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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências

ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 







Maria Estela Guedes
Foto: Ed. Guimarães

Alguns estereótipos e outros erros fatais

É comum as pessoas elogiarem dado escritor por escrever bem, mas de um lado o elogio pode ofender, pois o mínimo dos mínimos a que ele tem de corresponder é esse; de outro lado, o escritor pode escrever mal do ponto de vista da correcção linguística; em terceiro lugar, o escrever bem, no escritor, é diferente do que em geral supõe quem elogia. Para sintetizar e mudar já de assunto, ou bem que o escritor consegue tocar o leitor, dando-lhe um murro no estômago, acariciando-o ou metendo-lhe medo, ou mais vale arrumar as malas e ocupar-se noutra atividade. A boa escrita literária tem de ser eficaz e revelar personalidade. O estilo diz respeito aos textos, o estilo de um poema não costuma ser o de um romance. A personalidade diz respeito ao autor.

Erros que os escritores, tal como os leitores, devem evitar, são o uso sistemático de estereótipos. Estereótipos são modas, marcas, sejam Dior ou Prada, sejam da boutique do chinês da esquina. De extraordinário têm o facto de equivaler ao argueiro que vemos no olho dos outros, mas não no nosso. Quem os detetar nos meus textos, avise, para que emende a mão. E com isto passo ao argueiro nos olhos do outro.

Estão na moda os «basicamente», «nomeadamente», «designadamente», para começar com os advérbios de modo. Parece que tudo «é tão simples como isto», mas «de todo» «é tudo muito complicado».

Um aparte para a bela Alexandra Lencastre, tão bem vestida sempre naquele programa da TVI que tantos vimos, «Esta cara não me é estranha»: entre cada três palavras, ela metia um «de facto». Este discursozinho de vestido de chita não corresponde aos seus trajes de gala.

Por meter esse estereótipo da Alexandra na conversa, estão na moda também o «meter» e o «colocar», postos (o verbo «pôr» está em vias de extinção) em maus lençóis em muitos casos. Assim, em vez de «pôr a mesa» ou «pôr os pés no chão», «coloca-se» e «mete-se a mesa».

Por falar de mesa, quem não se irritou ainda com esse vício dos empregados de café que nos negam o «copo de água» com a alegação de que o copo não é de água, sim «com água»? Da próxima, peçamos, por favor, «um cálice com porto, um prato com sopa, uma garrafa com azeite» e etc., se não quisermos ficar excêntricos a tão aberrantes bengalas.

O mais horroroso de todos os os estereótipos, no entanto, é a mania das aspas, e apetece mesmo mandar às aspas, «entre aspas», quem tal pronuncia, e sobretudo quem as sinalefas faz, erguendo dedinhos acima das orelhas.

Também apetece erguer repreensivamente as sobrancelhas, e com elas as «canêlas», a quem pronuncia «trêvas»,  «janêlas», «acêssos», por lhe faltar alguma coisa no interior da «têsta». Na maior parte dos casos, os estereótipos provêm da Rádio e da Televisão.

Já não são propriamente estereótipos, sim erros, aliás como os antecedentes, as deturpações «câmbrias» (por «caimbras»), «atão» (por «então»), «ó pois» (por «depois») e similares; as últimas duas são correntes na fala dos atores de teatro, viciados na comédia de imitar o linguajar do povo. Depois acham estranho que os brasileiros, que pronunciam todas as sílabas, tenham o desplante de «meter» legendas nos filmes e «telenovêlas» portugueses que passam nas suas salas de espetáculos.

As traduções que correm em legendas na televisão deviam ser objecto de um dicionário da asneira. Desde traduzir «evidence» (inglês) por «evidência» (em vez de «prova»), e afiançar que o ornitorrinco tem «bico de canário», em vez de «bico de pato» (francês: «bec de canard»), o disparate pode ser incomensurável.

Não dizia um dos nossos preciosos ministros, um destes dias, no telejornal, que as «minuidências» de não sei quê lhe «metiam» os cabelos em pé?

Uma vez, há muitos anos, era eu colaboradora do «Diário Popular», o director, Jacinto Baptista, comentou um artigo meu sobre assuntos idênticos (em que me recordo de ensinar que não se diz «metereologia», sim «meteorologia»). Segundo ele, não valia a pena gastar cera com tão ruins defuntos, porque era ocioso tentar corrigir. Será uma perda de tempo, ninguém mudará os seus maus hábitos por eu mostrar outros melhores. Porém, se não escrevesse o que escrevi, ainda ficava engasgada. De outra parte, a precaridade (domina uma «precariedade» de origem recente e incerta, com a qual não me conformo) cada vez mais assustadora do domínio que revelamos da língua materna, exige que de vez em quando deixemos a contemplação da horta e seus produtos «hortográficos» para «colocarmos» alguns pontos nos is

Maria Estela Guedes (1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010. “Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010; "Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa, Apenas Livros, 2011.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009. Entrada sobre a Carbonária no Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa, Gradiva Editora, 2010. "Munditações", de Carlos Silva, 2011. "Se lo dijo a la noche", de Juan Carlos Garcia Hoyuelos, 2011; "O corpo do coração - Horizontes de Amato Lusitano", 2011.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira.