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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências

ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 







Maria Estela Guedes
Foto: Ed. Guimarães

Rui Grácio e a revolução mística

Frei Rui Grácio  é um intelectual dominicano com coração franciscano, que tem vivido grande parte da vida na América Central e do Sul. Não surpreende assim que a maior percentagem dos textos que apresenta em «Mìstica e Revolução» venham datados de Manágua.

O livro é algo anárquico na sua composição de poemas e ensaios, o que de resto representa a praxis das teorias neo-anarquistas propostas por Rui Grácio, com vista a uma revolução que começa por ser interior. Os elementos anarquisantes patenteiam-se em especial na ortografia (o uso sistemático do @ em vez do artigo rejeita a discriminação do feminino para promover um género único) e na estrutura da obra, erigida preferencialmente no endereço dos poemas a alguém. Alguns remetem para figuras da história nicaraguense, caso de Augusto César Sandino, motor da Revolução Sandinista.  A diversidade das figuras evocadas, postadas em geral à esquerda, mesmo tratando-se de santos ou de Jesus Cristo, tal como os textos finais, endereçados a entidades anónimas (velhice, juventude, infância) revelam, na sua miscelânea viva, a biografia intelectual de Rui Grácio, pessoa situada sem dúvida à margem do sistema ortodoxo, quer como cidadão quer como padre.

Os membros mais cultos do clero não deixam nunca de nos surpreender, apesar de os termos por perto no Triplov e de não esperarmos comportamentos retrógrados da Igreja progressista. Frei José Augusto Mourão, saudoso amigo e companheiro, aparecia em público com um discurso tão arrojado que uma vez lhe perguntei se acreditava em Deus. E agora frei Rui Grácio levanta idênticas perplexidades, não por causa da revolução mística e neo-anarquismo que proclama, sim por proferir estranhos enunciados, a exemplo do que lemos no poema abaixo, endereçado a Tito de Alencar, dominicano brasileiro preso e torturado por razões políticas, no qual revela um Deus ateu. Um Deus ateu?! Um Deus que não acredita em Si mesmo?! Não me passa pela cabeça, mesmo racionalista e ateísta q.s., que o ateísmo de Deus se refira a mim, enfim, que o ateísmo divino signifique que Deus não acredita em nós, deuses menores... É bom que nos agitem a mente com estes tratamentos de choque, só assim prestamos atenção a coisas tão absurdas como a tortura ou a miséria em que vive metade da população do Planeta.

 
Filho do nosso tempo, um tempo presente, sem passado nem futuro, Rui Grácio defende a Revolução Mística como forma de salvação da catástrofe em que nos lançou o neo-liberalismo. São atraentes as propostas e é grato ver que um novo paradigma vai ganhando raízes e trepando pelas paredes da nossa consciência, contrariando a apatia com que consentimos nas vergonhas cada vez mais extensas e intensas com que nos confronta o estado nacional e mundial das coisas.

Confesso entretanto, frei Rui Grácio, que não saberia como praticar esta novíssima fé que se constitui, holisticamente, com contributos tão distintos: pacifismo, anti-militarismo, feminismo, cristianismo, iberismo (no nosso caso), budismo, ecologismo, contracultura, indigenismo, etc... Anoto porém que os contributos são bons e que o resultado da mistura, a ser viável, é como os híbridos: mais belos, mais saudáveis, mais fortes, de maiores dimensões que as espécies progenitoras. Só falta um modus operandi para nos alistarmos nas fileiras da Revolução Mística.


Maria Estela Guedes
Casa dos Banhos, 25 de julho de 2013
 
 
 
RUI MANUEL GRÁCIO DAS NEVES
Mística e Revolução
Espiritualidade, Poesia e Ensaio para um Novo Milénio
Edição da CEPSE, Portugal, 2012
 
 

Maria Estela Guedes (1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010. “Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010; "Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011;"Risco da terra", Lisboa, Apenas Livros, 2011; Trabalhos da Maçonaria Florestal Carbonária. Lisboa, Apenas Livros, 2012; Brasil, São Paulo, Arte-Livros, 2012. "As Rosas do Freixo", Apenas Livros, Lisboa, 2012; "Brasil", São Paulo, Arte-Livros, 2012; "Um bilhete para o Teatro do Céu", Lisboa, Apenas Livros, 2013.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009. Entrada sobre a Carbonária no Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa, Gradiva Editora, 2010. "Munditações", de Carlos Silva, 2011. "Se lo dijo a la noche", de Juan Carlos Garcia Hoyuelos, 2011; "O corpo do coração - Horizontes de Amato Lusitano", 2011.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira.