MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

2.2. As “Matriarcas”: a tradição judaica das grandes mulheres

Uma segunda vertente devemos explorar com base na centralidade do feminino que apontámos no ponto anterior. Mesmo se nos abstrairmos da proximidade de Maria Madalena em relação ao núcleo funcional e teológico da figura messiânica que é Jesus, facilmente constatamos que o mundo hebreu era propício a figuras históricas e literárias semelhantes: grandes mulheres por detrás de homens marcantes para a religião e identidade do colectivo.

Na sua auto-imagem, Israel encontra o ponto genealógico do seu devir nas figuras dos Patriarcas: Abraão, Isaac e Jacob. Numa breve imagem, estes homens muito deveram às suas espoas: Sara, Rebeca e Raquel. Em muitas situações, foram elas que lhes indicaram o que deviam fazer. Estamos a falar nas “Matriarcas”.

A Bíblia, nomeadamente no Pentateuco – conjunto dos primeiros cinco livros: Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio – oferece um quadro de história, completamente delineado pela fé e, por isso, de índole marcadamente confessional.

O modo como a fé entende os acontecimentos históricos tem características próprias: uma grande parte destas tradições de Israel deve ser considerada poética, sendo, assim, produto de uma clara intenção criativa, metafórica e alegórica. No entanto, para os povos antigos, a poesia é muito mais do que um simples jogo estético: é a expressão de um desejo insaciável de conhecer os acontecimentos históricos, naturais e divinos do mundo circundante.

Só a poesia se prestava a falar das experiências da história de forma a actualizar, plenamente, o passado. Em algumas culturas e movimentos do Mundo Antigo, a poesia era considerada resultado, fruto, mais que de inspiração, de encarnação de uma divindade no poeta que a transmitia. É poeticamente que os oráculos de Apolo em Delfos são transmitidos pela Pitonisa; é pela poesia que muitos dos profetas do Antigo Testamento transmitem a mensagem de Deus.

A declamação da poesia, nomeadamente a dos textos sagrados, era um novo e constante vivenciar histórico dos acontecimentos narrados. A historicidade estava plenamente marcada no dia-a-dia, nos ritos e nas formas de piedade.

Logicamente, constatamos a dificuldade em distinguir, através dos conceitos actuais de história e de teologia, onde termina uma e começa a outra. Pelo contrário, estão de tal maneira entretecidas que, facilmente, as imiscuímos.

Discurso poético - mítico, mesmo - as narrativas dos Patriarcas são parte do mais profundo caldear de várias tradições regionais diferentes numa única identidade colectiva.

Actualmente, mediante o contexto cultural marcado nestas narrativas, remetemos uma datação do meio em que se movem estes Patriarcas para a primeira metade do segundo milénio antes de Cristo, por volta dos séculos XIX/XVIII, num horizonte de semi-nomadismo e transumância. No que diz respeito à redacção destes capítulos da Bíblia, ela coloca-se actualmente numa época bastante tardia, em relação à possível datação das suas personagens, isto é, por volta dos séculos VI-V a.C.

Para a cultura hebreia, este horizonte, que no Génesis é colocado logo após todas as vicissitudes da criação do mundo e dos primeiros problemas que os humanos criam a Deus, é o início da sua própria história. Até Génesis 11 temos uma História Universal, a partir do capítulo 12 encontramos a História dos Patriarcas, uma história já restringida aos antepassados directos de Israel.

Já plenamente introduzidos na imagem literária e religiosa que um colectivo, o hebreu, escolheu para si, vejamos agora com que foi recheado.

Genericamente, o tempo dos Patriarcas é um tempo de promessa, é o Tempo da Promessa. Esta Promessa materializa-se em três ideias míticas desta cultura: uma terra, uma aliança, uma posteridade.

Em termos de narrativa bíblica, de literalidade do texto, a origem do povo de Israel assenta na história de um homem – Abraão – que obedece à ordem de Iavé para sair da sua terra. No seguimento dessa ordem será cumprida uma promessa:

  • a paternidade de um povo (Génesis 12, 2)
  • uma nova relação com Deus (aliança / bênção: Génesis 12, 3)
  • uma terra dada à sua descendência (Génesis 12, 7).

A Promessa faz da época dita patriarcal a instituição destinada a preparar, cuidadosamente, o nascimento e a vida do povo de Deus. Neste conjunto de promessas encontramos, na prática, uma trilogia que equivale ao nascimento de uma entidade administrativa autónoma, um colectivo independente: um povo, um Deus, um território.

Vejamos, agora, depois de caracterizada a época e a identidade hebreia e judaica em relação a essa época, a forma como as mulheres foram determinantes na concretização dos passos necessários para a efectivação dessa Promessa.