívoro bípede, talvez um ornitópode, deixou marcas sob a forma de pegadas ao longo de um trilho de mais de 130 metros. No mesmo local e na mesma época, há ainda uma pista com pegadas tridáctilas de um carnívoro bípede - terópode - de médio porte. É o mais moderno dos vestígios destes animais entre nós e um dos mais longos.

TRIPLOV : - Como era a paleogeografia do Cretácico?

A.M. GALOPIM DE CARVALHO : - Um grande e único supercontinente, a Pangea, começou a fragmentar-se no início da Era Mezozóica, processo ainda em curso no Cretácico. Nessa época, um oceano recém-criado e ainda muito estreito começava a isolar terras até então contíguas e a separar definitivamente as populações da América do Norte das da Eurásia.

TRIPLOV : - Quais as razões invocadas pelos paleontólogos para o desaparecimento de dinossauros como Tyranosaurus rex?

A.M. GALOPIM DE CARVALHO : - Uma parte muito significativa da comunidade científica, neste domínio do saber, defende a teoria segundo a qual um mega-impacte produzido por um asteróide ou um cometa, da ordem da dezena de quilómetros de diâmetro, criou condições que levaram à rápida extinção de três quartos (75%) dos grupos biológicos de então. Entre essas condições dá-se relevo ao obscurecimento da atmosfera, às perturbações no clima global, às chuvas ácidas, etc.. Tyranosaurus rex e todos os dinossáurios seus contemporâneos desapareceram durante esta crise biológica, referida como uma "extinção em massa".

TRIPLOV : - Os dinossauros devem ser muito diferentes uns dos outros, não só por uns serem herbívoros e outros carnívoros, uns da altura de prédios e outros do tamanho de aves, mas porque em alguns o comportamento parece aproximar-se do dos mamíferos, por exemplo no cuidado dispensado às crias pelos pais. Mamíferos e aves tratam dos filhotes, os répteis, em geral, não. Além da oviparidade, é conhecido entre eles algum outro modo de reprodução?

A.M. GALOPIM DE CARVALHO : - Sabemos hoje que os crocodilos cuidam dos seus filhotes e os vigiam nos primeiros tempos de vida. Conhecem-se umas oitocentas espécies de dinossáurios. Entre um tão elevado número, certamente muito inferior ao das que existiam (ainda por descobrir e estudar), o número de casos de que se conhece o modo de reprodução é mínimo, inferior a uma dezena, todos eles indicadores de oviparidade.

TRIPLOV : - O Prof. Galopim é conhecido por ser o homem dos dinossauros em Portugal, apesar de a sua actividade neste domínio ter sido sobretudo a de popularização do conhecimento científico e luta com as autoridades para a preservação dos geomonumentos. Qual é o saldo actual da situação?

A.M. GALOPIM DE CARVALHO : - O saldo tem sido positivo. O processo tem decorrido com muita lentidão mas a passos firmes. Já se salvaram do betão e do asfalto muitos geomonumentos. A Jazida da Pedreira da Galinha, na Serra d'Aire, é um exemplo de que nos devemos orgulhar. A de Carenque continua a ser objecto de uma luta muito difícil e longa (já dura há 12 anos), mas estou certo que irá ter o desfecho digno e feliz a que tem direito.